Ferimento por projétil <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo: um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Públicarealizado v<strong>em</strong> ao encontro do protocolo <strong>de</strong> atendimentoao trauma utilizado pelos serviços. Curiosamente, aimobilização cervical não representa o mesmo número,tendo como hipóteses a ausência do registro ou,realmente, não foram realizados conjuntamente, dadoo mecanismo da lesão.No âmbito intra-hospitalar, havia o registro <strong>de</strong> 76,5%(75) <strong>de</strong> pacientes que sofreram alguma intervenção. Oprocedimento mais realizado foi a reposição volêmica,como mostra a TAB. 3. Em estudo realizado por Fagun<strong>de</strong>s, 20evi<strong>de</strong>nciou-se que a complicação mais inci<strong>de</strong>nte nasvítimas <strong>de</strong> FAB e FPAF foi a hipovol<strong>em</strong>ia, d<strong>em</strong>onstrando-se<strong>de</strong>ssa maneira, a atenção especial que se <strong>de</strong>ve ao sist<strong>em</strong>acirculatório no tratamento ao trauma.Em seguida, a oxigenoterapia e a SVD aparec<strong>em</strong> como osprocedimentos mais frequentes. Os dois procedimentosestão inseridos no protocolo <strong>de</strong> atendimento ao trauma,sendo o primeiro utilizado, principalmente, nos quetiveram lesões no tórax, que representou gran<strong>de</strong> partedas regiões alvejadas pelos projéteis <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo,e o segundo foi utilizado tanto <strong>em</strong> preparos cirúrgicoscomo para controle do volume <strong>de</strong> diurese nos casosmais graves.Os procedimentos realizados e registrados foramcondizentes com o protocolo <strong>de</strong> Suporte Avançado <strong>de</strong> Vidano Trauma (ATLS), o qual visa ao atendimento <strong>de</strong> pacientesvítimas <strong>de</strong> trauma com a utilização <strong>de</strong> procedimentospadronizados mediante abordag<strong>em</strong> ABCDE. No entanto,dado o número <strong>de</strong> vítimas, <strong>de</strong> lesões e <strong>de</strong> regiõescorporais afetadas, como mostra a TAB. 4, consi<strong>de</strong>ra-sebaixa a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedimentos realizados, fato esteque po<strong>de</strong> se explicar pela carência <strong>de</strong> informações nosprontuários, sendo uma constante nesta pesquisa.Não se po<strong>de</strong> esquecer <strong>de</strong> que n<strong>em</strong> todas as vítimasreceberam APH, pois vieram por procura direta ouencaminhadas <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s, com atendimentoprévio no hospital <strong>de</strong> pequeno porte da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>,o que justifica a ausência <strong>de</strong> informações referentes aoAPH. No entanto, já se expôs que o número <strong>de</strong> prontuárioscom essas informações é menor <strong>em</strong> relação ao <strong>de</strong> vítimasque receberam APH pelo SIATE e SAMU.A maioria das vítimas teve lesão única, sugerindo queo principal motivo das ocorrências não foi tentativa<strong>de</strong> homicídio, e, sim, conflitos interpessoais, assaltos eabuso <strong>de</strong> drogas ou álcool. No Hospital Florianópolis,gran<strong>de</strong> parte das vítimas <strong>de</strong> FPAF também sofreuferimento único (77,1%). 21 Observa-se, ainda, que 11vítimas foram alvejadas com mais <strong>de</strong> três projéteis,d<strong>em</strong>onstrando a clara intenção <strong>de</strong> homicídio nessescasos. D<strong>em</strong>onstrou-se, então, que a média <strong>de</strong> projéteis<strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo por vítima foi <strong>de</strong> 1,9, achado um poucomenor do que no Estado <strong>de</strong> São Paulo, <strong>em</strong> 2001, on<strong>de</strong> amédia <strong>de</strong> projéteis por vítima <strong>de</strong> homicídio foi <strong>de</strong> 2,3, 24visto que foram estudados apenas os óbitos. Já nesteestudo, apontou-se principalmente a morbida<strong>de</strong>.Houve gran<strong>de</strong> prevalência <strong>de</strong> lesões <strong>em</strong> extr<strong>em</strong>ida<strong>de</strong>scomo os MMSSs e MMII, as quais, somadas, ating<strong>em</strong>uma proporção <strong>de</strong> 64,2%, o que po<strong>de</strong> explicar o gran<strong>de</strong>número <strong>de</strong> atendimentos e <strong>de</strong> internações curtas, vistoque tais regiões não abrigam órgãos consi<strong>de</strong>rados nobrese, consequent<strong>em</strong>ente, não provocam lesões graves namaioria das vezes. Os MMII como a região mais acometidaainda nos permite concluir que os disparos efetuadosnessas regiões, evi<strong>de</strong>nciam que não houve a intenção<strong>de</strong> homicídio, e, sim, <strong>de</strong> punição ou, ainda, para evitarfuga. O tórax, porém, aparece como a segunda regiãomais acometida, sendo esse o local <strong>de</strong> órgãos vitais comocoração e pulmões, explicando, também, o consi<strong>de</strong>rávelnúmero <strong>de</strong> internações prolongadas e <strong>de</strong> óbitos.Mello Junior 21 também obteve os MMII como a regiãomais atingida, <strong>em</strong> 38,8% das vítimas, seguido <strong>de</strong> abdomee do MMSS. Outros autores 17, 20 <strong>de</strong>tectaram que a regiãocorporal mais atingida entre as vítimas <strong>de</strong> FPAF foi oabdome, seguido da transição toracoabdominal e tórax.As lesões provocadas por arma <strong>de</strong> fogo têm gran<strong>de</strong>potencial <strong>de</strong> levar ao óbito, porém, quando isso nãoocorre, é porque não atingiram, <strong>em</strong> sua maioria, regiõesconsi<strong>de</strong>radas nobres, como cabeça e tórax, o que explicaos atendimentos nos hospitais com a maior partedos ferimentos nos MMII 21 e abdome. 17, 20 Dentre oshomicídios cometidos por arma <strong>de</strong> fogo <strong>em</strong> São Paulo,a cabeça foi o local anatômico mais frequent<strong>em</strong>enteatingido, seguindo-se a região dorsal e o tórax. 24Corroborando com este estudo, Mello Junior 21 relacionouque a maioria (70,1%) das vítimas <strong>de</strong> FPAF atendidasnum serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> Florianópolis foi liberada s<strong>em</strong>necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> internação e, entre os internados, obteveuma média <strong>de</strong> 9,45 dias <strong>de</strong> internação, num intervalo <strong>de</strong>1 a 75 dias. Fagun<strong>de</strong>s 20 obteve uma média <strong>de</strong> 13 dias <strong>de</strong>internação, variando <strong>de</strong> 1 a 58 dias. Esses achados forammaiores <strong>em</strong> relação à média <strong>de</strong> internação evi<strong>de</strong>nciadanesta pesquisa, que foi <strong>de</strong> 8,6 dias, num intervalo <strong>de</strong>1 a 74 dias, po<strong>de</strong>ndo ser explicado pela diferença dasprincipais regiões acometidas <strong>em</strong> cada pesquisa.As internações por lesões <strong>de</strong>vidas a armas <strong>de</strong> fogo sãomuito expressivas, tendo tido um crescimento <strong>de</strong> 95%do início para o final da década <strong>de</strong> 1990. 13 No Brasil,<strong>de</strong>ntre as agressões que levaram à internação hospitalar,as armas <strong>de</strong> fogo representaram 33,2% <strong>de</strong> todas ashospitalizações. 14Houve, ainda, consi<strong>de</strong>rável proporção (13,3%) <strong>de</strong>pacientes admitidos <strong>em</strong> UTI nesta pesquisa, fatotambém d<strong>em</strong>onstrado <strong>em</strong> estudos s<strong>em</strong>elhantes, <strong>em</strong>que 21,4 % 21 e 30% 28 das vitimas <strong>de</strong> FPAF necessitaram<strong>de</strong> internamento nesta unida<strong>de</strong>, d<strong>em</strong>onstrando maisuma vez a gravida<strong>de</strong> das lesões provocadas.O importante número <strong>de</strong> vítimas que necessitaram <strong>de</strong>intervenção cirúrgica nesse mecanismo <strong>de</strong> trauma v<strong>em</strong>ao encontro <strong>de</strong> outros achados da literatura, os quaisevi<strong>de</strong>nciaram que 71,8% das vítimas com FPAF foramsubmetidas a cirurgia, 21 sendo a laparotomia a mais17, 20,21frequente.Apesar <strong>de</strong> haver poucas incapacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scritas nesteestudo, diante do exposto, t<strong>em</strong>-se a clareza <strong>de</strong> que aslesões provocadas por arma <strong>de</strong> fogo são graves, o que418 r<strong>em</strong>E – Rev. Min. Enferm.;15(3): 412-420, jul./set., 2011
