Culpa e graça – Paul Tournier – Cap
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Sempre me lembro de uma paciente que, logo ao marcar a primeira<br />
consulta, disse que não estava interessada em assuntos religiosos e que<br />
esperava que isso não fosse obstáculo para um bom relacionamento entre<br />
nós, apesar de saber que eu era crente. Vocês podem imaginar como me<br />
ative cuidadosamente à minha função e cuidei para não falara ela sobre a<br />
minha fé.<br />
Ela sofria de inibição psicológica. Então, inesperadamente, um dia, ela me<br />
disse: “Eu fico pensando se não é a vaidade que me paralisa deste jeito”.<br />
“Todo mundo é vaidoso”, retruquei, “todos são igualmente vaidosos; sou<br />
tão vaidoso como você. Mas, há pessoas que são estimuladas pela vaidade e<br />
outras que são paralisadas, conforme seus complexos psicológicos”.<br />
Ela mostrou a mais viva surpresa: “Você não é vaidoso”, disse-me<br />
amavelmente. Eu tive que desiludi-la, pois, este é, sem dúvida, o pecado<br />
mais inarredável que tenho. “A prova”, disse-lhe, “é que faço um esforço<br />
enorme para te curar; a vaidade me impele. Vou ficar muito humilhado se<br />
falhar. Posso me empenhar o quanto quiser contra a vaidade, mas ela está<br />
sempre lá”.<br />
Houve uma pausa. Então, ela expressou seus pensamentos em voz alta: “O<br />
que você está querendo dizer é assustador! Se todos são vaidosos a despeito<br />
do que façam, então, não há solução”. “Sim, há uma solução. Uma única,<br />
mas não posso lhe dizer porque é uma solução religiosa e você me pediu<br />
para não falar sobre religião com você”. “Me diga qual é a solução, apesar<br />
disso”, replicou. “A solução é que eu sou um homem vaidoso que foi<br />
perdoado. Se somos todos vaidosos, somos também todos uns vaidosos que<br />
foram perdoados”.<br />
Veja que mudamos inesperadamente do assunto psicológico para o<br />
espiritual, apesar da reserva que havia. Isto porque a questão da culpa surge<br />
para todas as pessoas e precisa de uma resposta. A resposta é de natureza<br />
religiosa, mas pode ser dada de um modo muito geral que, de maneira<br />
nenhuma, compromete o encaminhamento religioso que irá dar esta<br />
resposta de uma maneira definida e explícita através dos dogmas da igreja.<br />
Este elemento básico, esta certeza do perdão de Deus e de sua benção, não<br />
seria o suficiente para edificar e nutrir uma vida religiosa, para nós ou para<br />
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