Vulnerabilida<strong>de</strong> materno-infantil: fatores <strong>de</strong> (não) a<strong>de</strong>são à profilaxia da transmissão vertical do hivINTRODUÇÃOA assistência à saú<strong>de</strong> materno-infantil apresentad<strong>em</strong>andas biológicas, sociais e culturais que precisamser atendidas <strong>em</strong> sua complexida<strong>de</strong>. Para atendê-las,as ações <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> da mulher e do neonato<strong>de</strong>v<strong>em</strong> integrar os níveis <strong>de</strong> promoção, prevenção eassistência, com vista a alcançar indicadores <strong>de</strong> impactonos coeficientes <strong>de</strong> morbida<strong>de</strong> e mortalida<strong>de</strong> materna,neonatal e infantil. 1Dentre as d<strong>em</strong>andas atuais para a saú<strong>de</strong> pública,<strong>de</strong>staca-se a exposição ao vírus da imuno<strong>de</strong>ficiênciahumana (HIV), agente causador da Adquired ImmunityDeficiency Syndrome (aids). De 1980 até junho <strong>de</strong>2008, foram notificados 333.485 casos <strong>de</strong> aids no sexomasculino e 172.995 no sexo f<strong>em</strong>inino. Com relaçãoàs gestantes infectadas, foram notificados 41.777casos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000. A transmissão vertical (TV) do víruscorrespon<strong>de</strong>u a 90% <strong>de</strong> casos entre os menores <strong>de</strong> 5anos, que totalizam 10.456. 2A exposição das mulheres e das crianças à infecção peloHIV evi<strong>de</strong>nciou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respostas do governo eda socieda<strong>de</strong> com a prevenção e o tratamento na atençãoà saú<strong>de</strong> das famílias. A prevenção da TV tornou-se umadas priorida<strong>de</strong>s do Programa Nacional <strong>de</strong> DST e aids.A operacionalização do Protocolo do Aids Clinical TrialGroup (ACTG 076), <strong>em</strong>bora normatizado <strong>em</strong> 1995, ocorreusomente dois anos <strong>de</strong>pois, quando o uso <strong>de</strong> zidovudina(AZT) foi publicado nos manuais <strong>de</strong> condutas para otratamento <strong>de</strong> adultos e <strong>de</strong> crianças infectadas pelo HIV. 3Sabe-se que a taxa <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong>sse vírus, s<strong>em</strong>qualquer intervenção, situa-se <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 25,5%. Noentanto, as intervenções preventivas preconizadaspod<strong>em</strong> reduzir para níveis entre 0% e 2%. Essas iniciamno pré-natal, quando a testag<strong>em</strong> anti-HIV permitei<strong>de</strong>ntificar as gestantes soropositivas para iniciar <strong>em</strong>t<strong>em</strong>po efetivo a profilaxia. 4,5Assim, as ações <strong>de</strong> prevenção e controle da TV, adotadasno Brasil, refletiram-se no <strong>de</strong>clínio da infecção <strong>em</strong>crianças menores <strong>de</strong> cinco anos, a partir <strong>de</strong> 1997. 2Entretanto, no cotidiano assistencial, percebe-se que acobertura <strong>de</strong>ssas ações ainda apresenta lacunas, comoinício tardio do pré-natal, falha na cobertura <strong>de</strong> testeanti-HIV, <strong>de</strong>ntre outras situações que interfer<strong>em</strong> naa<strong>de</strong>são da gestante à profilaxia da TV.A a<strong>de</strong>são é um processo colaborativo que facilita aaceitação e a integração do regime terapêutico nocotidiano das pessoas <strong>em</strong> tratamento, pressupondosua participação nas <strong>de</strong>cisões. Transcen<strong>de</strong> à ingestão<strong>de</strong> medicamentos, incluindo: vínculo com a equipe <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>; acompanhamento clínico-laboratorial; a<strong>de</strong>quaçãoaos hábitos e às necessida<strong>de</strong>s individuais, e negociaçãoentre o usuário e os profissionais no reconhecimento <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> cada um com vistas àautonomia 6 e ao cuidado <strong>de</strong> si.Nesse sentido, as práticas <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são na gestaçãoinclu<strong>em</strong>: uso a<strong>de</strong>quado do esqu<strong>em</strong>a terapêutico;ida às consultas com profissional obstetra e clínico/infectologista; realização <strong>de</strong> exames pré-natais; nãoaleitamento; uso do medicamento inibidor <strong>de</strong> lactaçãono pós-parto; administração do xarope <strong>de</strong> AZT para obebê durante seis s<strong>em</strong>anas, na dose recomendada, entreoutras ações. 