DANIEL ROCHAA secção<strong>de</strong>dicada aospaísesnórdicos,comissariadapor PeterCook, é a única<strong>que</strong> tem umacor diferente.Cook quismostrarsobretu<strong>do</strong> a“temperatura”<strong>do</strong> <strong>que</strong> seprojecta noNorte, explicaDelfim Sar<strong>do</strong>Uma casa <strong>que</strong> nos abrigue e nA Trienal 2010 <strong>que</strong>r mostrar arquitectura com pessoas <strong>de</strong>ntro. As exposições terão imagens, mas to <strong>que</strong>, no Norte e no Sul, é o mínimo a <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mos chamar casa. E como isso nos po<strong>de</strong> ajudar a rAquilo <strong>de</strong> <strong>que</strong> precisamos para viveré um espaço coberto on<strong>de</strong> possamoster intimida<strong>de</strong>, e um espaço abertoon<strong>de</strong> possamos olhar para o céu. ÉDelfim Sar<strong>do</strong>, cura<strong>do</strong>r-geral da Trienal<strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa 2010,<strong>que</strong>m cita esta <strong>de</strong>finição “poética maseficaz das condições mínimas <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>”,<strong>que</strong> o arquitecto britânicoPeter Smithson fez nos anos 50.E este é talvez este o melhor ponto <strong>de</strong>partida para explicar como é <strong>que</strong> aTrienal, sob o tema Falemos <strong>de</strong> Casas,inspira<strong>do</strong> num poema <strong>de</strong> HerbertoHel<strong>de</strong>r, se propõe fazê-lo. O <strong>que</strong> é obásico quan<strong>do</strong> falamos <strong>de</strong> casas?Tu<strong>do</strong> parte <strong>de</strong> duas utopias. Em1956, Peter e Alison Smithson conceberamum mo<strong>de</strong>lo para a exposição“The Daily Mail I<strong>de</strong>al Home”– uma casa futurista, com estruturasplásticas, formas arren<strong>do</strong>ndadas,banheiras com sistema <strong>de</strong> auto-lavagem,televisões e luzes <strong>que</strong>se acendiam através <strong>de</strong> controlosremotos – em oposição à “máquinapara viver” <strong>de</strong> Le Corbusier.Em 1974, no Portugal pós-revolucionário,foram lançadas as operaçõesSAAL (Serviço Ambulatório <strong>de</strong> ApoioLocal). A população saiu para as ruasreivindican<strong>do</strong> o direito a casas dignas,e arquitectos, engenheiros e sociólogosjuntaram-se aos habitantes <strong>do</strong>sbairros para discutir as formas <strong>de</strong> oconcretizar.Quan<strong>do</strong> entramos na exposição“Falemos <strong>de</strong> Casas: Entre o Norte e oSul”, no Museu Berar<strong>do</strong>, em Lisboa,encontramos essas imagens – e ossons – <strong>do</strong> povo nas ruas, pedin<strong>do</strong> casas,a mulher <strong>de</strong> olhar firme <strong>que</strong> explica<strong>que</strong> são as mulheres <strong>que</strong> têm<strong>que</strong> participar nestes <strong>de</strong>bates por<strong>que</strong>são elas <strong>que</strong> passam mais tempo emcasa e <strong>que</strong> conhecem os problemas,as crianças <strong>que</strong> pe<strong>de</strong>m “um quartosepara<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>s pais”. E os arquitectosa ouvirem as pessoas e a “Grân<strong>do</strong>laVila Morena”, e, no meio <strong>do</strong>s manifestantes,a cara <strong>de</strong> uma menina aolhar para aquilo tu<strong>do</strong>.É o rosto <strong>de</strong> Catarina Alves Costa,autora <strong>de</strong>ste filme <strong>de</strong> 14 minutos feitoa partir <strong>de</strong> muito material <strong>de</strong> arquivo<strong>do</strong> seu pai, o arquitecto Alexandre AlvesCosta, e <strong>de</strong> outros envolvi<strong>do</strong>s noSAAL. “O <strong>que</strong> fiz não é um <strong>do</strong>cumentário”,explica Catarina. “Não tem umla<strong>do</strong> informativo nem pedagógico. Éfeito a partir <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos,filmes ama<strong>do</strong>res, sli<strong>de</strong>s <strong>do</strong>meu pai. As imagens não tinham som,o som é construí<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> gravaçõesfeitas na época, das sessões, <strong>do</strong>splenários. Há um la<strong>do</strong> emocional muitoforte. Recorri às minhas memórias<strong>de</strong> infância. Queria <strong>que</strong> as pessoassentissem esse la<strong>do</strong> físico, emocional,sonoro. Interessam-me as pessoas e aresposta <strong>do</strong>s arquitectos a esse movimento<strong>que</strong> vem da rua.”