Implante <strong>de</strong> segmentos <strong>de</strong> anel estromal em ceratocone: resultados e correlações com a biomecânica corneana pré-operatória91Nomogramas mais avançados são propostos com baseem novas variáveis, como cálculos da aberrometria (<strong>de</strong>composiçãodos polinômios <strong>de</strong> Zernike) da córnea 21 eestudos vetoriais do astigmatismo. (22) Outras variáveiscomo a asfericida<strong>de</strong> da córnea vêm sendo estudadas paraaprimorar os nomogramas <strong>de</strong> implante <strong>de</strong> anel, sendoesta uma das áreas <strong>de</strong> maior interesse dasubespecialida<strong>de</strong>.Des<strong>de</strong> o advento da topografia corneana, (23,24)que estuda <strong>de</strong>talhadamente a face anterior da córnea,novas tecnologias incrementam a propedêutica para caracterizaçãoda córnea em nível tomográfico, (25,26)biomecânico, (27-29) bem como das aberrações <strong>de</strong> alta or<strong>de</strong>mdo sistema óptico ocular. (24,30) Variáveis geradas porestes exames mais avançados permitem, além <strong>de</strong> aumentarnossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diagnóstico e prognóstico<strong>de</strong> ceratocone e outras ectasias, melhorar o planejamentocirúrgico e o seguimento dos resultados obtidos.Consi<strong>de</strong>rando-se a variabilida<strong>de</strong> dos resultadosobtidos com implante <strong>de</strong> segmento <strong>de</strong> anel paraceratocone, levantamos a hipótese que o comportamentopós cirúrgico está relacionado com o estadobiomecânico da córnea. O presente estudo reporta osresultados com um ano <strong>de</strong> seguimento <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong>casos <strong>de</strong> ceratocone tratados cirurgicamente com implante<strong>de</strong> um ou dois segmentos <strong>de</strong> anel <strong>de</strong> Ferrara. Osresultados foram correlacionados com característicasbiomecânicas pré-operatórias da córnea obtidas com oORA (ocular response analyzer, Reichert).MÉTODOSO estudo retrospectivo incluiu 19 olhos <strong>de</strong> 19 pacientescom ceratocone, tratados com implante <strong>de</strong> um oudois segmentos <strong>de</strong> anel <strong>de</strong> Ferrara. Os pacientes foramoperados pelo mesmo cirurgião (JSB). O estudo seguiu oscritérios e recomendações da Declaração <strong>de</strong> Helsinki.Os pacientes apresentavam ceratocone com grau II ouIII (Amsler-Krumeich), eram intolerantes ao uso <strong>de</strong> lentes<strong>de</strong> contato e concordaram com os riscos, benefícios elimitações da cirurgia proposta. Todos os pacientes assinaramtermo <strong>de</strong> consentimento e concordaram em participar<strong>de</strong>ste estudo. Os critérios <strong>de</strong> exclusão para a cirurgiaforam opacida<strong>de</strong> central da córnea e espessura inferiora 370µm ou a 460µm no local da incisão.O implante <strong>de</strong> um ou dois segmentos <strong>de</strong> 160º <strong>de</strong>arco anel <strong>de</strong> Ferrara, que apresenta formato triangularcom 600µm <strong>de</strong> base, raio interno 5mm e raio externo 6mm,foi realizado <strong>de</strong> acordo com nomograma em vigência. Onomograma utilizado consi<strong>de</strong>rou a espessura da córnea eo padrão topográfico da ectasia no mapa <strong>de</strong> curvaturaaxial ou sagital e o astigmatismo. O implante <strong>de</strong> um oudois segmentos e a distribuição das espessuras <strong>de</strong>stes foi<strong>de</strong>finida com base na distribuição ceratométrica da ectasia,dividindo-se a córnea em meta<strong>de</strong>s (Figura 1). Por exemplo,se 100% da área <strong>de</strong> maior curvatura no mapa <strong>de</strong>curvatura axial estivesse localizado em uma meta<strong>de</strong>, apenasum seguimento seria implantado. Se 25% ou maisestivesse na outra meta<strong>de</strong>, um segundo seguimento erautilizado, mantendo-se a relação das espessuras dos seguimentoso mais semelhante possível com a da distribuiçãoda área <strong>de</strong> maior curvatura.As cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgiãosob anestesia tópica. A profundida<strong>de</strong> da incisão foi<strong>de</strong> 80% da espessura no local da incisão <strong>de</strong> acordo como mapa paquimétrico (Pentacam). Uma incisão únicasuperior foi realizada. A marcação do trajeto do anelcom tinta <strong>de</strong> violeta <strong>de</strong> Genciana foi centralizada noprimeiro reflexo <strong>de</strong> Purkinje da córnea com fixação dopaciente no feixe <strong>de</strong> luz do microscópio. Após incisãocom bisturi <strong>de</strong> diamante, a dissecção foi realizada <strong>de</strong>forma manual com criação <strong>de</strong> um bolso inicial comdissector <strong>de</strong> Soares, seguindo-se com confecção do túnelcom espátulas curvas <strong>de</strong> Ferrara para única incisão. Oimplante <strong>de</strong> um ou dois segmentos <strong>de</strong> anel foi realizadocom pinça e gancho tipo Sinskey. Associação <strong>de</strong> colírioantibiótico e corticói<strong>de</strong> foi usada por uma semana. Lubrificantese tratamento antialérgico tópicos foram prescritos<strong>de</strong> acordo com cada caso.Os pacientes foram avaliados antes e após 12meses da cirurgia. Os pacientes