a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
a teoria ferencziana do trauma - Instituto de Psicologia da UFRJ
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
proteger <strong>de</strong>ste enuncia<strong>do</strong> vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> infante, toma-o como uma mentira ou uma<br />
confabulação. Desta forma, o adulto não se torna o objeto <strong>de</strong> introjeção por não ter as<br />
condições que seriam necessárias para tanto (PINHEIRO, 1995). Ora, se concebemos<br />
que o adulto é incólume às palavras <strong>da</strong> criança, encontran<strong>do</strong>-se em uma posição<br />
invulnerável em relação a ela, estaremos atribuin<strong>do</strong> a este mesmo adulto uma<br />
onipotência que ele não tem. Nesta relação entre o adulto e a criança que a <strong>teoria</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>trauma</strong> ferencziano se <strong>de</strong>bruça, ressalta-se que o adulto é um ser humano; que ele<br />
mesmo po<strong>de</strong> se afligir com as experiências cruas que uma criança passa. A <strong>teoria</strong><br />
freudiana nos diz isso muito bem, ao postular e afirmar a amnésia infantil – a<br />
sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil é traumática, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e sobretu<strong>do</strong>, para o adulto.<br />
A criança subjuga<strong>da</strong> pela força aterra<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> adulto, que para li<strong>da</strong>r com a<br />
situação traumática a<strong>da</strong>pta-se ao ambiente, abdican<strong>do</strong> o quanto for necessário <strong>de</strong> si<br />
mesma para a própria sobrevivência, é uma figura marcante no corpo teórico <strong>de</strong><br />
Ferenczi. Ele nos falará, por exemplo, <strong>da</strong> criança que, à força <strong>do</strong> <strong>trauma</strong>, torna-se um ser<br />
autômato, com uma vi<strong>da</strong> psíquica empobreci<strong>da</strong> em termos volitivos e afetivos, que,<br />
enfim, “obe<strong>de</strong>ce mecanicamente” (FERENCZI, 1933/1992, p. 103) ao outro. Esta<br />
passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta que leva à a<strong>da</strong>ptação força<strong>da</strong> é exatamente a ponte para aquilo que<br />
o autor <strong>de</strong>nominou “autoclivagem narcísica”.<br />
2.4. O <strong>de</strong>scrédito<br />
A criança busca um outro adulto que não o agressor, com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> achar,<br />
com este, o senti<strong>do</strong> que a faça compreen<strong>de</strong>r a experiência pela qual passou. Ela não<br />
recalcou o que aconteceu; pelo contrário, isto está vívi<strong>do</strong> e, no entanto, na penumbra<br />
confusa <strong>do</strong> não-senti<strong>do</strong>. Como po<strong>de</strong>mos intuir, ela encontra-se em um esta<strong>do</strong> intenso <strong>de</strong><br />
angústia e fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica, e o nível <strong>de</strong> aflição que a <strong>do</strong>mina só é suportável<br />
porquanto tenha a esperança <strong>de</strong> que o adulto, objeto <strong>de</strong> introjeção, venha ao seu<br />
encontro fornecer o amparo que tanto necessita. Esta expectativa lhe dá força para travar<br />
contato com o adulto e, por tal motivo, este é o último momento em que a criança<br />
encontra-se ain<strong>da</strong> como agente neste percurso. Venci<strong>da</strong>s as inibições, a ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
to<strong>da</strong>s as barreiras por nós impensáveis, a criança, enfim, relata ao adulto, com tu<strong>do</strong> que<br />
a sua linguagem permite, a experiência que sofreu e que não compreen<strong>de</strong>.<br />
34