gera um custo maior não apenas para o serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,mas também para a socieda<strong>de</strong> e indivíduo.Em estudos s<strong>em</strong>elhantes, houve, relativamente, baixaproporção <strong>de</strong> óbitos entre as vítimas com FPAF – 3% 20e 2,1%. 21 Nessa ocasião, porém, evi<strong>de</strong>nciou-se maiorproporção <strong>de</strong> óbitos, representando 8,2% das vítimas.O que po<strong>de</strong> ter <strong>de</strong>terminado esse resultado é o tóraxcomo a segunda região corporal mais acometida, comojá exposto, e também a média <strong>de</strong> projéteis <strong>em</strong> cadavítima, que foi <strong>de</strong> 1,9.Segundo Grawszinsk, 29 entre as agressões, sendo68,3% <strong>de</strong>stas cometidas por arma <strong>de</strong> fogo, a taxa d<strong>em</strong>ortalida<strong>de</strong> hospitalar (TMH) é <strong>de</strong> 5,4 óbitos por 100internações, ten<strong>de</strong>ndo a aumentar com a ida<strong>de</strong>.Os FPAFs são os gran<strong>de</strong>s responsáveis pelas mortes, porcausa da agressão. 5-6, 24 Pesquisas d<strong>em</strong>onstraram as armas<strong>de</strong> fogo como causa das vítimas fatais entre os eventosestudados. 19, 27 Sabe-se que os homicídios utilizandoarmas <strong>de</strong> fogo, na sua maioria, são os principais5-6, 14, 24responsáveis pelas mortes por causas externas.Foram a óbito apenas oito pacientes, provavelmenteporque a maioria dos ferimentos graves provocados porarma <strong>de</strong> fogo acaba matando a vítima antes que estapossa receber atendimento, pois atinge, <strong>em</strong> sua maioria,órgãos nobres, como já exposto, entre os homicídios. 24Destaque-se que três pacientes (3,7%) evadiram-se dohospital, apontando para o fato <strong>de</strong> que, geralmente,as vítimas são pessoas envolvidas na criminalida<strong>de</strong>,havendo pendências com a lei ou mesmo com o crime,sendo a evasão uma alternativa <strong>de</strong> escapar da suasentença, seja ela qual for.CONSIDERAÇÕES FINAISUma das limitações <strong>de</strong>sta pesquisa foi trabalhar comdados secundários, sendo que muitas das informaçõespretendidas não pu<strong>de</strong>ram ser <strong>completa</strong>mente obtidas,por não constar<strong>em</strong> nos documentos analisados.As armas <strong>de</strong> fogo têm gran<strong>de</strong> importância epid<strong>em</strong>iológica,constituindo-se instrumentos largamente utilizadospara a prática da violência, um ônus significativo paraa população. Diminuir sua morbimortalida<strong>de</strong> é um dosprincipais <strong>de</strong>safios para a saú<strong>de</strong> pública.Com base <strong>em</strong> algumas variáveis, como número <strong>de</strong>vítimas, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> internação <strong>em</strong> UTI e cirurgias,procedimentos realizados no atendimento pré- e intrahospitalar,incapacida<strong>de</strong>s e óbitos provocados, b<strong>em</strong>como o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> permanência no hospital, tornasepossível concluir que a vítima <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo émuito onerosa para o setor Saú<strong>de</strong> e para a socieda<strong>de</strong>.Isso nos leva a refletir sobre o papel que as armas <strong>de</strong>fogo exerc<strong>em</strong> no cenário da violência <strong>em</strong> Londrina eregião.Sendo esses eventos passíveis <strong>de</strong> prevenção medianteações promocionais <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>, tanto educativascomo <strong>de</strong> prevenção, suger<strong>em</strong>-se intervenções nessecampo. O