Jørgen Leth vem estudar-nosNuma edição <strong>que</strong> olha para o nosso património histórico e social, eis o outro la<strong>do</strong>: a vida porum microscópio. Francisco ValenteQuan<strong>do</strong> o dinamarquês JørgenLeth optou pelo <strong>do</strong>cumentário,nos anos 60, <strong>de</strong>cidiu entrar emruptura com as suas normas. “Aminha intenção era reinventara linguagem cinematográfica”,diz-nos. “Odiava a tradição<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentário britânico edinamarquês <strong>que</strong> procuravasempre a situação social.”Encetou, então, um caminhocontrário a esse olhar realista,enveredan<strong>do</strong> pelo estu<strong>do</strong> epela poesia da composição<strong>do</strong>s sentimentos e das acçõeshumanas. “Era importantedistanciar-me da forma tradicional<strong>de</strong> apresentar a realida<strong>de</strong>. Quistrazer as pessoas e as suas acçõespara o meu estúdio e estudar avida por um microscópio.”Fez então “The Perfect Human”,<strong>de</strong> 1968 (dia 16, 17h30, Alvala<strong>de</strong> 1),<strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong> 13 minutos <strong>que</strong>reúne os princípios funda<strong>do</strong>res<strong>de</strong> uma obra: um homem e umamulher num estúdio branco,para<strong>do</strong>s e em movimento, osgestos e <strong>de</strong>talhes físicos (um olho,um joelho), e a voz <strong>de</strong> um narra<strong>do</strong>r<strong>que</strong> apresenta as acções ecategoriza as rotinas (a cama on<strong>de</strong><strong>do</strong>rmem, a mesa on<strong>de</strong> comem).Este olhar iria também marcar“Good and Evil” (1975): planosfixos, semelhantes a quadros oufotografias, o olhar estudan<strong>do</strong> o<strong>que</strong> o homem representa e comose faz representar (dia 19, 19h,SJorge 3; dia 22, 20h15, Alvala<strong>de</strong> 1).Leth filma as suas personagenscomo naturezas mortas nos seusquadros <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>. “A i<strong>de</strong>ia erapartir a narrativa cinematográficaem caixas separadas, on<strong>de</strong> cadaimagem se torna numa história.Sempre me senti mais inspira<strong>do</strong>por pintores e poetas. MarcelDuchamp foi uma influência.Usei a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ready-ma<strong>de</strong> nosmeus filmes, tal como referênciasdirectas a quadros e frases <strong>de</strong>Magritte.”A realização respeita umaconstrução precisa <strong>do</strong>s tempossonoros, o <strong>que</strong> é natural para umrealiza<strong>do</strong>r <strong>que</strong> também é poeta.“O tempo é um elemento com <strong>que</strong>gosto <strong>de</strong> brincar. O pensamento<strong>de</strong> John Cage sobre o silêncio e ossons liga-se às minhas i<strong>de</strong>ias.” Aspalavras, em Leth, são utilizadas“<strong>de</strong> maneira diferente da narrativaconvencional. Por vezes, gosto <strong>de</strong>contradizer o <strong>que</strong> a imagem diz,coloco palavras para perturbar aleitura da história.”Esta experimentação seriaainda trabalhada em filmescentra<strong>do</strong>s na sua paixão: o<strong>de</strong>sporto. “Motion Picture” (1970)– dia 18, 19h, S. Jorge 3; dia 20,20h15, Alvala<strong>de</strong> 3 – usa o tenistaTorben Ulrich como “exemplo”e explora as movimentações <strong>do</strong>corpo através <strong>de</strong> experiênciascom a película. Depois o ciclismo— “Eddy Merckx in the Vicinity ofa Cup of Coffee” (1973), dia 18, 19h,S. Jorge 3; dia 20, 20h15, Alvala<strong>de</strong>3 —, e novamente uma ponte paraexperiências com a imagem,som e a poesia. Mais tar<strong>de</strong>, “ASunday in Hell” (1977), um épicosobre o esforço sobre-humano<strong>de</strong> uma das competições maisLeth filma as suas personagens como naturezasmortas nos seus quadros <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>violentas: a corrida Paris-Roubaix(dia 20, 19h, S, Jorge 3; dia 23,20h15, Alvala<strong>de</strong> 3). “Achei <strong>que</strong> osvalores mitológicos e as histórias<strong>de</strong> sacrifício e extrema coragemmereciam ser celebradas emobras <strong>de</strong> arte.”Mas os filmes <strong>de</strong> Leth são,em primeiro lugar, uma forma<strong>de</strong> estu<strong>do</strong> ligada a um <strong>do</strong>s seusmaiores interesses, a antropologia:“Life in Denmark” (1972) – dia 19,19h, S. Jorge 3; 22, 20h15, Alvala<strong>de</strong>3 – ou “66 Scenes from America”(1982) – dia 15, 19h30, Alvala<strong>de</strong>1; 18, 