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MARCUS, o imortal<br />
Po<strong>de</strong>-se estar numa cida<strong>de</strong> infernal ou num bosque aprazível. Em ambos os casos <strong>de</strong>vese<br />
experimentar b<strong>em</strong>-aventurança transcen<strong>de</strong>ntal no encontro <strong>de</strong> corpos e nos amores e<br />
isso é <strong>de</strong>finitivo. Portanto, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os apren<strong>de</strong>r com o vento a arte <strong>de</strong> andar pelo mundo<br />
material s<strong>em</strong> apego, mas curvando árvores, acen<strong>de</strong>ndo labaredas, <strong>em</strong>purrando seres<br />
frágeis, levantando folhas e poeira.<br />
L<strong>em</strong>bro que dormi. Dormimos. Uma ou duas horas e <strong>de</strong> repente ouvi gritos<br />
lancinantes. Eu ainda tonto pensei ver mulheres várias enquanto Urraca gania<br />
<strong>de</strong>sesperadamente. Fui puxado pelos braços, mas estava tonto, <strong>de</strong> sono e dos braços da<br />
mulher. Fui <strong>de</strong>positado numa cama <strong>de</strong> palhas e tive minhas roupas arrancadas. Uma<br />
fogueira enorme crepitava no meio da praça <strong>de</strong> árvores. Muitas mulheres nuas e s<strong>em</strong>inuas<br />
dançavam, mas eu não conseguia distinguir faces ou vozes. Elas cantavam<br />
ladainhas febris e tinham certo arroubo <strong>de</strong> enlouquecidas. Elas vinham para cima <strong>de</strong> mim<br />
com <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> cópula. O ruído era intenso e após duas vezes a copular eu cansei e<br />
percebi que elas forçavam a que eu bebesse alguma coisa. Um líquido viscoso que<br />
parecia sangue com outras substâncias <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> láctea. No começo da noite elas me<br />
tomaram várias vezes, mas eu caia <strong>de</strong> cansaço e após o t<strong>em</strong>po necessário elas me<br />
tomavam novamente.<br />
Seguiu assim a noite. Em todas as mulheres eu queria ver o rosto <strong>de</strong> Sonja, mas<br />
não a encontrava. Mera <strong>de</strong>sculpa.<br />
Por fim, acor<strong>de</strong>i e era manhã. Estava sozinho. N<strong>em</strong> Urraca n<strong>em</strong> mulheres,<br />
apenas uma fogueira, ou o que restava <strong>de</strong>la <strong>em</strong> palha e ma<strong>de</strong>ira molhadas, fumegando<br />
sob o orvalho e o frio da manhã.<br />
- Embora o vento po<strong>de</strong>roso sopre nuvens e t<strong>em</strong>pesta<strong>de</strong>s pelo céu – pensei - o céu<br />
jamais se compromete n<strong>em</strong> é afetado por essas ativida<strong>de</strong>s. Mas não é o meu caso.<br />
Tenho que me recompor para pensar e inventariar o que restou <strong>de</strong>ssa noite.<br />
OPUS 25<br />
Três dias <strong>de</strong>pois eu chegava à estalag<strong>em</strong> e a primeira pessoa que encontrei foi<br />
Siger, que ria, sentado <strong>em</strong> um tamborete, livro à mão, olhando para mim. Fez um<br />
cumprimento, lá do alto da sua janela, e entrou para o aposento.<br />
Os amigos estavam preocupados, mas não consegui diminuir-lhes a atenção <strong>em</strong><br />
função da perda <strong>de</strong> Urraca e das mulheres.<br />
Numa rara ocasião como aquela, arrisquei a adverti-los <strong>de</strong> que talvez Siger<br />
soubesse mais do que contou, mas Pietro <strong>de</strong> Ferrara disse que ele não tocara no<br />
assunto, pelo menos entre eles. Já com os amigos doutos, Pietro não saberia afirmar.<br />
LaCordaire explodiu:<br />
- B<strong>em</strong>, eu não quero alguém para me dizer o que é que se po<strong>de</strong> ou não se po<strong>de</strong> fazer,<br />
numa circunstância <strong>de</strong>ssas. Estamos numa encruzilhada <strong>de</strong> pensamento e vertentes...<br />
<strong>de</strong>ve ter um caminho.<br />
- Ninguém aqui é pago para dizer coisa alguma, LaCordaire. Mas, parece claro que<br />
estamos todos à mercê <strong>de</strong> experiências muito estranhas... mesmo para o nível <strong>de</strong> nosso<br />
conhecimento. E é claro, t<strong>em</strong> muita coisa escondida e secreta...<br />
- Isso é b<strong>em</strong> certo – LaCordaire concordou a contragosto.<br />
- Não é somente na negligência aos refinados processos da lei e dos arcanos que os<br />
estudiosos sobrepujaram os cont<strong>em</strong>porâneos da Europa – eu continuei e acabei por<br />
contar o que ocorreu na viag<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> escon<strong>de</strong>r o episódio com Urraca e as outras<br />
mulheres.<br />
- B<strong>em</strong> disseram que as mulheres chegaram muito diferentes <strong>em</strong> <strong>em</strong>oções e sentimentos,<br />
comparando como estavam quando daqui foram – falou Pietro.<br />
- E Siger t<strong>em</strong> algo a ver com isso. Ele ficou <strong>em</strong> conversação com os T<strong>em</strong>plários... pelo<br />
menos com aqueles representantes <strong>de</strong>scarnados. E eu fui tomado pela lascívia e pelo<br />
mistério das mulheres. Quando lutavam, ele substituía a espada com terríveis golpes <strong>de</strong><br />
machado b<strong>em</strong> assentados nos escudos dos inimigos... era um cavalheiro com punhos do<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>iro.<br />
- Há outro bom ex<strong>em</strong>plo – dizia LaCordaire, enquanto eu me sentava no catre - foi a<br />
briga pelo controle da estrada que atravessa a floresta que t<strong>em</strong>os aqui ao lado da colônia<br />
<strong>de</strong> ciganos. Vi tudo isso que você <strong>de</strong>screve, Marcus. O tal senhor <strong>de</strong> Brabant é muito<br />
po<strong>de</strong>roso com arcos e flechas, também. Parece que uma ligação vital entre estradas e<br />
rios... um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> transporte que foi disputado por monges e aristocratas da região,<br />
nesses últimos três dias. Um aristocrata inglês chamado Morgan. Morgan mantinha <strong>em</strong><br />
Coelho De Moraes 48