O nazidançaMauriceChevalier: em“Le Chagrin etla Pitié” nega<strong>que</strong> tenhacanta<strong>do</strong> paraos alemãesUm criminoso<strong>de</strong> guerra,Albert Speer:“Sim, gosto<strong>de</strong>le. Gosto daspessoas <strong>que</strong>colaboramcom o meutrabalho. Eleera muitocarismático eum ‘charmeur’idiota [risos]. O acusa<strong>do</strong>r britâniconos Julgamentos <strong>de</strong> Nuremberga dizia,e isso está em ‘The Memory ofJustice’, <strong>que</strong> não se <strong>de</strong>via fazer umapergunta quan<strong>do</strong> não se sabe qual vaiser a resposta. Concor<strong>do</strong> – embora àsvezes seja preciso não saber as respostas,para o suspense e o espontâneopo<strong>de</strong>rem acontecer.”“Tem tu<strong>do</strong> a ver com um ponto <strong>de</strong>vista subjectivo. Ou seja, um cinemaem <strong>que</strong> as nossas opiniões estão à vis-ta. O jornalismo também <strong>de</strong>via serassim. Acima<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, o jornalismotem <strong>de</strong> ter uma assinatura. O <strong>que</strong> sefaz à objectivida<strong>de</strong>? Nada a fazer comela. Devemos <strong>de</strong>ixá-la para as ciên-cias exactas. Na maior parte dasvezes a objectivida<strong>de</strong> é uma<strong>de</strong>sculpa para a neutralida<strong>de</strong>.”E o relativismo <strong>que</strong> vá para odiabo! As pessoas es<strong>que</strong>cem,e es<strong>que</strong>cem por<strong>que</strong> preci-sam <strong>de</strong> negociar e <strong>de</strong> se reconciliar.O papel <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentarista– como <strong>do</strong> jornalista– é contrariar essetrabalho. Se isto nos po<strong>de</strong>lembrar o senhor chama<strong>do</strong>Michael Moore, sim, Micha-el consi<strong>de</strong>ra-se discípulo <strong>de</strong>Marcel, e este até se admirapor a<strong>que</strong>le fazer os filmes <strong>que</strong>faz e não ser ju<strong>de</strong>u.“Ser ju<strong>de</strong>u.” O <strong>que</strong> é isso? Res-pon<strong>de</strong> Marcel <strong>que</strong> é aquilo <strong>que</strong>lhe dá a caução para fazer os fil-mes <strong>que</strong> fez. Nisso, mas poucomais <strong>do</strong> <strong>que</strong> nisso, concordacom Clau<strong>de</strong> Lanzmann, orealiza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> “Shoah”(1985). “O ser-se inquisi-<strong>do</strong>r em relação a um agressoré uma característica judaica. Éuma condição para se fazer este trabalho.Nesse senti<strong>do</strong>, concor<strong>do</strong> comClau<strong>de</strong> Lanzmann, embora em relaçãoa tu<strong>do</strong> o resto não concor<strong>de</strong>mos,por<strong>que</strong> ele é uma pessoa <strong>de</strong> vistascurtas – e não é muito generoso. Massó um ju<strong>de</strong>u po<strong>de</strong> fazer este trabalho.Por<strong>que</strong> só um ju<strong>de</strong>u tem esta histórianas suas raízes familiares.”Provas da naturezahumanaEste cepticismo agressivo – mascom algo <strong>de</strong> didáctico: inquirirjunto das provas da naturezahumana – faz-se guerrilheiro em“Hotel Terminus: The Life andTimes <strong>de</strong> Klaus Barbie” (Óscarem 1988), <strong>do</strong>cumentário <strong>que</strong> segueos traços <strong>do</strong> “carrasco <strong>de</strong> Lyon” atéchegar à“network” nazi na América<strong>do</strong> Sul, passan<strong>do</strong> pela contrataçãopela CIA<strong>de</strong>sse homem “simpático”<strong>que</strong> esmurrava as cabeças <strong>de</strong> encon-tro às esquinas <strong>do</strong>s móveis enquan-to fazia festas aos gatos. A banda“Se não temos senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> compreensãopara com as pessoas, como é <strong>que</strong> se tema arrogância <strong>de</strong> se colocar à frente <strong>de</strong>las umacâmara <strong>de</strong> filmar?”sonora, com cânticos <strong>de</strong> Natal, talvezdiga da <strong>de</strong>vastação <strong>de</strong> Marcel