View - Universidade Estadual do Ceará
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No que concerne à realidade de formação policial militar o que parece<br />
ocorrer são apenas algumas mutilações <strong>do</strong> eu. Ademais, em qualquer realidade, por<br />
dura e opressora que seja, acreditamos que a subjetividade humana e o livre arbítrio<br />
<strong>do</strong> indivíduo ainda preservam sua autonomia. A respeito disso é feliz a observação<br />
de Simmel sobre a complexidade da natureza humana:<br />
O ser humano como um to<strong>do</strong> é, por assim dizer, um complexo ainda<br />
informe de conteú<strong>do</strong>s, formas e possibilidades. De acor<strong>do</strong> com as<br />
motivações e relações da existência cambiante, ele se configura em<br />
uma imagem diferente e delimitada. Como homem econômico ou<br />
político, como membro de uma família ou como representante de<br />
uma profissão, ele é, a cada vez, uma elaboração construída ad hoc.<br />
Seu material de vida é determina<strong>do</strong>, a cada vez, por uma idéia<br />
específica, convertida em uma forma específica, cuja vida<br />
relativamente autônoma é alimentada por uma fonte de força <strong>do</strong> eu<br />
comum, imediata, porém indefinível ( 2006, 67-68).<br />
Mesmo assim, somos força<strong>do</strong>s a admitir que, pelo menos com relação ao<br />
nosso objeto de estu<strong>do</strong>, as rupturas que a instituição tenta criar entre o novo papel<br />
<strong>do</strong> indivíduo e seu papel anterior assinalam uma primeira mutilação <strong>do</strong> eu. Por isso,<br />
pensa-se que a reprodução <strong>do</strong> ethos policial militar encontra no modelo fecha<strong>do</strong> de<br />
instituição um ambiente propício. A partir <strong>do</strong> pensamento de Goffman é possível<br />
explicar como isso ocorre:<br />
O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si<br />
mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais<br />
estáveis no seu mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>méstico. Ao entrar, é imediatamente<br />
despi<strong>do</strong> <strong>do</strong> apoio da<strong>do</strong> por tais disposições. [...] começa uma série<br />
de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações <strong>do</strong><br />
eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não<br />
intencionalmente, mortifica<strong>do</strong>. Começa a passar por algumas<br />
mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta<br />
pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a<br />
seu respeito e a respeito <strong>do</strong>s outros que são significativos para ele<br />
(1987, p. 24). (negrito nosso)<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, é váli<strong>do</strong> trazer um exemplo de nossa realidade que dá<br />
suporte a nossa argumentação. Em maio de 2010, os jornais que normalmente<br />
circulam na cidade de Fortaleza, divulgaram a seguinte notícia:<br />
Alunos que vão se tornar policiais militares <strong>do</strong> Ronda <strong>do</strong><br />
Quarteirão, no Ceará, foram obriga<strong>do</strong>s a beber água em vasilhas<br />
usadas por cachorros da Polícia Militar e receber choques durante<br />
a demonstração de uma arma utilizada pela polícia.<br />
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