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Marina Cota<br />
Os retornáveis<br />
"Ma nun mme lassá, num darme stu<br />
turmiento. Torna a Surriento! Famme Campá!"<br />
E. <strong>de</strong> Curtis, G.B. <strong>de</strong> Curtis.<br />
Francisco alberto Madia <strong>de</strong> souza<br />
Tinha sete anos. Minha mãe me mandou<br />
dar um pulinho no Bar King, na cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Bauru, comprar leite. Perguntou: “está<br />
levando o litro vazio?”. Respondi que não.<br />
“Então leve. Caso contrário, terá <strong>de</strong> fazer<br />
duas viagens...”<br />
Não acreditei. Na minha cabeça não<br />
fazia o menor sentido levar litro vazio e<br />
trocar, pagando pelo leite, por um novo e<br />
cheio. Tinha certeza que “seo” Manoel,<br />
que me conhecia e acreditava em mim, me<br />
entregaria o litro <strong>de</strong> leite em confiança que<br />
eu o levaria para casa, esvaziaria o leite no<br />
meu litro <strong>de</strong> leite e <strong>de</strong>pois voltaria para <strong>de</strong>volver<br />
o litro <strong>de</strong> leite <strong>de</strong>le. Saindo do Bar<br />
King, perguntei se po<strong>de</strong>ria ter levado o litro<br />
vazio e trocado pelo cheio ainda que não<br />
na minha embalagem e “seo” Manoel sorrindo,<br />
disse, “claro que sim, Chiquinho...”.<br />
Aprendi, naquele momento, que existem<br />
algumas ou muitas coisas retornáveis na<br />
vida. Ainda que não sejam exatamente as<br />
mesmas. Infelizmente, muitas outras, não<br />
retornam jamais.<br />
Durante décadas compraram-se e ven<strong>de</strong>ram-se<br />
cervejas, refrigerantes, leite e outros<br />
produtos em embalagens retornáveis.<br />
Mas aos poucos, com o progresso, prevaleceram<br />
os <strong>de</strong>scartáveis e o mundo chega,<br />
agora, ao limite da poluição, da <strong>de</strong>gradação.<br />
Volta e meia alguém tenta retornar<br />
com as retornáveis, mas em pouco tempo a<br />
tentativa é <strong>de</strong>scartada e a poluição segue o<br />
curso em direção ao fim do mundo.<br />
Elon Musk, o maior dos “malucos” da<br />
atualida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ntre outros feitos hoje<br />
ocupa o trono que pertenceu a Steve Jobs<br />
como rei da criação (mais que Jobs mesmo,<br />
porque Jobs estava mais para inovação<br />
do que criação), tenta, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sesperada<br />
e lancinante, colocar em pé uma <strong>de</strong><br />
suas muitas empresas, a SpaceX, e li<strong>de</strong>rar<br />
o novo negócio <strong>de</strong> viagens espaciais. Para<br />
tanto, condição essencial <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong><br />
econômica, precisa conquistar a retornabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> seus foguetes.<br />
Até este momento da história da conquista<br />
espacial, foguetes inserem-se no<br />
território dos <strong>de</strong>scartáveis. Todos os investimentos<br />
são consumidos numa única viagem.<br />
Não são retornáveis. Musk, com pou-<br />
cos êxitos e muitos fracassos, vem tentando<br />
superar esse <strong>de</strong>safio. Até agora, o placar<br />
é francamente <strong>de</strong>sfavorável. Em cada cinco<br />
tentativas <strong>de</strong> fazer o foguete retornar em<br />
perfeitas condições <strong>de</strong> reaproveitamento,<br />
apenas uma <strong>de</strong>u certo. Nas outras quatro,<br />
os foguetes espatifaram-se e o investimento<br />
foi para o saco. Se retornáveis, assim como<br />
os automóveis, a única <strong>de</strong>spesa é a do<br />
reabastecimento. Não se precisa <strong>de</strong> um carro<br />
novo cada vez que saímos <strong>de</strong> casa...<br />
De qualquer maneira, a corrida pela conquista<br />
comercial do espaço — negócios e turismo<br />
— é das mais estimulantes e inspiradoras.<br />
Além do “maluco” Musk, outros dois<br />
“malucos” estão na raia. Jeff Bezos, senhor<br />
Amazon, com a sua Blue Origin, e Richard<br />
Branson, senhor Virgin, com a sua Virgin<br />
Galactic.<br />
A busca pela retornabilida<strong>de</strong>, claro, não<br />
é exclusiva <strong>de</strong> Musk. Seus dois “malucos”<br />
concorrentes correm freneticamente atrás<br />
<strong>de</strong>ssa conquista. Há semanas, mais especificamente<br />
no dia <strong>22</strong> <strong>de</strong> janeiro, Bezos — e<br />
sua Blue Origin — conseguiu fazer com que<br />
um <strong>de</strong> seus foguetes <strong>de</strong>colasse e retornasse<br />
à base por duas vezes consecutivas. Comemorou!<br />
Já Branson acredita em outro formato.<br />
Também há semanas, no Fórum Econômico<br />
Mundial, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u sua alternativa — um<br />
ônibus espacial que pousa como um avião.<br />
Na conferência, disse: “A nossa nave nos dá<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer viagens espaciais<br />
ponto a ponto; a <strong>de</strong>les, não!”.<br />
Assim caminhamos em direção ao Admirável<br />
Mundo Novo. On<strong>de</strong> a componente<br />
retornável volta a ter singular importância.<br />
Não necessariamente para tudo, mas para<br />
algumas coisas e/ou <strong>de</strong>terminadas empreitadas.<br />
Mesmo porque, nesse Mundo Novo, uma<br />
<strong>de</strong> suas principais características será o<br />
compartilhamento. Em que não seremos<br />
nem donos, nem proprietários. Em 90%<br />
das situações, seremos exclusivamente<br />
usuários. E assim não teremos <strong>de</strong> retornar<br />
o que não saberemos quando e se vamos<br />
precisar <strong>de</strong> novo. Chegar, pagar, pegar,<br />
usar, largar. E ir embora lindo, leve e solto.<br />
Quase como chegamos ao mundo. E como<br />
um dia vamos partir.<br />
Francisco Alberto Madia <strong>de</strong> Souza<br />
é consultor <strong>de</strong> marketing<br />
famadia@madiamm.com.br<br />
jornal propmark - <strong>22</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2016</strong> 23