13.07.2015 Views

O que fizemos à memória do século XX? - Fonoteca Municipal de ...

O que fizemos à memória do século XX? - Fonoteca Municipal de ...

O que fizemos à memória do século XX? - Fonoteca Municipal de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sua vida, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> preso quatro vezespela polícia saudita <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o 11 <strong>de</strong>Setembro.”Esta é uma entrevista por “e-mail”com Hugh Pope, <strong>que</strong> já anteriormentepublicara duas obras <strong>de</strong> referênciasobre a região: “Turkey Unveiled”(com a sua ex-mulher, Nicole Pope) e“Sons of the Con<strong>que</strong>rors: The Rise ofthe Turkic World”:Reconheceu <strong>que</strong> o título <strong>do</strong> seulivro, por alguns consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>engana<strong>do</strong>r, “iria sempre chamara atenção”. Po<strong>de</strong> explicar oprocesso <strong>que</strong> conduziu a “Diningwith Al-Qaeda”?De início, pretendia realçar a naturezapessoal <strong>do</strong> livro e dar-lhe o título<strong>de</strong> “Mr. Q, I Love You” [o <strong>do</strong> primeirocapítulo]. Mas o meu editor e outrosnão gostaram e sugeriram “EatingChinese with Al-Qaeda” (título <strong>de</strong> outrocapítulo). Um velho colega <strong>do</strong>“Wall Street Journal” notou <strong>que</strong> soavaa canibalismo, e então <strong>de</strong>cidi brincarcom a i<strong>de</strong>ia “Dining Out with Al-Qaeda”.A minha filha Vanessa achou, noentanto, <strong>que</strong> bastava “Dining with Al-Qaeda”. Sim, o título chama a atenção,e até tenho recebi<strong>do</strong> mensagens<strong>de</strong> pessoas <strong>que</strong> retiraram o livro dasprateleiras das livrarias pensan<strong>do</strong> <strong>que</strong>se tratava <strong>de</strong> culinária! Outros pensaram<strong>que</strong> era um estu<strong>do</strong> sobre a própriaorganização, mas creio <strong>que</strong> o livroconsegue transmitir a mensagem<strong>de</strong> <strong>que</strong> é um olhar sobre o MédioOriente a partir <strong>de</strong> perspectivas inusitadas.Também creio <strong>que</strong> contémmuitas mensagens sobre como o Oci<strong>de</strong>ntepo<strong>de</strong> aproximar-se da regiãocom mais empatia e compreensão, o<strong>que</strong> po<strong>de</strong> contribuir para reduzir oapoio à Al-Qaeda.Por<strong>que</strong> sentiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>escrever este livro – e porquêagora? São memórias?O livro é um conjunto <strong>de</strong> várias coisas:memória <strong>de</strong> acontecimentos cómicose trágicos, uma tentativa <strong>de</strong> mostrartodas as correntes <strong>que</strong> atravessam asvidas e as políticas no Médio Oriente,e também um estu<strong>do</strong> sobre como ojornalismo po<strong>de</strong>, sem intenção, contribuirpara a incompreensão da região,particularmente na América. O<strong>que</strong> tentei fazer foi escrever sobre coisas<strong>que</strong> eu vi ou com as quais tive experiênciadirecta. O livro é invulgarpor<strong>que</strong> tenta mostrar os laços entreos mun<strong>do</strong>s árabe, persa e turco <strong>que</strong>compõem o principal triângulo <strong>do</strong>universo <strong>do</strong> Médio Oriente, em conjuntocom outros elementos importantes,como os mun<strong>do</strong>s judaico, cur<strong>do</strong>e afegão. Não é um livro com umângulo restrito (o Irão nuclear, Israel-Palestina, Afeganistão-Paquistão…).A razão por <strong>que</strong> senti necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>escrever este livro foi a experiência<strong>do</strong>lorosa <strong>de</strong> cobrir o Ira<strong>que</strong>, antes,durante e <strong>de</strong>pois da invasão norteamericanaem 2003. Eu era o únicorepórter <strong>do</strong> WSJ envia<strong>do</strong> ao Ira<strong>que</strong> noano anterior à invasão, e senti-memuito frustra<strong>do</strong> por tão poucas pessoasnos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rem serpersuadidas <strong>de</strong> <strong>que</strong> a guerra era <strong>de</strong>snecessária,algo <strong>que</strong> eu tentava arduamenteexplicar.Na luta constante com os seuseditores (sobretu<strong>do</strong> no WSJ)para não ce<strong>de</strong>r aos “interesses”<strong>de</strong> audiências e grupos <strong>de</strong>pressão americanos, sentiu <strong>que</strong>também frustrou as esperanças<strong>do</strong>s povos <strong>do</strong> Médio Oriente <strong>de</strong>serem compreendi<strong>do</strong>s? Foi essaAFPfrustração <strong>que</strong> o levou a <strong>de</strong>sistir<strong>de</strong> ser jornalista e a <strong>de</strong>dicar-se aoInternational Crisis Group?Sim, senti algumas frustrações