Culpa e graça – Paul Tournier – Cap
Culpa e graça – Paul Tournier – Cap
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Considere a parábola do fariseu e do publicano no templo (Lc 18:9-14). O<br />
fariseu enumera todas as suas virtudes, mas não o faz com arrogância,<br />
como em geral se pensa; ele não fala de suas boas obras como se fosse<br />
mérito pessoal, mas sim como <strong>graça</strong>s recebidas de Deus. O publicano bate<br />
no peito, dizendo: “Ó, Deus, tem misericórdia de mim pecador”. Jesus<br />
conclui: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não<br />
aquele...” Estas palavras também podem ser entendidas no sentido que<br />
acabei de dar. “Digo-vos...” é o comentário de um observador que quer<br />
dizer: “eis como se passou”.<br />
O mesmo pode ser dito quanto ao perdão aos nossos semelhantes. Na<br />
oração do Pai Nosso Jesus nos convida a pedir o perdão de Deus, “assim<br />
como perdoamos aos nossos devedores” (Mateus 6:12). E Ele ainda<br />
continua: “Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, também<br />
vosso Pai celestial vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos<br />
homens as suas ofensas, também vosso Pai não vos perdoará as vossas<br />
ofensas” (Mateus 6:14-15). Estas palavras poderiam ser entendidas como<br />
uma condição, um direito ou a necessidade de merecimento através do<br />
perdão que nós mesmos damos aos outros.<br />
Que tragédia isso seria para nós! Que fardo pesaria sobre nós! Somente os<br />
psicólogos sabem como o perdão é raro e como a agressividade pode estar<br />
reprimida por trás do falso perdão. Aqui temos, novamente, todo o drama<br />
do moralismo. Pois, se o perdão aos outros é a condição para termos o amor<br />
de Deus, então precisamos aparentar perdoar, precisamos chegar a<br />
extremos para perdoar, precisamos camuflar ou reprimir nossa<br />
agressividade com palavras bondosas. A agressividade reprimida corrói o<br />
interior da alma, torna-se a fonte de falsas culpas e ansiedade mórbida;<br />
impede o caminho para a salvação.<br />
Este pensamento me faz arrepiar. Que drama este! Por que falso amor, por<br />
que falsos perdões entre os homens <strong>–</strong> particularmente nas igrejas e nas<br />
famílias religiosas <strong>–</strong> e por que ansiedades são responsáveis estas<br />
repressões! Ansiedades das quais somos testemunhas secretas! E tudo isto<br />
acontece porque aquele trecho do ensinamento de Cristo foi visto por um<br />
lado infantil. A Deus foi creditado um amor condicional que coloca de<br />
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