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MARCUS, o imortal<br />
tratados não apareceram? E coleções sobre esta arte sagrada: fabricação do ouro, da<br />
prata, das pedras preciosas... Tudo é motivo <strong>de</strong> luta e sangrentas contendas... Busca da<br />
riqueza... Para Festugière a alquimia torna-se um verda<strong>de</strong>iro mysterion, uma ascensão<br />
<strong>em</strong> que a alma sobe os <strong>de</strong>graus da escada mística, com batismo, morte e regeneração,<br />
queda e ressurreição do Primeiro Hom<strong>em</strong>, “spellum”, the spell, dos ingleses, o feitiço...<br />
espelho celeste <strong>em</strong> que a alma se vê na sua natureza.<br />
Contudo, eu divago e faço isso para evitar falar das mortes. Das passagens. Das<br />
travessias.<br />
A ciência aparece como a antítese da magia. Na verda<strong>de</strong> é uma substituta on<strong>de</strong><br />
até mesmo o incompetente po<strong>de</strong> se arrogar doutor. O combate contra a magia ou o<br />
pensamento mágico começa agora, e eu sei, atravessará séculos e abarcará campos tão<br />
diversos como a teologia, a filosofia, a medicina... Em 1267, Boaventura tomou a<br />
palavra na igreja franciscana <strong>de</strong> Paris, misturando o aristotelismo e um conjunto <strong>de</strong><br />
doutrinas, <strong>de</strong> superstições ou <strong>de</strong> práticas mágicas. Grosseteste coloca a astrologia na<br />
primeira fila das ciências e acredita na transmutação dos metais. Depois, Dante junta no<br />
mesmo céu do Paraíso Tomás <strong>de</strong> Aquino, Siger <strong>de</strong> Brabant e Alberto Magno. Não há<br />
incompatibilida<strong>de</strong> entre a Grécia e a Revelação, o averroísmo latino e o intelectualismo<br />
integral entram no mesmo convívio <strong>de</strong> transmutação das idéias. A ciência experimental,<br />
que teve <strong>em</strong> Roger Bacon um dos seus maiores, t<strong>em</strong> uma dívida para com as ciências a<br />
que chama ocultas. O t<strong>em</strong>po abre duas gran<strong>de</strong>s vias para pensar o projeto <strong>de</strong> uma união<br />
secreta do ser humano com a natureza, uma que passando pelo filtro <strong>de</strong> forças<br />
misteriosas, divinas ou d<strong>em</strong>oníacas e <strong>de</strong> procedimentos iniciáticos, abarca a alquimia, a<br />
necromancia e a magia; outra que passa pela <strong>de</strong>scrição rigorosa dos fenômenos, tendo<br />
<strong>em</strong> conta os progressos da técnica e que combate o recurso ao esoterismo.<br />
O corpo humano é um sist<strong>em</strong>a alquímico – idéia revolucionária – e<br />
imediatamente toco na ficha pétrea que Alberto me <strong>de</strong>ra <strong>de</strong> presente um dia e vejo que<br />
os fenômenos se multiplicam <strong>em</strong> mim, oitocentos anos após... Sumiram <strong>de</strong> mim as<br />
doenças, pois se chegou a bom termo a busca das múltiplas modalida<strong>de</strong>s do<br />
<strong>de</strong>sequilíbrio, aniquilando-o. Mas, até quando? Não são uma <strong>de</strong>sarmonia dos humores,<br />
mas dos po<strong>de</strong>res exteriores que agiram sobre mim: o ens astrale, o ens veneni, o ens<br />
naturale, o ens spirituale e o ens Dei. O caminho se abriu para que o olhar mu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mão – uma mão que a Razão dirige e que, via ciência e técnica, manipula, utiliza, domina<br />
a natureza.<br />
- Acredita que o cristianismo possa <strong>de</strong>ssacralizar o mundo? – l<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> uma noite <strong>em</strong><br />
que Pietro <strong>de</strong> Ferrara, arrumando o fogo para a lareira perguntou, assim, <strong>de</strong> socapa. E<br />
eu disse que não sabia e só podia tirar conjecturas.<br />
- Sei que <strong>de</strong>u-nos o meio <strong>de</strong> transformar <strong>em</strong> técnica a imitação criadora que o rito só<br />
po<strong>de</strong> produzir uma vez. No universo das elites o experimental aparece s<strong>em</strong>pre como<br />
impuro e popular. A alquimia, representa um esforço <strong>de</strong> sacralizar o mundo, sublimar a<br />
vida, talvez, buscar a transcendência, não <strong>de</strong> a reduzir a uma ficção.<br />
Todos eles hoje já <strong>de</strong>sapareceram. Viv<strong>em</strong> na minha m<strong>em</strong>ória, mas isso não é<br />
muito.<br />
Aquino, <strong>em</strong> 1267, tinha ido para Viterbo e trabalhava com o Papa Cl<strong>em</strong>ente IV,<br />
recusando o posto <strong>de</strong> arcebispo <strong>de</strong> Nápoles. Dois anos mais tar<strong>de</strong> retornou a Paris e<br />
aceitou o posto <strong>de</strong> catedrático <strong>de</strong> teologia nos Dominicanos. Sua indicação foi, naqule<br />
momento, muito útil porque ele se forçou a <strong>de</strong>votar toda a sua energia para <strong>de</strong>rrotar a<br />
oposição que havia <strong>em</strong>ergido na universida<strong>de</strong> da Ord<strong>em</strong> dos Mendicantes, <strong>em</strong> particular<br />
dos Dominicanos, com os ensinamentos <strong>de</strong> Aristóteles e a assegurar, com ímpeto e força,<br />
a con<strong>de</strong>nação das idéias controvertidas do teólogo Siger <strong>de</strong> Brabant, mesmo porque<br />
durante os <strong>de</strong>bates na estalag<strong>em</strong> b<strong>em</strong> se viu que Siger era hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a<br />
honestida<strong>de</strong>, mas muito versado nas coisa do mundo... um mundano... e ainda seguidor<br />
dos chamados Averroistas, que advogavam uma forma extr<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Aristotelismo, e com a<br />
qual Siger tinha ampla afeição, <strong>de</strong>fendo-os s<strong>em</strong>pre.<br />
Siger s<strong>em</strong>pre foi polêmico. E não foi por pouca coisa que o assassinaram.<br />
Retornando ao mestre <strong>de</strong> Aquino, renomado, o Papa or<strong>de</strong>nou a ele que<br />
organizasse uma escola <strong>em</strong> Nápoles. Ali <strong>de</strong>u sermões, pregou perante gran<strong>de</strong>s multidões<br />
e continuou o seu trabalho <strong>de</strong> pesquisa para terminar a Summa Theologiae. Muito<br />
doente e exausto do seus incessantes trabalhos, Tomás, assim mesmo, <strong>de</strong>pois, obe<strong>de</strong>ceu<br />
ao pedido do Papa Gregório X <strong>de</strong> participar no Concílio <strong>de</strong> Lyon. Na França, ele teve um<br />
Coelho De Moraes 103