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edição de 15 de outubro de 2018

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STORYTELLER<br />

Ejla/iStock<br />

Tempos<br />

<strong>de</strong> vergonha<br />

Descobri um brasileiro que não<br />

conhecia, pessoas que jamais<br />

imaginei terem um lado tão<br />

rancoroso, odioso e violento<br />

LuLa Vieira<br />

Acho que fui o único brasileiro que não<br />

<strong>de</strong>u pitaco sobre Bolsonaros, Haddads,<br />

Ciros e Cabos Daciolos.<br />

Confesso que estive pasmo com tudo,<br />

não acreditando, como não acredito até<br />

agora, que pudéssemos chegar on<strong>de</strong> chegamos.<br />

Descobri um brasileiro que não conhecia,<br />

pessoas que jamais imaginei terem um<br />

lado tão rancoroso, odioso e violento, pessoas<br />

portadoras <strong>de</strong> ódios inacreditáveis,<br />

que não é a situação do país que explica,<br />

mas apenas é prova <strong>de</strong>finitiva que a capa <strong>de</strong><br />

civilização é frágil como uma casca <strong>de</strong> ovo.<br />

Eu me enganei quando, tempos atrás,<br />

eventualmente, lia notícias <strong>de</strong> linchamentos<br />

por engano, com a alegre participação<br />

<strong>de</strong> transeuntes que ajudavam a matar por<br />

nada, só pelo simples prazer <strong>de</strong> fazer mal,<br />

<strong>de</strong> ver sangue.<br />

Eu lia – e li muito – sobre as manifestações<br />

<strong>de</strong> barbárie que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos imemoriais<br />

são a característica do aglomerado<br />

urbano.<br />

Os espetáculos montados para o sacrifício<br />

<strong>de</strong> con<strong>de</strong>nados por heresia, <strong>de</strong>scrença,<br />

crimes <strong>de</strong> lesa-majesta<strong>de</strong>.<br />

Confesso que nunca consegui absorver<br />

como um maluco cria uma situação como<br />

a da Alemanha, cujo consi<strong>de</strong>rado povo superior,<br />

conscientemente, fechou os olhos<br />

para o Holocausto, muitos apoiando, em<br />

nome <strong>de</strong> uma supremacia racial e o direito<br />

inato <strong>de</strong> um povo <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir os semelhantes<br />

<strong>de</strong> outra etnia.<br />

Eu achava que tínhamos evoluído.<br />

E percebo que estava errado. Tenho<br />

acompanhado com horror nas re<strong>de</strong>s sociais<br />

manifestações sem nenhuma racionalida<strong>de</strong>,<br />

apenas o efeito daninho da turba açulada<br />

como matilha.<br />

Alguém po<strong>de</strong> dizer que não houve mortes<br />

e batalhas campais.<br />

Houve sim, a morte do bom senso, da<br />

empatia e da solidarieda<strong>de</strong>. Houve a disseminação<br />

da mentira como estratégia <strong>de</strong><br />

campanha eleitoral.<br />

Houve a fala <strong>de</strong>struidora convocando<br />

para a morte, sob os urros frenéticos <strong>de</strong><br />

multidões enlouquecidas.<br />

Pais com crianças no colo gritavam sua<br />

imensa <strong>de</strong>sesperança na humanida<strong>de</strong>, convocando<br />

seus iguais <strong>de</strong> ocasião para <strong>de</strong>struir,<br />

arrasar, extirpar inimigos, também<br />

pais, também filhos.<br />

Demos um passo atrás na aceitação dos<br />

<strong>de</strong>siguais, no amor pelos nossos artistas,<br />

na busca por enten<strong>de</strong>r os outros.<br />

Demos sim um passo atrás, que espero<br />

tenha sido curto e que os puros <strong>de</strong> coração<br />

não se <strong>de</strong>ixaram ainda contaminar. Não,<br />

não estou sendo catastrófico.<br />

Acobertados pela aparente distância das<br />

re<strong>de</strong>s sociais, li troca <strong>de</strong> insultos vergonhosos,<br />

pessoas revelando com <strong>de</strong>spudor sua<br />

a<strong>de</strong>são ao vale-tudo para ganhar.<br />

Gente que preten<strong>de</strong> ser exemplo para<br />

seus filhos divulgando evi<strong>de</strong>ntes mentiras.<br />

Vi imagens <strong>de</strong> religiosos (<strong>de</strong> todas as correntes)<br />

vociferando impropérios como se<br />

possuídos por Satanás, talvez o verda<strong>de</strong>iro<br />

gran<strong>de</strong> vencedor <strong>de</strong>sta disputa.<br />

E digo mais: tenho medo, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>,<br />

que se alguém <strong>de</strong>r o primeiro tiro, o primeiro<br />

tapa, já que não há mais insultos que não<br />

tenham sido usados, passemos da palavra<br />

à ação.<br />

Mesmo que isso não aconteça, já <strong>de</strong>monstramos<br />

o que somos.<br />

E me envergonho profundamente pelo<br />

que vi.<br />

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa<br />

e da Approach Comunicação, radialista, escritor,<br />

editor e professor<br />

lulavieira@grupomesa.com.br<br />

20 <strong>15</strong> <strong>de</strong> <strong>outubro</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark

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