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onatos internacionais, fundamentalmente as ligas<br />

norte-americanas que são modeladas do ponto de<br />

vista de negócio há muito mais tempo do que nós.<br />

Essa demanda estava reprimida, quando houve<br />

o estouro dessa bolha e, de novo, eu faculto isso<br />

fundamentalmente à entrada da televisão no jogo,<br />

foi na década de 1990. A nossa geração, vocês devem<br />

lembrar, não tinha jogo na televisão, era só no<br />

sábado à tarde, domingo era no rádio, quarta-feira<br />

não tinha futebol, era um jogo por semana; hoje<br />

em dia, a qualquer hora do dia você tem jogo acontecendo<br />

em algum campeonato do mundo. E isso<br />

evidentemente que, a partir do momento em que<br />

você tem essa superexposição da entrada da televisão,<br />

além dos recursos da própria televisão, você<br />

alavanca a cadeia toda. Em termos de patrocínios,<br />

em termos de propriedades comerciais e assim por<br />

diante, então essa alavancagem produziu essa situação<br />

de, não vou dizer enriquecimento, mas de<br />

fato uma alocação de recursos desproporcionado<br />

ao crescimento dos demais setores da sociedade.<br />

Como eu disse, acho que há inúmeras explicações,<br />

mas acho que esse é um fator que para mim é fundamental.<br />

Não sei se respondi a sua pergunta, mas<br />

para mim é uma explicação real.<br />

F: Professor Flávio, podemos deslocar um pouquinho<br />

para a Sociologia ou você fica desconfortável?<br />

Tive uma disciplina no mestrado, Sociologia do Esporte,<br />

com a professora Heloísa. Discuti com ela<br />

seis meses dizendo que eu não achava que estávamos<br />

caminhando para um processo civilizatório.<br />

Por conta da sofisticação, da violência, da mídia e<br />

tudo mais que me parece que muitas vezes faz um<br />

contrassenso com relação ao processo civilizatório,<br />

não que eu ache que muito antes, quando se soltavam<br />

leões e pessoas para duelarem, era uma coisa<br />

muito linda, não. Mas me parece que era menos hipócrita.<br />

Então, assim, será que daria para você dar<br />

alguma contribuição para o incremento dessa reflexão?<br />

Talvez para uma paz de espírito minha e nossa.<br />

Flávio de Campos: Bom, o que você traz é uma discussão<br />

central na Sociologia, e na obra do Norbert<br />

Elias e do Eric Dane, que é a ideia de que você tem<br />

uma mudança no século XiX entre as modalidades<br />

lúdicas praticadas até então, que vêm desde a antiguidade,<br />

e o processo de “esportivização”, que<br />

é uma categoria conceitual que está associada à<br />

emergência da sociedade industrial. Então, esse<br />

é o ponto de partida do Norbert Elias. Quando<br />

ele pensa essa questão do processo civilizatório,<br />

ele está pensando junto com Freud, essa ideia de<br />

uma sociedade; você tem um caminho civilizatório<br />

que implica na contenção de impulsos. Você tem<br />

que permitir, não é? O Norbert Elias tem uma tradução<br />

muito ruim; o processo civilizador em dois<br />

volumes tem uma edição muito ruim, muito malcuidada,<br />

mas é o que a gente tem circulando no<br />

Brasil. Quando ele pensa isso, compara o grau de<br />

violência de modalidades lúdicas anteriores ao século<br />

XiX ao processo de emergência dos esportes<br />

na sociedade tecnológica. E aí, de fato, você tem<br />

alguns elementos que organizam as modalidades<br />

esportivas, de acordo com as regras da sociedade<br />

burguesa. Por exemplo, igualdade de oportunidade.<br />

Tem uma cena (você falou dos leões) de o Gladiador<br />

que todos vocês devem ter assistido: o imperador<br />

desce na arena para enfrentar o herói da trama.<br />

Evidentemente na lógica lúdica, são mais rituais,<br />

são mais cerimônias do que esporte, pois o imperador<br />

não vai disputar uma competição em igualdade<br />

de condições. A igualdade não se coloca, o<br />

conceito de igualdade é histórico, nós construímos<br />

historicamente o conceito de igualdade, definimos<br />

o conceito de igualdade a partir do final do século<br />

XViii, comecinho do século XiX como elemento que<br />

deve normatizar as nossas relações, mas isso é<br />

historicamente localizado, você não pode imputar<br />

a igualdade às modalidades lúdicas anteriores. Então,<br />

a questão da violência também há no século<br />

XiX, com a emergência dos esportes, uma atenuação,<br />

não uma eliminação, assim os esportes terão<br />

manifestações de violência. Nas partidas a gente<br />

vai observar o enfrentamento físico, nas diversas<br />

modalidades esportivas, inclusive no jogo de xadrez.<br />

Lembro a vocês as competições de xadrez,<br />

durante a Guerra Fria, entre o Bobby Fischer e o<br />

Karpov: a mesa era vedada, porque eles se chutavam,<br />

então se você não fecha a mesa aqui, o outro<br />

vai chutar e ninguém está vendo! Então, a questão<br />

da violência vai aparecer, e o que acontece no esporte?<br />

Você tem que atenuar. Você normatiza, você<br />

regulamenta, e você cria, pelo menos em tese, a<br />

igualdade de oportunidades para a disputa. Então<br />

terão que jogar onze de cada lado. Uma equipe não<br />

pode entrar com doze e outra com dez, que é diferente<br />

dos nossos acordos. Os nossos jogos, que<br />

não são esportes, que não são regulamentados<br />

em escala mundial, então se a gente for fazer uma<br />

partida aqui, ao final do encontro, mista, a gente já<br />

está subvertendo tudo. Vamos fazer uma partida<br />

mista, homens e mulheres jogando, e nós vamos<br />

fazer o quê? Vamos ver que uma equipe está ficando<br />

mais forte, percebemos que uma equipe está<br />

ficando muito mais forte, então mudamos, alteramos<br />

os jogadores, colocamos mais jogadores de<br />

um lado e menos jogadores de outro. Essa é uma<br />

39<br />

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional

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