ao darseconta <strong>de</strong> <strong>que</strong> o mun<strong>do</strong>, e não apenasa II Guerra lá atrás, estava infesta<strong>do</strong><strong>de</strong> nazis.Mostra-se mais <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong> em“Veillée d’armes”, um fracasso nasbilheteiras tal como “Le Chagrin et laPitié” foi um sucesso. Mas é a apoteose<strong>de</strong> um méto<strong>do</strong>, e <strong>do</strong> seu fogo-<strong>de</strong>artifício,este olhar sobre o jornalismovisto no momento <strong>do</strong> cerco a Sarajevo,quan<strong>do</strong> a Europa se <strong>de</strong>sintegrava.“É verda<strong>de</strong>, é o meu filme mais <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>.O <strong>que</strong> aconteceu na Bósnia,e acontece agora em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>,é apenas uma repetição <strong>do</strong> <strong>que</strong> játínhamos ti<strong>do</strong>”, diz-nos Ophuls, <strong>que</strong>começa “Veillée d’armes” assim, adizer <strong>que</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Auschwitz nadadisto po<strong>de</strong>ria voltar a acontecer, masaconteceu. “Opressores e oprimi<strong>do</strong>s,vitoriosos e venci<strong>do</strong>s.”O <strong>que</strong> se segue é um carrossel (temos<strong>de</strong> dizer “ophulsiano”, tal pai, talfilho) <strong>que</strong> parte <strong>do</strong> Holiday Inn da cida<strong>de</strong>sitiada e <strong>do</strong>s seus “hóspe<strong>de</strong>s”– repórteres <strong>de</strong> guerra em busca dacausa justa e mercenários da emoção,e ao longe, talvez perto <strong>de</strong> mais, ostiros <strong>do</strong>s “snipers” – para fazer a psicanálise<strong>do</strong> repórter e inventariar osdi-lemas <strong>que</strong> ainda hoje são os <strong>do</strong>jornalismo: <strong>do</strong> narcisismo à cultura<strong>do</strong> espectáculo, e dan<strong>do</strong> uma sapatadana “equidistância”. Talvez por<strong>que</strong>tenha si<strong>do</strong> um filme <strong>que</strong> procurou enão um <strong>que</strong> lhe tenha si<strong>do</strong> encomenda<strong>do</strong>,talvez por<strong>que</strong> era feito a <strong>que</strong>nte,inquirin<strong>do</strong> o presente e não só asmarcas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> <strong>que</strong> sobreviveram,o realiza<strong>do</strong>r dá largas ao seu <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>anti-relativismo, encenan<strong>do</strong>-secomo jornalista, com chapéu fellinianoe tu<strong>do</strong>, mais champanhe e prostitutaa condizer, a gozar as férias <strong>de</strong>um gran<strong>de</strong> repórter <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> reportagem <strong>de</strong> risco. Os excertos<strong>de</strong> “Only Angels Have Wings”, <strong>de</strong> Hawks(i<strong>de</strong>alismo primitivo e romântico),<strong>de</strong> “Lola Montès”, <strong>de</strong> Ophuls,Max (premonição da infernal espectacularização<strong>que</strong> estava para vir) e<strong>de</strong> “De Mayerling a Sarajevo”, outro<strong>de</strong> Max Ophuls (e outra catástrofeanunciada, a da Europa) ajudam acompor a fantasmagoria. Filmes, filmes,filmes... “Hey, eu fui um miú<strong>do</strong><strong>de</strong> Hollywood”, ri-se.É em “Hotel Terminus: The Lifeand Times <strong>de</strong> Klaus Barbie” <strong>que</strong> apareceuma das “personagens” maisinquietantes <strong>do</strong> cinema <strong>de</strong> Marcel, amulher francesa <strong>que</strong> terá, ou talveznão, <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> um compatriota, e<strong>que</strong> às tantas <strong>de</strong>ixa cair <strong>que</strong> “Noite e“Hotel Terminus: The Life andTimes <strong>de</strong> Klaus Barbie”, norasto <strong>de</strong> um torcionário: “LeChagrin et la Pitiè”: bravuras ecobardias na França ocupadaNevoeiro” <strong>de</strong> Alain Resnais (1955) é“um filme <strong>de</strong> propaganda”. “Umamulher