É assim <strong>que</strong> começamos a falar <strong>de</strong>casas.Da<strong>do</strong> o mote das duas utopias, DelfimSar<strong>do</strong> convi<strong>do</strong>u um conjunto <strong>de</strong>comissários para trabalharem quatrogran<strong>de</strong>s núcleos na exposição – Portugal(Luís Santiago Baptista e PedroPacheco), Países Nórdicos (PeterCook), Suíça (Diogo Seixas Lopes) eÁfrica/Brasil (Manuel Graça Dias eAna Vaz Milheiro). E cada um interpretouà sua maneira o <strong>que</strong> enten<strong>de</strong>por falar <strong>de</strong> casas.Mas vamos começar por uma históriae pelo mínimo a <strong>que</strong> po<strong>de</strong>moschamar casa.Países NórdicosHá locais no mun<strong>do</strong> em <strong>que</strong> ver arquitecturapo<strong>de</strong> ser um <strong>de</strong>sporto radical.Vamos há mais <strong>de</strong> 20 minutosa seguir Dag Strass, arquitecto <strong>do</strong> atelierda dupla norueguesa Helen &Hard, subin<strong>do</strong> uma montanha numpar<strong>que</strong> natural em Stavanger, a “capital<strong>do</strong> petróleo” da Noruega. Deixámospara trás o abrigo <strong>de</strong> montanhato<strong>do</strong> em ma<strong>de</strong>ira feito pelos <strong>do</strong>isarquitectos e tentamos agora contornaras pedras mais escorregadias eas poças <strong>de</strong> lama. De repente surgemà nossa frente cabras, com guizos aopescoço, a <strong>de</strong>scer na nossa direcção.E, por fim, chegamos ao nosso <strong>de</strong>stino:seis tendas/“cocoons” ver<strong>de</strong>s,com pe<strong>que</strong>nas janelas rasgadas, acopladasa árvores, alguns metros acimadas nossas cabeças, como se tivéssemosentra<strong>do</strong> num filme <strong>de</strong> ficção científicae estranhas naves espaciais setivessem misteriosamente agarra<strong>do</strong>às árvores. Há uma passa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>irasuspensa <strong>que</strong> alguns jovens percorrem,passan<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma tenda paraoutra.O campo serve <strong>de</strong> base para grupos<strong>de</strong> estudantes <strong>do</strong>rmirem quan<strong>do</strong> vêmem visitas <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> à montanha.Sobe-se à árvore, há uma estrutura<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira a fazer <strong>de</strong> chão e, em re<strong>do</strong>r,é a tenda. Mais básico é impossível.Ou talvez não... Seguimos agorapara o outro campo, também ele umprojecto <strong>de</strong> Helen & Hard, e <strong>de</strong>sta vezas camas estão literalmente suspensasnuma rocha, protegida com teci<strong>do</strong> <strong>de</strong>tenda.16 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon
ANDRÉ CEPEDAGUILAH NASLAVSKYRecife Seminário Regional <strong>do</strong>Nor<strong>de</strong>ste, projecto <strong>de</strong> DelfimAmorimALEXANDRE ALVES COSTASAAL Material <strong>do</strong> arquivo<strong>do</strong> arquitecto Alexandre Alves CostaPAOLO ROSSELLIBasileia Edifício <strong>do</strong> arquitectosuíço Peter Märkli para a empresafarmacêutica Novartis,na secção SuíçaExposiçõesMeli<strong>de</strong>s Projecto <strong>de</strong> Pedro Reis,na secção PortugalNoruega Projecto da dupla<strong>de</strong> arquitectos Helen & Hard paraum campo <strong>de</strong> apoio a montanhistasna região <strong>de</strong> Stavangernos <strong>de</strong>ixe ver as estrelass também vozes: arquitectos, mora<strong>do</strong>res, fotógrafos e escritores a falarem <strong>de</strong> casas. Vamos perceberresolver problemas <strong>de</strong> habitação - seja na Cova da Moura ou em Luanda. Alexandra Pra<strong>do</strong> CoelhoALEXANDRA PRADO COELHOEstes projectos estão entre os escolhi<strong>do</strong>spor Peter Cook para falar <strong>de</strong>casas na secção “A Ligação