6O período da gestação po<strong>de</strong> ser um momento propíciopara discutir a a<strong>de</strong>são com a mulher que t<strong>em</strong> HIV, dadaa motivação para proteção do bebê. Esse processo po<strong>de</strong>contribuir para a a<strong>de</strong>são à profilaxia da TV durante agestação, puerpério e puericultura, além da continuida<strong>de</strong>do acompanhamento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas mulheres. 6Assim, o objetivo com esta pesquisa foi i<strong>de</strong>ntificar fatores<strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e não a<strong>de</strong>são à terapia profilática da TV, nasproduções científicas sobre o pré-natal <strong>de</strong> gestantessoropositivas ao HIV.MATERIAIS E MÉTODOTrata-se <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> revisão integrativa –<strong>de</strong>senvolvido <strong>em</strong> seis etapas 7 –, por ser esse um método<strong>de</strong> pesquisa que permite a incorporação das evidênciasna prática clínica. A finalida<strong>de</strong> foi sintetizar, <strong>de</strong> modosist<strong>em</strong>ático, a produção científica sobre <strong>de</strong>terminadaquestão, contribuindo para o aprofundamento doconhecimento do t<strong>em</strong>a investigado.A primeira etapa consiste no “estabelecimento daquestão <strong>de</strong> pesquisa”: quais fatores interfer<strong>em</strong> paraa<strong>de</strong>são e para não a<strong>de</strong>são à profilaxia da TV do HIV?A segunda etapa é a “busca e amostrag<strong>em</strong>”. A busca eseleção das produções científicas foram realizadas pordois revisores <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para garantir origor e a fi<strong>de</strong>dignida<strong>de</strong> do processo. Desenvolveu-sena base <strong>de</strong> dados da Literatura Latino-Americana edo Caribe <strong>em</strong> Ciências da Saú<strong>de</strong> (Lilacs), no primeiros<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 2008, fundamentado nas palavras HIV andgestantes and cuidado pré-natal. Foram i<strong>de</strong>ntificadas34 produções. Para a seleção das produções científicas,foi <strong>de</strong>senvolvida a leitura dos títulos e dos resumossegundo critério <strong>de</strong> inclusão e exclusão. Os critérios<strong>de</strong> inclusão foram: artigo nacional, sujeitos gestantessoropositivas ao HIV, publicação <strong>em</strong> periódico editadono Brasil, período <strong>de</strong> 1997-2007 e disponibilida<strong>de</strong> dotexto completo <strong>em</strong> suporte eletrônico. Justifica-se oponto inicial do recorte t<strong>em</strong>poral <strong>em</strong> 1997, quandofoi operacionalizado o Protocolo ACTG nº 076, paraa prevenção da TV do HIV, 3 representando um marcoda resposta brasileira à epid<strong>em</strong>ia da aids, diante doaumento <strong>de</strong> casos notificados <strong>de</strong> aids entre as mulheres<strong>em</strong> ida<strong>de</strong> reprodutiva, e, consequent<strong>em</strong>ente, <strong>de</strong> casos <strong>de</strong>infecção por TV entre as crianças. Os critérios <strong>de</strong> exclusãoforam: artigo <strong>em</strong> língua estrangeira e/ou veiculados <strong>em</strong>periódicos internacionais. Assim, a amostra foi composta<strong>de</strong> nove artigos. 8-16Na terceira etapa – “categorização dos estudos” –, foramorganizadas e sumarizadas as informações <strong>em</strong> umquadro analítico composto pelas variáveis: região <strong>de</strong>procedência do artigo; subárea <strong>de</strong> conhecimento dosautores; objetivos; sujeitos; cenário e método. Utilizou-se444 r<strong>em</strong>E – Rev. Min. Enferm.;15(3): 443-452, jul./set., 2011
a ferramenta da análise <strong>de</strong> conteúdo t<strong>em</strong>ática 17 para aexploração do material por operação classificatória, coma finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar o núcleo <strong>de</strong> compreensão dotexto. Foram <strong>de</strong>terminados: a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contexto; aforma <strong>de</strong> organização do material; a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registro;a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> codificação; os recortes; e o conceitoteórico que orientou a análise.Nas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contexto, revelaram-se os campos<strong>de</strong> ação (cenário <strong>de</strong> estudo) investigados pelasproduções científicas selecionadas para análise: hospitaisuniversitários, maternida<strong>de</strong>s, unida<strong>de</strong>s básicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,Centro <strong>de</strong> Testag<strong>em</strong> e Aconselhamento e Serviço <strong>de</strong>Atendimento Especializado. A forma <strong>de</strong> organização foi<strong>em</strong> categorias, com base <strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> registro