21h30, Alvala<strong>de</strong> 1 –, obraúnica em <strong>que</strong> Leth cria postaisdas paisagens conhecidas <strong>do</strong>sEUA, num jogo <strong>que</strong> <strong>de</strong>safia afronteira entre o real e o fabrica<strong>do</strong>,montan<strong>do</strong> a aparência <strong>de</strong> umpaís. O filme, <strong>que</strong> conta com AndyWarhol a comer um hambúrguer(“‘Chelsea Girls’ marcou-me<strong>de</strong> forma ines<strong>que</strong>cível”), seriarecria<strong>do</strong> mais tar<strong>de</strong> em “NewScenes from America” (2003) – dia15, 19h30, Alvala<strong>de</strong> 1; dia 18, 21h30,Alvala<strong>de</strong> 1 – retoman<strong>do</strong> locais epessoas.O estu<strong>do</strong> antropológico estámais <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> em “Noteson Love” (1989), filme-respostaao livro “A Vida Sexual <strong>do</strong>sSelvagens” (1929) <strong>do</strong> antropólogopolaco Bronis aw Malinowski:segue o estu<strong>do</strong> das populaçõesnativas da Papua-Nova Guiné,aqui contrapostas à alienaçãooci<strong>de</strong>ntal, representada pela criseamorosa <strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>r (21, 19h, S.Jorge 3; 24, 20h15, Alvala<strong>de</strong> 3).Seria essa crise <strong>que</strong> o levariaao Haiti, país on<strong>de</strong> encontrou osingredientes para o intenso “Haiti.Untitled” (1996) – dia 17, 21h30,Alvala<strong>de</strong> 1; 24, 17h30, Alvala<strong>de</strong>1: uma socieda<strong>de</strong> entregueà violência da política e àexperimentação <strong>do</strong> voo<strong>do</strong>o, assimcomo a sensualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s corposdas mulheres. “Sou um ar<strong>de</strong>nteobserva<strong>do</strong>r das superfícies.Sempre as estu<strong>de</strong>i e tentei leras suas feições irregulares, asnuances entre o angélico e odiabólico. A sensualida<strong>de</strong> temsi<strong>do</strong> o princípio <strong>que</strong> guia aminha vida.”É esse o motor <strong>de</strong> “Erotic Man”(2010), o seu último filme (dia17, 21h15, Culturgest; 22, 22h15,Alval<strong>de</strong> 3; 23, 22h15, Alvala<strong>de</strong> 3).“O antropologista e poeta <strong>do</strong> filmeviaja para estudar o corpo dasmulheres e perceber por<strong>que</strong> é<strong>que</strong> o erotismo é tão importantepara os seres humanos. Pensei empintores <strong>de</strong> gerações diferentes<strong>que</strong> estudaram o corpo nu damulher. É um eterno motivo.”“The Perfect Human”(1968)Intimida<strong>de</strong>O cinema a captar o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar o teatro e a dança.Tiago Bartolomeu CostaDistribuí<strong>do</strong>s por diferentes secções,os filmes <strong>que</strong> o Doc seleccionoucomo exemplos <strong>de</strong> um olharcinematográfico sobre o teatro edança centram-se no discurso <strong>do</strong>scria<strong>do</strong>res, sen<strong>do</strong> esse o olhar <strong>que</strong>importa e não tanto o <strong>do</strong> cineasta.Nomes como Patrice Chéreau, AnnaHalprin, Jerome Robbins ou AlainPlatel estão em <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> em filmes<strong>que</strong> procuram ser testemunhasnão apenas <strong>do</strong> seu discurso mastambém da aplicabilida<strong>de</strong> prática<strong>de</strong>sse discurso.Há retratos mais próximos daintimida<strong>de</strong>, como os <strong>do</strong> francêsChérau em “Le corps au Travail”,<strong>de</strong> Stéphane Metge (dia 18, 22h15,Alvala<strong>de</strong> 3; 21, 18h15, Alvala<strong>de</strong>3) e o da norte-americana AnnaHalprin em “Breath ma<strong>de</strong>visible”, <strong>de</strong> Ruedi Gerber (dia18, 23h, S. Jorge 3; 24, 15h30, S.Jorge 1), <strong>que</strong> revelam o mo<strong>do</strong>como os espectáculos se tornamextensões <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r avida, eles <strong>que</strong> foram pioneiros <strong>de</strong>uma linguagem <strong>que</strong> alargou asfronteiras <strong>do</strong> teatro e da dança.Para Chéreau é o <strong>de</strong>sejo pelocorpo, em Halprin é um assumir<strong>do</strong> corpo como parte da natureza.São ambos <strong>do</strong>cumentos on<strong>de</strong>os realiza<strong>do</strong>res se apagam paradarem espaço à gran<strong>de</strong>za <strong>do</strong>sartistas. Com materiais <strong>de</strong> épocapreciosos – ver a versão original<strong>de</strong> “Para<strong>de</strong>s and Changes” (1965),<strong>de</strong> Halprin, ou