foram submetidos, antese após a cirurgia, a exame oftalmológico geral, incluindomedidas da acuida<strong>de</strong> visual sem e com correção,biomicroscopia, fundoscopia, refratometria, tonometriae estudo biomecânico da córnea com o ORA (Reichert)e tomografia <strong>de</strong> córnea e segmento anterior com oPentacam (Oculus). A acuida<strong>de</strong> visual (AV) foi convertida<strong>de</strong> frações <strong>de</strong> Snellen com numerador 20 paralogMAR. A AV corrigida com melhor correção antes dacirurgia (AVccPré) foi comparada com a obtida semcorreção (AVscPós) e com correção (AVccPós) após acirurgia. Cinco índices topométricos, calculados a partir<strong>de</strong> dados do mapa <strong>de</strong> curvatura axial anterior (Tabela1) foram estudados juntamente com a ceratometria central(K1 e K2), o valor <strong>de</strong> ceratometria mais elevado(KMáx) e sua posição cartesiana (x [sempre positivo nadireção nasal] e y [positivo superior]) em relação aoponto central dos mapas (ápice).Além das variáveis topométricas, a espessura central,a do ponto mais fino e as espessuras ao longo domeridiano horizontal passando pelo ponto mais fino comRev Bras Oftalmol. 2012; 71 (2): 89-99
92Ambrósio Jr R; Borges JS; Costa-Ferreira C; Coelho V; Silva RS; Valbon B; Siqueira JA; Velar<strong>de</strong> GCTabela 1Variáveis topométricas do PentacamCKI Center Keratoconus In<strong>de</strong>x índice que combina valores ceratométricos paradiagnóstico <strong>de</strong> ceratoconeISV In<strong>de</strong>x of Surface Variation variação da curvatura em relação ao valor médioIVA In<strong>de</strong>x of Vertical Asymmetry simetria superior e inferior dos valoresceratométricosIHA In<strong>de</strong>x of Height Asymmetry simetria superior e inferior dos valores <strong>de</strong>‘ elevaçãoIHD In<strong>de</strong>x of Height Decentration valor <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizacao dos dados <strong>de</strong> elevaçãono eito vertical0,2mm <strong>de</strong> intervalo foram estudadas, juntamente com osíndices <strong>de</strong> progressão paquimétrica.Além dos parâmetros básicos do ORA <strong>de</strong>rivadosdas pressões <strong>de</strong> aplanamento: histerese da córnea (CornealHysteresis – CH), fator <strong>de</strong> resistência da córnea (CornealResistance Factor – CRF) e as medidas da pressão ocular(IOPg e IOPcc), (29) 38 variáveis biomecânicas <strong>de</strong>rivadasdo sinal <strong>de</strong> reflexo da córnea do ORA foram estudadas.Estas 38 novas variáveis foram introduzidas por David Luce,PhD com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver numericamente o comportamentoda <strong>de</strong>formação da córnea em resposta ao sopro<strong>de</strong> ar durante o exame do ORA (Tabela 2, Figura 2).O teste <strong>de</strong> Wilcoxon signed rank para grupospareados com distribuição não paramétrica foi realizadopara verificar diferenças <strong>de</strong> cada parâmetro estudadoantes e após a cirurgia. As diferenças absolutas (valores<strong>de</strong>lta – Δ) entre as variáveis com diferençassignificantes antes e após a cirurgia foram calculadas.Quanto maior o valor Δ, maior o benefício com a cirurgia,com exceção dos valores <strong>de</strong> espessura. Por exemplo,a melhora da AV em logMAR apresenta redução dosvalores, assim como o <strong>de</strong>slocamento vertical do KMáx,que se apresenta mais negativo (mais <strong>de</strong>slocado inferiormente)após a cirurgia (Figura 3). As reduções doastigmatismo e dos valores ceratométricos são associadascom melhores resultados, também <strong>de</strong>terminandovalores Δ positivos. Os valores Δ foram correlacionados<strong>de</strong> forma pareada para cada caso com as medidas doORA no pré-operatório por meio dos testes <strong>de</strong> Pearsonou <strong>de</strong> Spearman, <strong>de</strong> acordo com a distribuição das variáveisser normal ou não (teste <strong>de</strong> Kolmogorov-Smirnov).Caso ambas as variáveis, valor Δ e o parâmetro do ORApré-operatório, tivessem distribuição normal, o teste <strong>de</strong>Pearson era utilizado. No caso <strong>de</strong> uma das variáveiscorrelacionadas não apresentar distribuição normal, oteste <strong>de</strong> Spearman era utilizado. Valores <strong>de</strong> p menoresque 0,05 foram consi<strong>de</strong>rados como estatisticamentesignificantes.IOPgIOPccCRFCHLTIain<strong>de</strong>xbin<strong>de</strong>xp1areap2areaaspect1aspect2uslope1uslope2dslope1dslope2w1w2h1h2dive1Tabela 2Variáveis do ORARESULTADOSpath1path2mslew1mslew2slew1slew2aplhfp1area1p2area1aspect11aspect21uslope11uslope21dslope11dslope21w11w21h11h21path11Quatorze pacientes eram do sexo masculino e 5pacientes do sexo feminino. A ida<strong>de</strong> variou entre 24 e46 anos (31.9 ± 6.2). De acordo com o nomograma, consi<strong>de</strong>rando-sea distribuição da ectasia no mapa <strong>de</strong> curvaturaaxial anterior, optou-se pela colocação <strong>de</strong> umsegmento <strong>de</strong> anel em 10 olhos e dois segmentos em 9casos. O acompanhamento pós-operatório médio foi <strong>de</strong>18 ± 4,3 meses, variando entre 16 e 27 meses.Observou-se melhora significante na AVcc antese após a cirurgia, bem como na AVscPós em comparaçãocom a AVccPré (teste <strong>de</strong> Wilcoxon, p