quan<strong>do</strong>trabalhava para editores americanos.Como faço notar no meu livro,os meus editores no WSJ eram honestos,rigorosos, exigentes, representa<strong>do</strong>o pináculo da nossa profissão [Popeexemplifica em “Dining with Al-Qaeda” a extrema dificulda<strong>de</strong> emconseguir ter uma notícia publicadana primeira página <strong>do</strong> WSJ]. Só quan<strong>do</strong>comecei este livro me <strong>de</strong>i conta <strong>de</strong>quanto a nossa forma <strong>de</strong> escrever édistorcida por preconceitos, tabus e(nos basti<strong>do</strong>res) por interesses e grupospolíticos. Demorei algum tempoa examinar, a uma nova luz, a evolução<strong>do</strong>s meus artigos através <strong>do</strong> processo<strong>de</strong> edição e <strong>de</strong>scobri tendências<strong>que</strong>, no passa<strong>do</strong>, não havia <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong>.O mais surpreen<strong>de</strong>nte não foi a tendênciapara proteger Israel, mas omo<strong>do</strong> como os artigos tendiam a serconformes ao <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong>s leitores americanospor histórias optimistas, finaisfelizes e personagens heróicas nospapéis principais. Nas narrativas americanas,são estas as características<strong>que</strong> mais atraem, mas pouco têm aver com a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Médio Oriente.Depois da guerra <strong>do</strong> Ira<strong>que</strong> pedi“As aventuras maiscomplicadas foramas mais memoráveis(...). Nunca procureio perigo, mas,em países instáveis,o perigo por vezesencontra-nos”uma licença ao “Journal” para construiruma casa e, talvez, escrever umlivro. Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixei o jornal, tive muitasorte. Ofereceram-me um empregono ICG. Não sabia na<strong>que</strong>la altura, mas<strong>de</strong>scobri <strong>que</strong> escrever para o ICG é o<strong>que</strong> eu sempre quis <strong>que</strong> o jornalismofosse – reportagem intensa e factual<strong>de</strong> acontecimentos importantes, semembelezamentos para agradar à audiência.De um bor<strong>de</strong>l na Síria até àguerra no Ira<strong>que</strong>, <strong>que</strong> aventurase acontecimentos foram os maismarcantes <strong>de</strong>sta sua “viagem”[<strong>que</strong> inclui guerras mas tambémromances fugazes e tentativasfracassadas <strong>de</strong> o recrutar comoespião]?As aventuras mais complicadas foramas mais memoráveis. Foram a<strong>que</strong>las<strong>que</strong> senti <strong>que</strong> poucas pessoas po<strong>de</strong>riamsuportar: estar <strong>de</strong>z semanas numape<strong>que</strong>na terrinha <strong>do</strong> Sul <strong>do</strong> Sudãocercada por guerrilheiros rebel<strong>de</strong>scomo um <strong>do</strong>s poucos estrangeiros eo único repórter; ver em primeiramão o me<strong>do</strong> e a bravura <strong>do</strong>s homensnas linhas da frente da guerra Irão-Ira<strong>que</strong>; o dia em <strong>que</strong> testemunhei, pormero acaso, o início da revolta tchetchenacontra a Rússia; ou <strong>de</strong>scobrirmefecha<strong>do</strong> num bor<strong>de</strong>l enquantouma gran<strong>de</strong> revolta [da Irmanda<strong>de</strong>Muçulmana contra o anterior Presi<strong>de</strong>nte,Hafez al-Assad] era suprimidanuma cida<strong>de</strong> síria. Para algo ser memorável,creio <strong>que</strong> é preciso ter si<strong>do</strong>perigoso ou inespera<strong>do</strong> – o <strong>que</strong> é maisraro <strong>do</strong> <strong>que</strong> se pensa, até no jornalismo.Nunca procurei o perigo, mas,em países instáveis, o perigo por vezesencontra-nos.Por<strong>que</strong> sentiu necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>expor as “fiskeries” <strong>do</strong> veteranoRobert Fisk? Será <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mosestabelecer um paraleloentre histórias alegadamente“inventadas” por Fisk e asrealida<strong>de</strong>s supostamente“omitidas” pelo WSJ?Sim: não há uma realida<strong>de</strong> única. Jornalistase jornais são falíveis, e toda agente <strong>de</strong>veria pensar cuida<strong>do</strong>samentesobre o <strong>que</strong> está a ler, nunca suspen<strong>de</strong>ras suas faculda<strong>de</strong>s críticas,por muito <strong>que</strong> as frases tenhamlinária, numa obra notável, as suas váriasviagem começa num bor<strong>de</strong>l napara compreen<strong>de</strong>r uma região tão. Margarida Santos LopesTHOMAS FOLEYHugh Pope<strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> serrepórter<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> trêsdécadas comocorrespon<strong>de</strong>ntenoMédio OrienteCML | DPDC | Rute FigueiraÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!