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O que fizemos à memória do século XX? - Fonoteca Municipal de ...

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O carrossel<strong>do</strong> século<strong>XX</strong> passapor aquiCarrascos, SS, arquitectos <strong>do</strong> regime nazi, <strong>de</strong>latores,resistentes, sobreviventes, repórteres e mercenáriosda emoção - o carrossel <strong>do</strong> século <strong>XX</strong>, <strong>que</strong> vem <strong>de</strong>Auschwitz, <strong>que</strong> vem <strong>de</strong> Sarajevo, passa por nós.Mestre <strong>de</strong> cerimónias e <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>r das reinvençõesda memória: Marcel Ophuls. Retrospectiva noDocLisboa da obra <strong>do</strong> homem <strong>que</strong> <strong>de</strong>struiu o mitoda França resistente a Hitler, <strong>que</strong> postula <strong>que</strong> ojornalismo não po<strong>de</strong> ser neutral – e <strong>que</strong> foi seduzi<strong>do</strong>por um criminoso <strong>de</strong> guerra chama<strong>do</strong> Albert Speer.Vasco Câmarasava-se sempre a ver esse “<strong>do</strong>cumentário”<strong>de</strong> quatro horas sobre nazis”– embora no fim (isto é, no fim <strong>de</strong> “AnnieHall”, <strong>de</strong> Woody Allen) Alvy (Allen)e Annie (Diane Keaton) se encontrassem,e Annie levasse o novo namora<strong>do</strong>para ver o <strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong>quatro horas sobre nazis...É mais <strong>do</strong> <strong>que</strong> isso “Le Chagrin etla Pitié”. “Filho” da contestação <strong>de</strong>Maio <strong>de</strong> 68, mostra a França e a sua“necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>”.Toma Clermont-Ferrand –cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> província, ao la<strong>do</strong> da Vichyon<strong>de</strong> se instituiu a França colaboracionista<strong>de</strong> Pétain – como “case study”.A vida entre os anos 1940-1944:os SS e os <strong>que</strong> resistiram e os <strong>que</strong> secomprometeram através da <strong>de</strong>lacçãoou tão-só pela neutralida<strong>de</strong>, comoa<strong>que</strong>le Marius Klein, comerciante,<strong>que</strong>, recean<strong>do</strong> represálias e mesmo a<strong>de</strong>portação, manteve anuncia<strong>do</strong> nosjornais, durante a ocupação, <strong>que</strong> apesar<strong>do</strong> nome não era ju<strong>de</strong>u.Um filme sobre as raízes burguesas<strong>de</strong> um compromisso com o invasor,portanto. O país da Resistência, De-Gaulle e tu<strong>do</strong> o mais? O mito cai porterra, na<strong>que</strong>les anos <strong>do</strong> final <strong>do</strong>s anos60 fazia-se pontaria às estátuas daburguesa França. E a televisão francesa<strong>de</strong>morou <strong>de</strong>z anos a exibir “LeChagrin et la Pitié”.Maurice Chevalier acompanha-nosao longo <strong>de</strong>stas quatro horas: o motivomusical vai sen<strong>do</strong> repeti<strong>do</strong>, umaprecisão <strong>de</strong> arma política, a leveza atransformar-se em coisa <strong>de</strong>nsa até àestocada final, quan<strong>do</strong> ficamos comChevalier a <strong>de</strong>sfazer-se em explicações,justificações e <strong>de</strong>smenti<strong>do</strong>s, aopúblico americano, negan<strong>do</strong> <strong>que</strong> algumavez tenha canta<strong>do</strong> para os alemães,só cantou para os prisioneiros<strong>do</strong>s alemães. O cinema <strong>de</strong> Marcel fazse<strong>de</strong> “palavras e música”, para citaro título <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentário-retrato <strong>que</strong><strong>de</strong>le faz Bernard Bloch. E na verda<strong>de</strong>– isto não é para fazer favores a Marcel– <strong>de</strong>sta leveza e <strong>de</strong>sta gravida<strong>de</strong> sefaziam também os filmes <strong>do</strong> pai Max,em <strong>que</strong> se dançava e cantava a caminhoda <strong>de</strong>struição.“Tenho gran<strong>de</strong> admiração por Chevalier,fez filmes maravilhosos, comLubitsch, por exemplo”, diz-nos Marcel.“Era um actor maravilhoso. O <strong>que</strong>ele fez foi característico das pessoasda<strong>que</strong>la época. Ninguém é obriga<strong>do</strong>a gostar <strong>de</strong>le, mas também ninguémé obriga<strong>do</strong> a <strong>de</strong>testá-lo. Ele apenas eraum francês na França ocupada a fazero seu trabalho.” E convenceu os americanos,e chegou a Hollywood.Opiniões à vistaMarcel reserva-se o direito <strong>de</strong> gostarou não <strong>do</strong>s seus entrevista<strong>do</strong>s, SS,torcionários, resistentes, trai<strong>do</strong>res,tu<strong>do</strong> aquilo <strong>de</strong> <strong>que</strong> se faz a experiênciahumana. A entrevista é a base <strong>do</strong>trabalho <strong>do</strong> cineasta, herança <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lotelevisivo <strong>que</strong> ele astutamentereformula, com um trabalho <strong>de</strong> montagem<strong>que</strong> também é comentário e<strong>que</strong> puxa o especta<strong>do</strong>r para o bancodas testemunhas, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-lhe o peso<strong>do</strong> julgamento.Ophuls reserva-se o direito <strong>de</strong> osconfrontar e fazer cair em “ratoeiras”,simulan<strong>do</strong> cumplicida<strong>de</strong>s. É um estatuto<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>que</strong> assume e <strong>que</strong>exibe (e isso, o facto <strong>de</strong> não ser subreptício,torna-o igualmente humano).Mas não o isenta <strong>de</strong> um olhar“compreensivo”. É uma espécie <strong>de</strong>convocação <strong>de</strong> toda a matéria da experiênciahumana, eufórica ou torpe,espectacular e sombria, e por isso ocrítico David Thomson viu bem quan<strong>do</strong>viu em Marcel um mestre <strong>de</strong> cerimónias,como o Anton Walbrook <strong>de</strong>“La Ron<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> Max Ophuls.“Sem câmara eu sou uma pessoamuito tímida. Sobretu<strong>do</strong> com as mulheres.Mas quan<strong>do</strong> tenho uma câmara,<strong>que</strong> é um instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,faço o <strong>que</strong> <strong>que</strong>ro. Há muitos anos, fuiconvida<strong>do</strong> para a segunda mais importanteescola <strong>de</strong> psicanálise, emChicago – a <strong>de</strong> Bruno Bettelheim [prisioneiroem Dachau e Buchenwald] e<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os outros... <strong>que</strong>riam <strong>que</strong> euexplicasse por<strong>que</strong> é <strong>que</strong> eu era tão<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> nas minhas perguntase por<strong>que</strong> é <strong>que</strong> fazia perguntas tãointeligentes. Eu respondi: eu edito asminhas perguntas. E mais: eu editoas respostas. Não <strong>que</strong>ro parecer umÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 7

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