velha e estúpida”, resumeOphuls, <strong>que</strong> tem menos respeito porela (veja-se o trabalho <strong>de</strong> montagem,a<strong>que</strong>le nervosismo <strong>de</strong> roe<strong>do</strong>r nasmãos <strong>de</strong>la) <strong>do</strong> <strong>que</strong> o <strong>que</strong> mostrou porAlbert Speer, o arquitecto-chefe e ministro<strong>do</strong> Armamento <strong>do</strong> TerceiroReich. Em “Memory of Justice”, interrogaçãoda responsabilida<strong>de</strong> individualnesse enorme chapéu-<strong>de</strong>-chuva<strong>que</strong> são os crimes cometi<strong>do</strong>s emnome <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Speer é um homem<strong>que</strong> já cumpriu a sentença <strong>que</strong> lheditou Nuremberga (embora alguémnote <strong>que</strong> as maneiras aristocráticasproporcionaram menos anos <strong>de</strong> prisãoa alguém com maiores responsabilida<strong>de</strong>scriminosas <strong>do</strong> <strong>que</strong> outroscon<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s). O céptico Ophuls parece<strong>de</strong>ixar-se encantar pelos tempose ritmos <strong>de</strong> Speer. Que é capaz <strong>de</strong>assumir <strong>que</strong> na monumentalida<strong>de</strong>das suas obras já estava tu<strong>do</strong> explícito,mesmo antes <strong>de</strong> os ju<strong>de</strong>us seremmortos, mas <strong>que</strong> não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> persistircomo figura velada, opaca. Comoé <strong>que</strong> foi capaz <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong>le,Marcel?“Não podia matá-lo, pois não?!!!Sim, gosto <strong>de</strong>le. Em primeiro lugar,gosto das pessoas <strong>que</strong> colaboramcom o meu trabalho. Ele era muitocarismático e um ‘charmeur’... Passámosquatro dias juntos a filmar.Claro <strong>que</strong> ele diz <strong>que</strong> esteve no campo<strong>de</strong> Mauthausen mas <strong>que</strong> nunca viua máquina <strong>de</strong> morte – é o <strong>que</strong> ele diz,os especta<strong>do</strong>res <strong>que</strong> tirem as suasconclusões. Gostei <strong>de</strong>le. Mas ele é um<strong>do</strong>s maiores criminosos <strong>de</strong> guerra.Se não temos senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> compreensãopara com as pessoas, como é <strong>que</strong>se tem a arrogância <strong>de</strong> se colocar àfrente <strong>de</strong>las uma câmara <strong>de</strong> filmar?”Marcel Ophuls, filho <strong>de</strong> Max, ju<strong>de</strong>u,83 anos.Le Chagrin et la Pitié19, 11h30, Alvala<strong>de</strong> 1; 22, 11h, CulturgestVeillée d’armes20, 11h30, Alvala<strong>de</strong> 1; 23, 11h, CulturgestMunich ou la paix pour cent ans23, 21h30, CinematecaHotel Terminus- The life andtimes of Klaus Barbie26, 21h30, CinematecaThe Memory of Justice28, 21h30, CinematecaOs anos 1960 e omun<strong>do</strong> em volta“Johann Sebastian Bach. É oprincípio e o fim <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”, dizo homem senta<strong>do</strong> ao piano àpe<strong>que</strong>na starlet embevecida. “Éverda<strong>de</strong>, toda a gente o sabe”,respon<strong>de</strong> ela. Mas, acrescenta,também <strong>que</strong> existir músicaromântica, música alegre,música <strong>que</strong> acompanhe o corrernormal <strong>do</strong>s dias normais. E comoera glamorosa a normalida<strong>de</strong><strong>que</strong> aqui vemos. Coreografiasà musical <strong>de</strong> Busby Berkeley,vaporosas estrelas da tela emmini vesti<strong>do</strong>s revela<strong>do</strong>res,carros mo<strong>de</strong>rnos aceleran<strong>do</strong> emestradas mo<strong>de</strong>rnas, or<strong>que</strong>strasjazz a dar swing à nação. Porém,algo não bate certo. Algo estáerra<strong>do</strong> neste mosaico musical ena sofisticada e luminosa culturapopular <strong>que</strong> nele se representa.A mera citação <strong>do</strong> título da obracondiciona