JUNHO 2018 - Nº 242
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Opinião<br />
<strong>JUNHO</strong> <strong>2018</strong> 29<br />
A forma especifica de urrar<br />
identifica a sua pertença aos<br />
donos<br />
Quando a bestialidade alienante do jogo da bola culmina no terrorismo, ouço o Presidente da<br />
República dizer que se sente vexado com a imagem de Portugal no exterior e o Primeiro-Ministro<br />
a prometer a criação de uma comissão contra a violência no desporto. Desporto?<br />
FRANCISCO ONETO (*)<br />
Professor de Antropologia no ISCTE<br />
Mas desde quando o culto da violência e<br />
do ódio que grassa nestas associações de<br />
malfeitores é compaginável com a ideia de<br />
desporto? Alguém já viu o espectáculo da<br />
entrada para os recintos nos jogos “importantes”?<br />
Já olharam bem para as massas<br />
de “adeptos”, destas empresas mono-coloridas<br />
a que eufemisticamente chamam<br />
“clubes desportivos”? Trata-se, desde há<br />
muitos, muitos anos, de viveiros de criminosos,<br />
neo-nazis, corruptos e ladrões,<br />
apoiados por teias de interesses e negócios<br />
obscuros que colonizaram a comunicação<br />
social… “até ao pus”, como muito<br />
bem disse o Presidente da Assembleia da<br />
República.<br />
É vê-los, todos em passo de corrida, escoltados<br />
em gaiola pela polícia de choque<br />
que os protege da sanha sanguinária dos<br />
serviçais do clube inimigo. Houve vários<br />
esfaqueamentos entre estes “desportistas”<br />
nos últimos anos, assim como destruição<br />
de património público, corte de auto-estradas,<br />
apedrejamentos de autocarros, etc. E<br />
lá vão eles, cantando, rindo e arrotando,<br />
exibindo triunfalmente os símbolos da imbecilidade<br />
colectiva que, pela cor e pela<br />
associação a formas específicas de urrar,<br />
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identificam a sua pertença aos donos. Os<br />
responsáveis e cúmplices desta tão popular<br />
e exacerbada forma de estupidez agonística,<br />
acordaram agora para o problema<br />
do terrorismo de que são os promotores.<br />
À legião de psicopatas e de inúteis que<br />
medram neste meio – que vale o que vale<br />
não por ser desporto, mas por ser negócio<br />
– tivemos há uns anos de pagar com os<br />
nossos impostos os faustosos estádios de<br />
um qualquer campeonato não sei de quê,<br />
temos de os aturar em intermináveis demonstrações<br />
de cretinismo e abjecta verborreia<br />
à abertura dos telejornais, temos<br />
de os ouvir a toda a hora nos cafés, nas<br />
escolas e nos locais de trabalho, e ainda<br />
querem que toleremos como natural a<br />
existência de claques?<br />
A arruaça permanente, a constante<br />
agressão física e verbal, o culto da<br />
violência e do ódio, a estupidificação<br />
dos quotidianos, a lavagem ao cérebro<br />
dos pais aos filhos…? E o pior –<br />
como mostrava um canal de televisão<br />
há pouco – é que, com os recentes<br />
episódios de terrorismo, os activos do<br />
tal clube estão a desvalorizar. O holandês<br />
vale 19 milhões, mas a cabeça<br />
partida vai baixar-lhe o preço. Que<br />
pena!…<br />
É tão bom ir ao futebol em família, ter<br />
um deus-animal, tipo leão, águia… e<br />
ser solidário com os valores da pátria<br />
e do patriarcado! Por isso, é melhor<br />
que o Primeiro-Ministro crie mesmo a<br />
tal comissão, mas que não lhe chame<br />
da “violência no desporto” e sim<br />
da “violência no futebol”. São coisas<br />
diferentes.<br />
Fascismo é mesmo só no futebol!…<br />
(*) JornalTornado.pt