Culpa e graça – Paul Tournier – Cap
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me fala por um longo tempo a respeito de uma pequena aflição sua. Eu<br />
estava errado em me surpreender por ele retornar ao assunto com tanta<br />
insistência. Na realidade, ao prolongar sua consulta comigo ele está<br />
tentando superar sua resistência interna. A sua pequena aflição foi apenas<br />
uma desculpa para vir, ele me diria logo depois. Seu verdadeiro propósito<br />
ao vir é a confissão, que ele não sabe como começar e que adia o máximo<br />
possível.<br />
Outro paciente declara, de princípio, que é de temperamento reservado e,<br />
no entanto, fala sem parar, numa enxurrada de palavras, fala de todos os<br />
detalhes de sua vida, de tudo que sofreu e até mesmo de muitos de seus<br />
erros. Eu, finalmente, digo: “Parece-me que, para um homem reservado,<br />
você começou especialmente bem!”. E ele retruca: “Isto é porque não<br />
contei o mais importante”. E, então, se envolve na confissão real. Uma<br />
paciente me fala durante horas a respeito das suspeitas que alimenta com<br />
relação ao marido antes de ousar, de repente, a falar sobre os erros que<br />
comete em relação a ele.<br />
Nunca interrompa um paciente em meio às suas confissões, mesmo que<br />
pareçam inofensivas. São como a corrida que os atletas fazem para, no<br />
final, conseguirem dar um salto particularmente difícil. Você também não<br />
deve quebrar o pungente silêncio que pode, inesperadamente, favorecer à<br />
conversação. Neste momento uma grande luta está agitando a alma do<br />
paciente e você pode comprometer sua exteriorização ao dar uma<br />
oportunidade para a digressão. Algumas vezes tive que esperar por quase<br />
uma hora pelo resultado.<br />
Talvez você possa, às vezes, ajudar alguém a entrar em confissão ao<br />
estimulá-lo a confessar; mas este não é o meu jeito. Acho que nunca disse a<br />
alguém: “Confesse”. Se ouço tantas confissões, pode ser porque eu nem<br />
mesmo as espere, porque não suspeite de sua iminência, porque sempre me<br />
pegam de surpresa, por assim dizer, como se eu nunca tivesse escutado uma<br />
antes, como se não soubesse o quanto todos precisam de uma confissão.<br />
Muito frequentemente, após uma confissão, as pessoas me dizem que por<br />
meses ficaram abismadas de eu nunca tê-las convidado a fazerem uma<br />
confissão.<br />
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