compalavras referentes ao conteúdo <strong>de</strong> cada subcategoria(QUADRO 1). Utilizou-se codificação cromática para<strong>de</strong>stacar as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> registro no corpo dos artigose foram selecionados fragmentos do conteúdo dasproduções para compor os resultados.A quarta etapa – “avaliação dos estudos” – constou daanálise crítica dos artigos com base na leitura atentivados textos na íntegra, comparando-se os resultadosregistrados no QUADRO 1 <strong>em</strong> suas s<strong>em</strong>elhanças ediferenças/conflitos.A quinta etapa – “interpretação dos resultados” – foifundamentada no conceito teórico que <strong>em</strong>ergiudos artigos analisados: o quadro conceitual davulnerabilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> seus planos inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes:individual, social e programático 18 (QUADRO 2).Por fim, a sexta etapa – “síntese do conhecimento” –possibilitou reunir e sintetizar as evidências da a<strong>de</strong>sãoà profilaxia da TV do HIV disponíveis na produçãocientífica acerca do pré-natal <strong>de</strong> gestantes soropositivas,b<strong>em</strong> como as conclusões para aplicação, na prática, <strong>de</strong>atenção à saú<strong>de</strong>.RESULTADOS E DISCUSSÃOAs produções científicas sobre o pré-natal <strong>de</strong> gestantessoropositivas ao HIV evi<strong>de</strong>nciaram múltiplos fatores queimplicam a a<strong>de</strong>são e a não a<strong>de</strong>são à terapia profiláticada TV. Esses fatores estão interligados ao dia a dia dasmulheres, no que diz respeito a vivências, experiências,dificulda<strong>de</strong>s e enfrentamentos do seu cotidiano, seja noambiente da família, seja no da comunida<strong>de</strong>, seja no doserviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Assim, a discussão que permeia a interpretação dos dados foidividida <strong>em</strong> dois itens: fatores <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e vulnerabilida<strong>de</strong>nos planos individual e social; fatores <strong>de</strong> não a<strong>de</strong>são evulnerabilida<strong>de</strong> no plano social e programático.Fatores <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e vulnerabilida<strong>de</strong> nos planosindividual e socialDentre os fatores <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, o cuidado <strong>de</strong> si estárelacionado aos atos praticados pelas mulheres nocuidado mental, físico e clínico, na prevenção doadoecimento e na manutenção da saú<strong>de</strong>. 8-11,13,15-16 Ocuidado mental está relacionado à autoestima, àssignificações e ao processo <strong>de</strong> enfrentamento; o físicocont<strong>em</strong>pla hábitos <strong>de</strong> sono, alimentação, exercíciofísico, lazer, abandono do uso <strong>de</strong> drogas e negociaçãodo preservativo; o clínico se refere à participação <strong>de</strong>consultas <strong>de</strong> pré-natal e continuida<strong>de</strong> no puerpério,exames e terapia medicamentosa.QUADRO 1 – Categorização dos fatores <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e não a<strong>de</strong>são à terapia profilática da transmissão verticaldo HIV nas produções científicas – Brasil – 1997-2007CATEGORIAS SUBCATEGORIAS UNIDADES DE REGISTROFatores <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são dagestante à terapiaprofilática da TV do HIVFatores <strong>de</strong> não a<strong>de</strong>sãoda gestante à terapiaprofilática da TV do HIVCuidado <strong>de</strong> siCuidado do outroCuidado pelo outroCondição <strong>de</strong> f<strong>em</strong>inilida<strong>de</strong>Condições socioeconômicasAcesso às informações econhecimentoSilêncioBarreiras no serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>Preconceito e medo dadiscriminaçãoCompreensão da situaçãovulnerabilida<strong>de</strong>Sentimentos, necessida<strong>de</strong>s, reflexão, enfrentamentoTransmissão do vírus para o filho, saú<strong>de</strong> do filhoAjuda, solidarieda<strong>de</strong>Ida<strong>de</strong>, modo <strong>de</strong> infecção, vida sexual, comportamento sexual,preservativo, situação conjugal<strong>Escola</strong>rida<strong>de</strong>, trabalho, renda, moradiaInformação, conhecimento, compreensãoResistência <strong>em</strong> aceitar o diagnóstico, inexistência <strong>de</strong> sintomasAconselhamento, testag<strong>em</strong>, sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, proteção,prevenção, assistência, vigilânciaPreconceito, discriminação, estigma, exclusão, rejeiçãoPossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> infecção, adoecimentor<strong>em</strong>E – Rev. 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