Chicos - 69 de 13.07.2022
Chicos é uma publicação literária que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar gratuitamente nossas edições. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
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Chicos
história lida. Outra característica, ligada à concisão,
talvez seja o final surpreendente. Desenvolvido
em poucas linhas, o miniconto acaba de
supetão, causando certo espanto no leitor e convocando
sua interpretação. Exemplo claro do
que afirmamos, é o texto “Nada é pra ontem”.
Senão vejamos:
“Dona Betânia anunciou, com lágrimas
nos olhos, a sua máquina de costura na OLX. A
Singer era como um membro da família, mas o
que ouviu do primogênito foi: nada foi feito para
durar, já dizia Bauman… ou Bill Gates, já nem
me lembro.”
Um conto como este ultrapassa em sua
síntese enunciativa, aquilo que José Saramago
escreveu: “O problema não é que as pessoas tenham
opiniões, isso é ótimo. O drama é que as
pessoas tenham opiniões sem saber do que falam”,
o que está se tornando muito, muito comum.
O primogênito em questão, além de não
saber patavinas do que é durar, e de que até as
coisas podem ter valoração afetiva, confunde
duas figuras radicalmente antagônicas. De um
lado Zygmunt Bauman e seu alerta de
‘modernidade líquida’ com as relações sociais,
econômicas e de produção cada vez mais fragilizadas,
fugazes e maleáveis, que dominam o
mundo hoje. De outro o milionário Bill Gates e
sua acumulação estúpida de capital pautada inclusive
na descartabilidade.
Não importa a forma. A autora sempre
oferece ao leitor momentos de deleites literários.
Seja explorando o teor anedótico expresso em
“Exoneração”, ou espectral em “Devir animal”.
Ora lemos um texto intimista e nutrido de silêncios
como percebemos em “O-dores” ou
“Templo de Ártemis”, ora em uma narração objetiva
e perversa como é “Vale das corujas”, ou
ainda, e finalmente, de conteúdo impressionista
como é “Mutantes”. O que fica sempre é o golpe
certeiro na consciência do leitor, aquele insight,
o imprescindível mergulho existencial a
nos mostrar que nas trevas do subconsciente ou
em situações de franca consciência, ainda somos
pequeninos seres em constante devir.
Atualmente há variadas tendências de
abordagem teórica do que entendemos como
ficção fantástica, histórias que possuem a capacidade
de enfeixar em suas tramas acontecimentos
insólitos. A construção da narrativa fantástica
pode assumir variadas formas, agregar diversificados
elementos e, dependendo da maneira como
é tecida a sua trama, os estudiosos delegam
a ela variáveis denominações. A autora envereda
por essa vertente com a mesma mão firme em
contos dessa natureza. E isto nos recorda que
Tzvetan Todorov foi, indubitavelmente, o teórico
balizador desta tendência, e isso se deve não ao
fato de tê-la inaugurado, mas de ter, em 1968,
com a clássica Introdução à literatura fantástica,
organizado os estudos anteriores, reunindo-os,
discutindo-os e, a partir deles, imprimido uma
perspectiva teórica que agrupou formas similares
de trabalho com o sobrenatural e apartou essas
formas de outras, com características dissonantes.
Para esse teórico, nós leitores, somos
transportados para o âmago do fantástico na si-
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