primeiro passo é conhecer a magnitu<strong>de</strong> e adistribuição do probl<strong>em</strong>a, i<strong>de</strong>ntificando fatores <strong>de</strong> riscopara guiar o processo <strong>de</strong> planejamento e implantaçãodas ações.Dessa forma, com a intenção <strong>de</strong> contribuir para acompreensão do perfil epid<strong>em</strong>iológico local <strong>de</strong>ssesagravos, neste estudo evi<strong>de</strong>nciou-se que o perfildas vítimas <strong>de</strong> FPAF atendidas no HURNP <strong>em</strong> 2007caracteriza-se por ser<strong>em</strong> jovens, solteiros e do sexomasculino. As ocorrências foram, principalmente, nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina, nos fins <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana e durante anoite, sendo os assaltos a principal causa <strong>de</strong>ntre ospouquíssimos dados encontrados nesta variável.A maior parte das vítimas encontrava-se sóbria e chegouao HURNP via SIATE, recebendo no APH, principalmente,procedimentos como curativo e imobilização comtábua rígida. Quando chegaram ao HURNP, a reposiçãovolêmica foi o procedimento mais frequente seguidopor oxigenoterapia e SVD. A maior parte das lesõescaracterizou-se por ferimento único <strong>em</strong> região <strong>de</strong>MMII, provocando incapacida<strong>de</strong>s e levando pacientesao óbito, além <strong>de</strong> causar internações prolongadas comnecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> internação <strong>em</strong> UTI.Com este estudo não se finda a t<strong>em</strong>ática, havendonecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos levantamentos e discussões paramelhor compreensão <strong>de</strong>sses eventos, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong>seus fatores <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>antes, qu<strong>em</strong> mais atinge e suasconsequências, conduzindo, assim, o planejamento <strong>de</strong>ações para prevenir e minimizar o probl<strong>em</strong>a <strong>em</strong> questãocom intervenções que vão além da esfera da saú<strong>de</strong>.Vale l<strong>em</strong>brar que a principal intervenção para combateragravos <strong>de</strong>ssa natureza é a prevenção. Portanto, açõesque vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a conscientização dos riscos <strong>de</strong> portar umaarma <strong>de</strong> fogo até a garantia dos direitos constitucionaisa todos, principalmente o acesso à educação, constitu<strong>em</strong>passos para combater o probl<strong>em</strong>a.REFERÊNCIAS1. Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística, 2008. [Citado 2008 abr. 15]. Disponível <strong>em</strong> .2. Violência: prevenção e controle no Brasil [editorial]. Epid<strong>em</strong>iol Serv Saú<strong>de</strong>. 2007 mar; 16(1): 5-6.3. Brasil. Ministério da Saú<strong>de</strong>. Secretaria <strong>de</strong> Vigilância <strong>em</strong> Saú<strong>de</strong>. Departamento <strong>de</strong> Analise <strong>de</strong> Situação <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. Coor<strong>de</strong>nação-Geral <strong>de</strong>Vigilância <strong>de</strong> Agravos e Doenças Não Transmissíveis. Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Vigilância, Prevenção e Controle <strong>de</strong> Violências e Aci<strong>de</strong>ntes. NOTA TÉCNICANº CDDANT/DASIS/SVS/MS. Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação <strong>de</strong> Vigilância <strong>de</strong> Violências e Aci<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> Serviços Sentinela – VIVA (Notificação/InvestigaçãoIndividual <strong>de</strong> Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências; e Notificação <strong>de</strong> Aci<strong>de</strong>ntes e Violências <strong>em</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Urgência e Emergência).Brasília: Ministério da Saú<strong>de</strong>; 2006. [Citado 2008 abr. 15]. Disponível <strong>em</strong>: .r<strong>em</strong>E – Rev. Min. Enferm.;15(3): 412-420, jul./set., 2011419