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edição de 22 de fevereiro de 2016

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Marina Cota<br />

Os retornáveis<br />

"Ma nun mme lassá, num darme stu<br />

turmiento. Torna a Surriento! Famme Campá!"<br />

E. <strong>de</strong> Curtis, G.B. <strong>de</strong> Curtis.<br />

Francisco alberto Madia <strong>de</strong> souza<br />

Tinha sete anos. Minha mãe me mandou<br />

dar um pulinho no Bar King, na cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Bauru, comprar leite. Perguntou: “está<br />

levando o litro vazio?”. Respondi que não.<br />

“Então leve. Caso contrário, terá <strong>de</strong> fazer<br />

duas viagens...”<br />

Não acreditei. Na minha cabeça não<br />

fazia o menor sentido levar litro vazio e<br />

trocar, pagando pelo leite, por um novo e<br />

cheio. Tinha certeza que “seo” Manoel,<br />

que me conhecia e acreditava em mim, me<br />

entregaria o litro <strong>de</strong> leite em confiança que<br />

eu o levaria para casa, esvaziaria o leite no<br />

meu litro <strong>de</strong> leite e <strong>de</strong>pois voltaria para <strong>de</strong>volver<br />

o litro <strong>de</strong> leite <strong>de</strong>le. Saindo do Bar<br />

King, perguntei se po<strong>de</strong>ria ter levado o litro<br />

vazio e trocado pelo cheio ainda que não<br />

na minha embalagem e “seo” Manoel sorrindo,<br />

disse, “claro que sim, Chiquinho...”.<br />

Aprendi, naquele momento, que existem<br />

algumas ou muitas coisas retornáveis na<br />

vida. Ainda que não sejam exatamente as<br />

mesmas. Infelizmente, muitas outras, não<br />

retornam jamais.<br />

Durante décadas compraram-se e ven<strong>de</strong>ram-se<br />

cervejas, refrigerantes, leite e outros<br />

produtos em embalagens retornáveis.<br />

Mas aos poucos, com o progresso, prevaleceram<br />

os <strong>de</strong>scartáveis e o mundo chega,<br />

agora, ao limite da poluição, da <strong>de</strong>gradação.<br />

Volta e meia alguém tenta retornar<br />

com as retornáveis, mas em pouco tempo a<br />

tentativa é <strong>de</strong>scartada e a poluição segue o<br />

curso em direção ao fim do mundo.<br />

Elon Musk, o maior dos “malucos” da<br />

atualida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ntre outros feitos hoje<br />

ocupa o trono que pertenceu a Steve Jobs<br />

como rei da criação (mais que Jobs mesmo,<br />

porque Jobs estava mais para inovação<br />

do que criação), tenta, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sesperada<br />

e lancinante, colocar em pé uma <strong>de</strong><br />

suas muitas empresas, a SpaceX, e li<strong>de</strong>rar<br />

o novo negócio <strong>de</strong> viagens espaciais. Para<br />

tanto, condição essencial <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong><br />

econômica, precisa conquistar a retornabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seus foguetes.<br />

Até este momento da história da conquista<br />

espacial, foguetes inserem-se no<br />

território dos <strong>de</strong>scartáveis. Todos os investimentos<br />

são consumidos numa única viagem.<br />

Não são retornáveis. Musk, com pou-<br />

cos êxitos e muitos fracassos, vem tentando<br />

superar esse <strong>de</strong>safio. Até agora, o placar<br />

é francamente <strong>de</strong>sfavorável. Em cada cinco<br />

tentativas <strong>de</strong> fazer o foguete retornar em<br />

perfeitas condições <strong>de</strong> reaproveitamento,<br />

apenas uma <strong>de</strong>u certo. Nas outras quatro,<br />

os foguetes espatifaram-se e o investimento<br />

foi para o saco. Se retornáveis, assim como<br />

os automóveis, a única <strong>de</strong>spesa é a do<br />

reabastecimento. Não se precisa <strong>de</strong> um carro<br />

novo cada vez que saímos <strong>de</strong> casa...<br />

De qualquer maneira, a corrida pela conquista<br />

comercial do espaço — negócios e turismo<br />

— é das mais estimulantes e inspiradoras.<br />

Além do “maluco” Musk, outros dois<br />

“malucos” estão na raia. Jeff Bezos, senhor<br />

Amazon, com a sua Blue Origin, e Richard<br />

Branson, senhor Virgin, com a sua Virgin<br />

Galactic.<br />

A busca pela retornabilida<strong>de</strong>, claro, não<br />

é exclusiva <strong>de</strong> Musk. Seus dois “malucos”<br />

concorrentes correm freneticamente atrás<br />

<strong>de</strong>ssa conquista. Há semanas, mais especificamente<br />

no dia <strong>22</strong> <strong>de</strong> janeiro, Bezos — e<br />

sua Blue Origin — conseguiu fazer com que<br />

um <strong>de</strong> seus foguetes <strong>de</strong>colasse e retornasse<br />

à base por duas vezes consecutivas. Comemorou!<br />

Já Branson acredita em outro formato.<br />

Também há semanas, no Fórum Econômico<br />

Mundial, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u sua alternativa — um<br />

ônibus espacial que pousa como um avião.<br />

Na conferência, disse: “A nossa nave nos dá<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer viagens espaciais<br />

ponto a ponto; a <strong>de</strong>les, não!”.<br />

Assim caminhamos em direção ao Admirável<br />

Mundo Novo. On<strong>de</strong> a componente<br />

retornável volta a ter singular importância.<br />

Não necessariamente para tudo, mas para<br />

algumas coisas e/ou <strong>de</strong>terminadas empreitadas.<br />

Mesmo porque, nesse Mundo Novo, uma<br />

<strong>de</strong> suas principais características será o<br />

compartilhamento. Em que não seremos<br />

nem donos, nem proprietários. Em 90%<br />

das situações, seremos exclusivamente<br />

usuários. E assim não teremos <strong>de</strong> retornar<br />

o que não saberemos quando e se vamos<br />

precisar <strong>de</strong> novo. Chegar, pagar, pegar,<br />

usar, largar. E ir embora lindo, leve e solto.<br />

Quase como chegamos ao mundo. E como<br />

um dia vamos partir.<br />

Francisco Alberto Madia <strong>de</strong> Souza<br />

é consultor <strong>de</strong> marketing<br />

famadia@madiamm.com.br<br />

jornal propmark - <strong>22</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2016</strong> 23

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