Nórdica”.E o básico – no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> mínimonecessário para um máximo <strong>de</strong> conforto– é, sem dúvida, um tema emalguma arquitectura nórdica. Comonas extraordinárias plataformas para<strong>que</strong>m viaja <strong>de</strong> carro po<strong>de</strong>r parar a vera vista, <strong>do</strong> Mountain Road Project (naexposição estão as da dupla Jensen eSkodvin), no Read Next, a pe<strong>que</strong>nacasa-caixa para pôr no jardim quan<strong>do</strong>se <strong>que</strong>r ler ou <strong>de</strong>scansar longe <strong>do</strong> barulhoda casa gran<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Dorte Mandrup,Dinamarca), ou no mais conceptualprojecto da dinamar<strong>que</strong>saMette Thomsen, “How to live in a softspace”, <strong>que</strong> preten<strong>de</strong> reflectir sobrecomo seriam as nossas casas se as pare<strong>de</strong>sse mexessem e, <strong>de</strong> alguma forma,“vivessem” (há uma pare<strong>de</strong> “viva”na exposição).“Interessava-nosnão apenas ouviros arquitectos mastambém as pessoas<strong>que</strong> habitam osespaços. Queríamosfalar <strong>do</strong> espaçohabita<strong>do</strong> e não <strong>do</strong>espaço projecta<strong>do</strong>”Luís SantiagoBaptistaPortugalPortugal, diz Delfim Sar<strong>do</strong>, “está numasituação quase <strong>de</strong> charneira, comum pensamento arquitectónico comlinguagens <strong>que</strong> se aproximam muito<strong>do</strong> Sul, mas <strong>que</strong>, ao mesmo tempo,tem uma ligação próxima com linguagens<strong>do</strong> racionalismo arquitectónico<strong>do</strong> Norte.”Mas, sem os problemas das megametrópoles<strong>do</strong> Sul e sem o dinheirodisponível no Norte, se calhar em Portugalo básico é mesmo apren<strong>de</strong>rmosa falar sobre arquitectura como algo<strong>que</strong> faz parte das nossas vidas. Pelomenos foi assim <strong>que</strong> Luís SantiagoBaptista e Pedro Pacheco enten<strong>de</strong>ramo <strong>de</strong>safio lança<strong>do</strong> por Delfim Sar<strong>do</strong>...“A nossa intenção foi colocar pessoasa falarem <strong>de</strong> casas”, resume SantiagoBaptista. “E interessava-nos não apenasouvir os arquitectos mas tambémas pessoas <strong>que</strong> habitam os espaços.Queríamos falar <strong>do</strong> espaço habita<strong>do</strong>e não <strong>do</strong> espaço projecta<strong>do</strong>”.A secção <strong>que</strong> comissariam não preten<strong>de</strong>mostrar “o habitar português,por<strong>que</strong> em Portugal os arquitectos nãoparticipam na maioria da construção<strong>que</strong> se faz”. O <strong>que</strong> aqui se mostra sãocasas feitas por arquitectos, vistas porum fotógrafo (André Cepeda) e “faladas”por <strong>que</strong>m as encomen<strong>do</strong>u ou por<strong>que</strong>m as habita. São nove projectos(Álvaro Siza, Eduar<strong>do</strong> Souto Moura,Menos é Mais, Atelier <strong>de</strong> Santos, AiresMateus, Atelier Central, Pedro Reis, RuiMen<strong>de</strong>s e João Men<strong>de</strong>s Ribeiro) para“uma cartografia possível das casasprojectadas e construídas por arquitectosno século <strong>XX</strong>I em Portugal”.Às vozes <strong>do</strong>s arquitectos e <strong>do</strong>s habitantesjuntam-se ainda as <strong>de</strong> oitopensa<strong>do</strong>res filma<strong>do</strong>s por Maria JoãoGuardão. O filósofo José Gil, o professoruniversitário José Bragança <strong>de</strong>Miranda, o escritor Gonçalo M. Tavares,o artista plástico Carlos Nogueira,a antropóloga Filomena Silvano, ogeógrafo Álvaro Domingues, e os arquitectosNuno Portas e AlexandreAlves Costa ajudam-nos a reflectir sobreesse “habitar português contemporâneo”.Santiago Baptista e Pedro Pacheconão procuram uma conclusão sobrecomo se habita hoje em Portugal. Étalvez pela proximida<strong>de</strong> <strong>que</strong> este é onúcleo on<strong>de</strong> precisamos <strong>de</strong> mais vozespara falarmos <strong>de</strong> casas.África/BrasilO Norte e o Sul estão “em temposCML | DPDC | Rute FigueiraÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 17