Culpa e graça – Paul Tournier – Cap
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Mas, é comum, na igreja, que esta prodigiosa nova da salvação gratuita se<br />
torne obscura, devido aos esforços despendidos para exortar o homem a<br />
obedecer, a ser virtuoso e a praticar boas obras. De maneira que, pouco a<br />
pouco, estas parecem ser as condições para a salvação. Então, a ansiedade<br />
da condenação levanta-se novamente no horizonte.<br />
Entretanto, também de maneira periódica, a igreja é renovada por homens<br />
que redescobrem a dádiva gratuita de Deus e a proclamam. Assim foram<br />
Santo Agostinho, São Francisco de Assis e muitos outros.<br />
Assim era Lutero. Nada ilustra melhor esta oscilação periódica de pontos de<br />
vista do que a história do protestantismo. Lutero, um homem impetuoso,<br />
levado ao desespero pelo sentimento de culpa, após retirar-se, em vão, em<br />
penitências e mortificações, redescobriu que a salvação não é alcançada por<br />
merecimento, mas é uma dádiva de Deus, gratuita e oferecida por<br />
antecipação ao pecador e que é suficiente aceitá-la pela fé. Deste grito de<br />
alívio nasceu a Reforma, como uma explosão, em uma época em que a<br />
igreja insistia em obras, méritos e indulgências, todas elas depositando o<br />
preço da salvação na alma do próprio homem.<br />
Graças a Deus, apesar do cisma, a Reforma influenciou profundamente a<br />
própria igreja católica que foi, por sua vez, reformada neste aspecto. Mas, à<br />
medida que o tempo passou, o moralismo, a religião das boas obras,<br />
reentraram gradualmente no coração do protestantismo. Insinuaram-se e,<br />
por um longo período, não foram notadas. Agora, reinam na maioria das<br />
igrejas que se originaram da Reforma.<br />
É significativo o que um dos meus pacientes protestantes tenha dito: “O<br />
protestantismo me parece com um enorme esforço para se ganhar a <strong>graça</strong><br />
pela boa conduta, enquanto que o catolicismo distribui esta mesma <strong>graça</strong> a<br />
todo aquele que a procura com um padre”. O paciente não estava errado. O<br />
moralismo restabeleceu a ideia de mérito, de uma <strong>graça</strong> que é condicional.<br />
E, em certos círculos protestantes, estas condições se proliferaram tanto e<br />
ficaram tão rígidas que se tornaram opressivas. Conheço uma moça que foi<br />
repreendida pelas autoridades de sua igreja porque conversava com uma<br />
mulher trajando um conjunto esportivo vermelho; tal vestimenta foi<br />
considerada como um sinal de frivolidade e era censurável ter algo a ver<br />
com uma pessoa assim.<br />
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