irremediavelmente oolhar: “Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>”. É com aterrível inscrição da<strong>que</strong>le apeli<strong>do</strong>na<strong>que</strong>le título <strong>que</strong> entramosna parada <strong>que</strong> o DocLisboaSão como <strong>que</strong> duas linhas nasecção “musical” <strong>do</strong> DocLisboa2010, a Heartbeat: o revisitar dahistória, centrada em momentos<strong>de</strong>cisivos na década <strong>de</strong> 1960, e umpercurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta para além<strong>do</strong> universo anglo-saxónico.Mergulhan<strong>do</strong> nos<strong>do</strong>cumentárioshistóricos, cria-se umanarrativa da década <strong>de</strong>1960. Começamos coma Beatlemania noauge, no momentoem <strong>que</strong> Paul,George, John eRingo aterram nosEUA – “The Beatlesin The USA”, <strong>do</strong>sirmãos Maysles, éum retrato <strong>do</strong>s FabFranz Zappa porFrank Scheffer8 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon
“Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” é uma obra terrível. Alemanha nazi:já conhecíamos o terror; a surpresa é o glamour <strong>que</strong> oescondia. Mário Lopesprogramou para a secçãoHeartbeat (dia 17, na sala 3 <strong>do</strong> SãoJorge, às 19h; dia 24, na sala 1 <strong>do</strong>São Jorge, às 21h30).Realiza<strong>do</strong> pelos alemães OliverAxer e Susanne Benze, “Hitler’sHit Para<strong>de</strong>”, estrea<strong>do</strong> em 2005, foimonta<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> programas<strong>de</strong> entretenimento, filmespublicitários e <strong>de</strong> propagandae filmagens caseiras registadasentre 1936, no auge <strong>do</strong> nacionalsocialismo,e a sua agonia final.Ao longo <strong>de</strong> 75 minutos, as duasdimensões <strong>que</strong> suportam o filme,a música escapista, próxima <strong>do</strong>swing <strong>que</strong> reinava nos EUA, eas imagens <strong>que</strong> a acompanham,unem-se para criar uma trágicasinfonia. Não sabemos <strong>que</strong>msão a<strong>que</strong>les cantores, nãosabemos <strong>que</strong>m é a<strong>que</strong>la locutoratelevisiva jovem e sorri<strong>de</strong>nte<strong>que</strong> se <strong>de</strong>spe<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais umaemissão com o obrigatório “HeilHitler”. Não percebemos, por<strong>que</strong>sabemos o <strong>de</strong>pois e conhecemosos maquinações <strong>de</strong> então, comoera possível a felicida<strong>de</strong> emtempos assim. Esse é o cho<strong>que</strong><strong>que</strong> “Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” provoca.Conhecemos a máquina <strong>de</strong>repressão e o barroquismoda representação <strong>do</strong> nazismo,conhecemos “O Triunfo daVonta<strong>de</strong>” e restante a obra <strong>de</strong> LeniRiefenstahl, mas não conhecíamosisto. “Os aviões eram gran<strong>de</strong>s ebonitos. Havia barcos elegantes,os carros mais maravilhosos,boa roupa, cafés <strong>de</strong> bom gosto”,<strong>de</strong>screvia Oliver Axer, em 2005, aodiário alemão “Die Tageszeitung”.Continuava: “Os bares <strong>de</strong> Berlimeram vistos como chi<strong>que</strong>s emo<strong>de</strong>rnos, gran<strong>de</strong>s e vistosos.Tu<strong>do</strong> tinha standard internacional.Não se tem a sensação <strong>de</strong> <strong>que</strong> algoestivesse ausente”.Axer, provoca<strong>do</strong>r, referiu-se aofilme como “uma mistura <strong>de</strong> TexAvery com Leni Riefenstahl” enão é por acaso <strong>que</strong>, enquanto oglamour sexualiza<strong>do</strong> das cenas<strong>de</strong> cabaret se cruza com <strong>de</strong>senhosanima<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um grotesco antisemitismo,o <strong>de</strong>sconforto se torneinsuportável. Não só por<strong>que</strong>a guerra se há-<strong>de</strong> atravessarna<strong>que</strong>le oásis <strong>de</strong> harmonia, enão só por<strong>que</strong> também veremosgente feliz acenar aos vagões <strong>que</strong>se encaminham para campos <strong>de</strong>concentração.“Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” é umaobra fascinante, tanto quanto étenebroso o <strong>que</strong> mostra. Nele,revela-se como um esta<strong>do</strong>totalitário anestesia e formataum povo. E por isso torna-se umfilme <strong>que</strong> não se fixa no seu tempo.Aos nossos olhos, o nazismoO realiza<strong>do</strong>r, provoca<strong>do</strong>r, referiu-se ao filmecomo “uma mistura <strong>de</strong> Tex Avery com LeniRiefenstahl”Recorren<strong>do</strong> a arquivos daAlemanha nazi, é a sinfonia <strong>de</strong>uma tragédiaé a verda<strong>de</strong>ira encarnação <strong>do</strong>mal, e torna-se inquietanteperceber <strong>que</strong> os seus méto<strong>do</strong>s<strong>de</strong> controlo da cultura popular,salvaguardadas as distâncias a<strong>que</strong> o seu terrível objectivo finalobriga, não estão distantes dacultura <strong>do</strong> espectáculo <strong>de</strong> hoje,on<strong>de</strong> pre<strong>do</strong>mina um discursopublicitário infantil, <strong>de</strong>sgoverna<strong>do</strong>e subjuga<strong>do</strong> à lógica da reality TVe <strong>do</strong> consumo pelo consumo.Na altura da sua estreia, “Hitler’sHit Para<strong>de</strong>” foi critica<strong>do</strong> comouma banalização <strong>do</strong> nazismo.Tal posição ignora um pormenoressencial: a<strong>que</strong>la “banalida<strong>de</strong>”surge como parte integrante <strong>do</strong>regime em si. Como referiu naentrevista supracitada OliverAxer, filho da geração <strong>que</strong> viveuo nazismo, “como estética <strong>do</strong>Terceiro Reich apresentavamnosLeni Riefenstahl. [...] Amo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>que</strong> nos tentavamensinar na escola parava em1933, e recomeçava na RepúblicaFe<strong>de</strong>ral [da Alemanha]”. O vazio<strong>que</strong> “Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” preencheé uma revelação terrível, nuncabanal. O seu mérito está na formacomo <strong>de</strong>svenda a infiltração dai<strong>de</strong>ologia em to<strong>do</strong>s os aspectos davida – algo <strong>que</strong> o contraste com amúsica suave, quase encantatória,torna ainda mais pungente.“Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>”: a criançaà janela <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong> brincarem cujas pare<strong>de</strong>s se <strong>de</strong>scobreum retrato <strong>do</strong> Führer. O Führerele mesmo como estrela pop,distribuin<strong>do</strong> autógrafos às fãs,brincan<strong>do</strong> com cães e crianças,afastan<strong>do</strong> a ma<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> cabelosob a testa num gesto <strong>que</strong> aquiparece o <strong>de</strong> um galã. Os rapazesda Juventu<strong>de</strong> Hitleriana, to<strong>do</strong>srepetin<strong>do</strong> os mesmos gestos,to<strong>do</strong>s ouvin<strong>do</strong> a mesma voz:“atravessas os meus sonhos /vens até mim todas as noites”. E,mais directo, o homem <strong>que</strong> alertana televisão para os músicos <strong>que</strong>tocam <strong>de</strong>safina<strong>do</strong>s, “guia<strong>do</strong>s porinfluência estrangeira”, e para osquais tem solução, “um ‘campo <strong>de</strong>música’” on<strong>de</strong> os ensinarão a tocarafina<strong>do</strong>s novamente.