Culpa e graça – Paul Tournier – Cap

Em certos aspectos, o Antigo Testamento parece impregnado com um
nacionalismo judeu que monopoliza a salvação para um único povo
escolhido. E, não obstante, o Antigo Testamento mostra a natureza
universal da salvação. Antes do pacto especial que Deus concluiu com
Abrão e sua descendência, há um primeiro pacto proclamado por Deus para
todos os homens, após o dilúvio. Um pacto eterno, não apenas com todos os
homens “por todas as gerações futuras” mas, também, com “toda alma
vivente de toda carne” (Gen 9.8-17).
A partir daí, o pacto de Deus com Abrão a o povo escolhido é firmado
dentro de uma estrutura de um pacto universal. O segundo pacto não
contradiz a afirmação do primeiro pacto, não restringe a salvação, mas
focaliza-a e traça um caminho para sua completa execução em Jesus Cristo.
Então a graça de Deus, antes de ser encarnada em um povo em particular,
numa igreja, em formas e ritos específicos, é endereçada a todos os homens
tornando-se uma benção universal.
É esta também a mensagem impressionante de Melquisedeque, Rei de
Salém (Gênesis 14:18-20). Abrão já havia sido escolhido por Deus para a
realização do seu plano. Ele era o homem a quem Deus tinha falado
pessoalmente e chamado para deixar o paraíso da burocracia que era Ur dos
Caldeus e lançar-se na aventura sob orientação divina. Ele já era um crente,
o pai dos crentes, que obedeceu e deixou sua terra sem saber para onde
Deus o guiava.
No entanto, foi um estranho, Melquisedeque, que Deus enviou para
abençoá-lo. Melquisedeque levou pão e vinho, símbolos do pacto que Jesus
Cristo usou mais tarde para fundar sua igreja. E Abrão, após ter sido
abençoado, deu a décima parte de tudo que tinha ao “sacerdote do Deus
Altíssimo”. Melquisedeque surge, então, como símbolo do mensageiro da
salvação universal (nossos colegas junguianos o chamariam de “arquétipo”)
– salvador universal que excede Abrão no tempo e no espaço e excede
também o pacto específico que Deus selou em seguida com ele e seus
descendentes.
Deve ficar claro que esta sequência tem um significado: antes do pacto
específico de Deus com Abrão e seus descendentes, já havia uma afirmação
mais geral de sua benção, que foi conduzida por este estranho personagem,
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