REUTERS/STRINGERA posição da Turquia noxadrez <strong>do</strong> Médio Oriente éagora o principal tema <strong>de</strong>trabalho <strong>de</strong> Hugh Pope“glamour” ou por muito reputa<strong>do</strong><strong>que</strong> seja o autor. Robert Fisk não é oúnico jornalista <strong>que</strong> extrapolou aexactidão <strong>do</strong> seu jornalismo, mas por<strong>que</strong>informações e alegações <strong>de</strong> Fisktiveram impacto no <strong>de</strong>curso da minhavida e da minha carreira [Pope recebeuor<strong>de</strong>m <strong>de</strong> expulsão da Turquia,em 1991, por causa <strong>de</strong> um artigo “semqual<strong>que</strong>r fundamento” sobre rebel<strong>de</strong>scur<strong>do</strong>s <strong>que</strong> Fisk publicou no diáriobritânico “The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt”,para o qual ambos trabalhavam] senti<strong>que</strong> a sua escrita, por muito brilhantee influente <strong>que</strong> seja, merece umexame crítico.Agora <strong>que</strong> está <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> aoProjecto Turquia/Chipre <strong>do</strong> ICG,aju<strong>de</strong>-nos a avaliar os váriosfocos <strong>de</strong> tensão na região.Eu escrevo sobretu<strong>do</strong> sobre o triânguloTurquia-Chipre-União Europeia,mas tem havi<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> procura <strong>de</strong>informação sobre as relações da Turquiacom o Irão e sobre se elas <strong>de</strong>monstram<strong>que</strong> a Turquia se “está aafastar <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte”. No Crisis Groupnão temos prova disso. A Turquia partilhagenuinamente o objectivo <strong>do</strong>Oci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>que</strong> o Irão não <strong>de</strong>ve possuirarmas nucleares. Quanto ao Afeganistão,tem apenas um interesseindirecto para o nosso projecto, umavez <strong>que</strong> a Turquia só <strong>de</strong>sempenha alium papel [militar] não combatente,estan<strong>do</strong> a tentar <strong>de</strong>senvolver melhoresrelações entre Cabul e Islamabad.O Ira<strong>que</strong>, por seu turno, é fre<strong>que</strong>ntementeavalia<strong>do</strong> nos nossos relatórios,um <strong>do</strong>s quais constata uma melhoriarevolucionária nas relações com oscur<strong>do</strong>s iraquianos. O gabinete <strong>do</strong> ICGem Istambul olha, sobretu<strong>do</strong>, para opapel da Turquia no <strong>que</strong> diz respeitoaos aspectos internacionais das crisesnas regiões – não para os assuntos internosturcos. Contu<strong>do</strong>, damos atençãoà situação <strong>do</strong>méstica sob o prisma<strong>do</strong> processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são à UE, e numpróximo relatório abordaremos aspectosda insurreição <strong>do</strong> PKK[Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong>Curdistão, separatista]. Quantoa Israel, tornou-se ou-se um problema,no último ano, à medida<strong>que</strong> as relações [com Ancara]se <strong>de</strong>teriora-ram, afectan<strong>do</strong>subse<strong>que</strong>nte-mente os la-ços da Tur-quia com osEUA, com paísesárabes eoutros. Nãofoi a Turquia<strong>que</strong> procurou uo conflito e foiexcessiva a acçãoisraelita, da qual resultoua morte <strong>de</strong> 90 pessoas,contra uma flotilha li<strong>de</strong>radapor turcos para<strong>que</strong>brar o blo<strong>que</strong>io<strong>de</strong> Gaza. No <strong>que</strong> diz respeitoà Síria e ao Líbano, são íses <strong>que</strong> fazem parte <strong>do</strong>snossos relatórios rios por<strong>que</strong>nunca, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> e o fim <strong>do</strong>pa-Império Otomano, estiveramtão próximos daTurquia. O esforço daTurquia para <strong>de</strong>senvolverestas relações, <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> a garantir estabilida<strong>de</strong>e prosperida<strong>de</strong>– mais liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentoe comércio, integração<strong>de</strong> economias einfra-estruturas, incluin- <strong>do</strong>[nestas parcerias] a Jordânia e, possivelmente,outros países <strong>do</strong> MédioOriente – é um <strong>do</strong>s acontecimentosmais positivos regista<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hávários anos no Médio Oriente.Como avalia as políticas <strong>do</strong>Presi<strong>de</strong>nte Barack Obama emrelação aos “muitos mun<strong>do</strong>s” <strong>do</strong>Médio Oriente?Como digo em “Dining with Al-Qaeda”,ele representa uma nova empatiaface ao Médio Oriente. Isto talveztenha si<strong>do</strong> exagera<strong>do</strong> <strong>que</strong>r pelas pes-“Obama representauma nova empatiaface ao MédioOriente, o <strong>que</strong>talvez tenha si<strong>do</strong>exagera<strong>do</strong> <strong>que</strong>rpelas pessoas<strong>do</strong> MédioOriente, <strong>que</strong>rpelosconserva<strong>do</strong>resnos EUAe em Israel”soas <strong>do</strong> Médio Oriente (<strong>que</strong> vêem Ba-rack “Hussein” Obama como estan<strong>do</strong>naturalmente <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong>), <strong>que</strong>r pelosconserva<strong>do</strong>res nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s eem Israel (<strong>que</strong>receiam <strong>que</strong> ele estejarealmente <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Médio Oriente).Duvi<strong>do</strong> <strong>que</strong> o“establishment” ame-ricano esteja prestes a fazer mudan-ças substanciais numa política fortementeimplantada na região, sobretu<strong>do</strong>numa altura <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>envolvimento <strong>do</strong>s EUA no Ira<strong>que</strong> eno Afeganistão, ou <strong>que</strong> vá haver mudançasfundamentais em relação aIsrael ou no <strong>que</strong> diz respeito aos radicaisanti-EUA. Em to<strong>do</strong> o caso, omo<strong>do</strong> como Obama esten<strong>de</strong>u a mão,primeiro à Turquia e <strong>de</strong>pois ao mun<strong>do</strong>árabe, mostrou <strong>que</strong> está a tentarmudar o mo<strong>do</strong> como os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>ssão vistos, e <strong>que</strong> ele compreen<strong>de</strong><strong>que</strong> há “muitos mun<strong>do</strong>s no MédioOriente”.AFPPope escreveu este livropor causa da frustração<strong>que</strong> sentiu ao cobrir a guerra<strong>do</strong> Ira<strong>que</strong>: apesar <strong>de</strong> ter tenta<strong>do</strong>arduamente, nunca conseguiupersuadir os americanos<strong>de</strong> <strong>que</strong> a invasãoera <strong>de</strong>snecessária22 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon
William Boy<strong>de</strong>m busca da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> perdidaTeve “um passa<strong>do</strong> complica<strong>do</strong>”e por isso não consegue parar <strong>de</strong>inventar personagens<strong>que</strong> andam à procura: ele próprioainda não se encontrou. No novoromance, “Tempesta<strong>de</strong>”, prosseguea busca nas ruas <strong>de</strong> Londres, aon<strong>de</strong>foi parar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma infânciaafricana e <strong>de</strong> uma educaçãoescocesa. Helena VasconcelosPEDRO MARTINHOLivrosWilliam Boyd é um gran<strong>de</strong>leitor <strong>de</strong> Pessoa, ten<strong>do</strong> até jáprefacia<strong>do</strong> uma edição eminglês <strong>do</strong> “Livro <strong>do</strong> Desassossego”:é por causa <strong>do</strong> poeta<strong>que</strong> Lisboa aparece tãofre<strong>que</strong>ntemente nos seusromancesWilliam Boyd é um homem <strong>de</strong> múltiplostalentos: romancista, contista,argumentista, crítico literário, cronista,produtor <strong>de</strong> rádio, realiza<strong>do</strong>r <strong>de</strong>cinema. Esteve recentemente em Lisboapela primeira vez e mostrou-sefascina<strong>do</strong> com a cida<strong>de</strong>, <strong>que</strong> já tinhaimagina<strong>do</strong> como porto <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong>Carriscant e Kay, no romance “A Tar<strong>de</strong>Azul” (Relógio d’Água, 1993). Lisboaincita-o a falar <strong>do</strong>s países africanoson<strong>de</strong> nasceu e cresceu (Gana eNigéria) e a afirmar <strong>que</strong> esse privilégiolhe formou a imaginação e a personalida<strong>de</strong>.Recorda a sua exótica infânciasem sau<strong>do</strong>sismo mas com intensida<strong>de</strong>,e faz <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> enfatizar o facto<strong>de</strong> se sentir “africano”, embora tenhasi<strong>do</strong> educa<strong>do</strong> na Escócia, viva há anosem Londres e mantenha uma casa emFrança, país cuja cultura conhecebem.Numa sala com vista para o Tejo,conversámos sobre o seu último romance,“Tempesta<strong>de</strong>”, edita<strong>do</strong> pelaCasa das Letras.Quer falar-nos <strong>do</strong> seu interessepor Fernan<strong>do</strong> Pessoa?Quan<strong>do</strong> li um <strong>do</strong>s seus poemas eminglês, há já bastante tempo, fi<strong>que</strong>ifascina<strong>do</strong> com esse homem extraordinário<strong>que</strong> consi<strong>de</strong>ro a figura central<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rnismo europeu. Escrevi entãoum pe<strong>que</strong>no texto para o “TLS”[“Times Literary Supplement”] e, emseguida “Cork”, um conto <strong>do</strong> volume“The Destiny of Nathalie X and OtherStories”. Mais tar<strong>de</strong> fiz a introduçãoa uma nova edição em inglês <strong>do</strong> “Livro<strong>do</strong> Desassossego”. É por causa<strong>de</strong>sta figura maior da literatura <strong>que</strong>Lisboa surge com frequência na minhaobra. A personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pessoaé fascinante, tal como as <strong>do</strong>s poetasWallace Stevens e T.S. Eliot; o primeirotrabalhava em seguros e o segun<strong>do</strong>num banco, o <strong>que</strong> <strong>de</strong>monstra comoa figura pública po<strong>de</strong> ser tão diferenteda verda<strong>de</strong>ira personalida<strong>de</strong>. Tu<strong>do</strong>isto tem a ver com a <strong>que</strong>stão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>- e Pessoa, com os seus heterónimos,é mais e melhor <strong>do</strong> <strong>que</strong> to<strong>do</strong>sos outros, é um universo em si próprio.Com 50 anos <strong>de</strong> atraso, ele está,agora, a tornar-se conheci<strong>do</strong> em Inglaterra.Os seus <strong>do</strong>is últimos romances,“Inquietu<strong>de</strong>” e “Tempesta<strong>de</strong>”,tratam exactamente <strong>de</strong> um<strong>do</strong>s temas “canónicos” da pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>:a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>indivíduo, a sua perda, procuraou transformação.Creio <strong>que</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é uma das preocupaçõesmais prementes <strong>do</strong> serhumano. Hoje em dia estamos maisconscientes <strong>de</strong>sse facto e colocamos,continuamente, as eternas <strong>que</strong>stões:po<strong>de</strong>ríamos ter ti<strong>do</strong> uma vida diferente?Será <strong>que</strong> somos sempre aÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 23