a encenação <strong>de</strong>“Ricar<strong>do</strong> II” (1970), <strong>de</strong> Chéreau, éassistir ao momento <strong>que</strong> a históriada criação contemporânea sefazia –, e <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-se levarpelo discurso intuitivo <strong>do</strong>s<strong>do</strong>is artistas, são filmes <strong>que</strong><strong>de</strong>monstram ser o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>o <strong>que</strong> os atrai. Chéreau fala <strong>do</strong>perigo <strong>de</strong> morrer, e da beleza daviolência. Halprin reflecte sobre apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecermosnum movimento <strong>que</strong> tu<strong>do</strong> integre.Um e outro são <strong>de</strong> uma luci<strong>de</strong>zDeixan<strong>do</strong>-se levar pelo discurso intuitivo <strong>do</strong>s artistas, sãofilmes <strong>que</strong> <strong>de</strong>monstram ser o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> o <strong>que</strong> os atraie clareza <strong>que</strong> só a experiênciapo<strong>de</strong> dar e, no entanto, não <strong>de</strong>ixa<strong>de</strong> ser admirável <strong>que</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong>tenham afirma<strong>do</strong> ao <strong>que</strong> vinhame, ainda assim, nunca tenham<strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> procurar uma respostapara o <strong>que</strong> faziam. São retratossempre incompletos por<strong>que</strong>ambos assumem haver coisasnas obras da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> indizível.Mas retratos, ainda assim, <strong>que</strong> nos<strong>de</strong>ixam mais perto <strong>do</strong> mistério <strong>que</strong>os espectáculos exercem.Mistério também o <strong>que</strong> seprocura revelar em “NY Export:Opus Jazz”, <strong>de</strong> Henri Joost eJody Lee Lipes (dia 23, 17h30, S.Jorge 1; 24, 23h, S. Jorge 3) sobreesse “West Si<strong>de</strong> Story abstracto”<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Jerome Robbins,<strong>que</strong> levou a rua para os palcosda Broadway na mesma alturaem <strong>que</strong> Anna Halprin procuravaencontrar um espaço para ummovimento mais perto <strong>de</strong> umacomunhão com a natureza. Étambém a partir <strong>de</strong> um interessepelo <strong>que</strong> é real <strong>que</strong> Robbinstrabalha e o filme, feito porbailarinos <strong>do</strong> New York City Ballet,é uma obra <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o-dança <strong>que</strong>permite perceber a complexida<strong>de</strong><strong>do</strong> movimento <strong>de</strong> Robbins, longeuma expressivida<strong>de</strong> superficial ou<strong>de</strong> uma iconoclastia redutora.“Passion – Last Stop Kinshasha”,<strong>de</strong> Jorg Jeshel e Brigitte Kramer (dia19, 21h30, S Jorge 1; 23, 21h, S. Jorge 3),acompanha a última apresentação<strong>de</strong> “pitié!”, <strong>de</strong> Alain Platel, agoranum regresso à capital <strong>do</strong> Congo,Kinshasa, on<strong>de</strong> se apresenta àpopulação local. O filme acabapor seguir a surpresa da equipaperante a realida<strong>de</strong> congolesae é isso <strong>que</strong> cria um sentimento<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto. Uns e outrosobservam-se, os <strong>do</strong> resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>no Congo, os congoleses a verem-serepresenta<strong>do</strong>s por a<strong>que</strong>las pessoas,no <strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser um curiosoexercício especulativo sobre o mo<strong>do</strong>como a percepção criada pelosestu<strong>do</strong>s pós-colonialistas sobre ocorpo esbarram perante a realida<strong>de</strong><strong>que</strong> analisam.PatriceChérau em“Le corps auTravail”12 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon
AniversárioTeatro Maria Matos22 a 24 OutteatroTiago RodriguesHotel Lutéciasexta 22 a <strong>do</strong>mingo 24 21h3012€ / < 30 anos 6€músicaHauschka& Ensemblesexta 22 23h30 12€ / < 30 anos 6€performanceAna Borralho &João GalanteWorld of Interiorssába<strong>do</strong> 23 18h00 às 20h00 Preço único 6€© Ana Borralho & João Galante© Bernar<strong>do</strong> Carvalhoprojecto educativoIsabel Minhós &Bernar<strong>do</strong> CarvalhoDaqui vê-se melhor<strong>do</strong>mingo 24 16h00Entrada livrewww.teatromariamatos.ptBilhete aniversário 25€ / < 30 anos 12,50€(acesso a to<strong>do</strong>s os eventos)