À medida <strong>que</strong> o filmeavança, mantém-se a cadênciamusical, mas tu<strong>do</strong> se torna maisescancara<strong>do</strong>: o Zyklon B, filma<strong>do</strong>como uma caixa Berio <strong>de</strong> Warhol,e as câmaras <strong>de</strong> gás on<strong>de</strong> foiutiliza<strong>do</strong>, as estrelas <strong>de</strong> David nopeito <strong>do</strong>s ju<strong>de</strong>us, as <strong>de</strong>portações,o gueto <strong>de</strong> Varsóvia, a guerra e osmortos e uma grotesca parada <strong>de</strong>próteses.Um eléctrico atravessauma cida<strong>de</strong> em escombros.Uma mulher chora à saída <strong>de</strong>um campo <strong>de</strong> concentração.Desaparece a narrativa gloriosa <strong>do</strong>regime, extingue-se a banalida<strong>de</strong>.Sobra o horror. Esgotaram-se osêxitos da parada.Four em tempos <strong>de</strong> inocência (dia 22,21h30, São Jorge). Três anos <strong>de</strong>pois,em 1967, a inocência pintava-se comas cores garridas <strong>do</strong> psica<strong>de</strong>lismo.Peter Whitehead filmou-a no<strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong>finitivo da “swingingLon<strong>do</strong>n”, “Tonite Let’s All Make LoveIn Lon<strong>do</strong>n” (dia 21, 23h, São Jorge - 3,e dia 24, 17h30, São Jorge). Entre<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Vanessa Redgrave,David Hockney, Michael Caine ou osAnimals, Mick Jagger fala <strong>de</strong> umfuturo em <strong>que</strong> as máquinastrabalharão para <strong>que</strong> a humanida<strong>de</strong>se entregue ao lazer e à arte. O mesmoJagger em “Stones In Exile”, <strong>de</strong>Stephen Kijak, está diferente. Quan<strong>do</strong>os Stones se refugiaram numamansão da Côte D’Azur, o sonhogeracional acabara e restavam osexcessos e o blues <strong>que</strong> conduziram asgravações <strong>de</strong> “Exile On Main St”,edita<strong>do</strong> em 1972 (dia 20, 23h, SãoJorge; dia 23, 21h30, São Jorge).A Beatlemania no auge: “TheBeatles in The USA”, <strong>do</strong>s irmãosMayslesPara compor a narrativa, surge oretrato <strong>de</strong> Frank Zappa, outsi<strong>de</strong>rgenial, <strong>que</strong> o holandês FrankScheffer realizou em 2006 - divi<strong>de</strong>seem duas partes e passará hoje(22h15, Alvala<strong>de</strong>), dia 20 (16h15,Alvala<strong>de</strong> 3), dia 21 (21h30, São Jorge)e dia 24 (19h, São Jorge). Surgeainda “Uma Noite em 67”, <strong>que</strong>acompanha o final <strong>do</strong> Festival daMúsica Popular Brasileira <strong>de</strong> 1967,momento em <strong>que</strong> o tropicalismo<strong>de</strong> Gil e Caetano se anunciou e em<strong>que</strong> Chico Buar<strong>que</strong> e Edu Loboforam “velhos” por um brevemomento (realiza<strong>do</strong> Renato Terra eRicar<strong>do</strong> Calil, passa <strong>do</strong>mingo nasala 1 <strong>do</strong> São Jorge, às 21h30, erepete dia 24, às 15h, no mesmocinema, sala 3).O outro eixo <strong>de</strong> “Heartbeat” levanosaté ao mosaico <strong>de</strong> Istambu(“Crossing The Bridge: The SoundOf Istambul”; segunda-feira, 21h30,no São Jorge – 1, e dia 23, 23h, noSão Jorge – 3). Leva-nos aacompanhar Youssou N’Dour pelarota musical da escravatura até aoregresso a Gorée, no Senegal, omaior entreposto <strong>de</strong> escravosafricano no tempo da escravatura(“Retour À Gorée”, <strong>de</strong> Pierre-YvesBorgeaud: segunda-feira, 17h30, SãoJorge – 1, e dia 23, 21h, São Jorge – 3).mecenas principalmecenas <strong>do</strong>s espectáculosHITTHITT é conheci<strong>do</strong> pelo seu visual irreverente (relaciona<strong>do</strong> com o movimentomuito em voga entre a juventu<strong>de</strong> japonesa, o visual kei) e pelo <strong>que</strong> ele próprioclassifica como o seu estilo musical “piano rock”. Há muito aguarda<strong>do</strong> emPortugal, HITT chega agora ao Museu <strong>do</strong> Oriente com um espectáculo on<strong>de</strong>apresenta as suas mais aclamadas composições.INFORMAÇÕES E RESERVAS: 213 585 244707 234 234 (TICKETLINE) | www.ticketline.sapo.ptBILHETES À VENDA: MUSEU DO ORIENTE, FNAC, WORTEN, LOJAS VIAGENS ABREU,BLISS, LIV. BULHOSA (Oeiras Par<strong>que</strong> e C. C. <strong>do</strong> Porto) e pontos MEGAREDE.Av. Brasília, Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte) | 1350-352 Lisboa | Tel.: 213 585 200 | E-mail: info@foriente.pt | www.museu<strong>do</strong>oriente.ptÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 9