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MARCUS, o imortal<br />
Dobrei cuidadosamente os escritos, amarrei-os numa bolsa <strong>de</strong> couro e olhei a<br />
noite cair.<br />
OPUS 4<br />
A lua <strong>de</strong>sapareceu. Nada se via, n<strong>em</strong> nas cida<strong>de</strong>s e n<strong>em</strong> nas matas. Todos<br />
sabíamos que eram noites <strong>de</strong> Lilith atingindo seu máximo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>. Eu sabia que não<br />
veria Sonja durante a s<strong>em</strong>ana toda e, quando a visse novamente, ela estaria um tanto<br />
mudada, lev<strong>em</strong>ente mudada e cansada.<br />
O Sol e a Lua, o macho e a fêmea combat<strong>em</strong>. Um confronto <strong>de</strong> opostos on<strong>de</strong><br />
cada princípio oponente <strong>de</strong>tém o seu oposto.<br />
Há necessida<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> escudos.<br />
Durante noites e madrugadas as mulheres <strong>de</strong>batiam sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
instalar<strong>em</strong> um governo f<strong>em</strong>inino para o mundo. Elas mesmas diziam que o domínio do<br />
dia pertencia aos machos e o domínio da noite pertencia às fêmeas. Dois tipos <strong>de</strong> clareio:<br />
o <strong>de</strong> luz e o <strong>de</strong> fogo.<br />
Excelentes noites. E eram aquelas, antes do sumiço t<strong>em</strong>porário das mulheres,<br />
excelentes noites on<strong>de</strong> ainda tiv<strong>em</strong>os t<strong>em</strong>po para os <strong>de</strong>bates do Tratado da Comunhão.<br />
E isso trouxe o cisma.<br />
- Quanto àqueles que receb<strong>em</strong> a mulher na comunhão... – falava para a escola, como<br />
<strong>de</strong>batedora, Sonja, com sua voz contralto b<strong>em</strong> postada - ... serão os padres ou serão os<br />
que se acoitam com as mulheres?<br />
- Certamente o Tratado <strong>de</strong> Comunhão nos fala dos aspectos do sacramento – opinou o<br />
estudante Borgausen.<br />
- Nada disso – foi a vez <strong>de</strong> Tomasina – esse texto é profano e fala da sexualida<strong>de</strong>.<br />
Àquele que recebe <strong>em</strong> comunhão... não a comunhão com hóstias, a não ser que<br />
cham<strong>em</strong>os nosso aparelho genital <strong>de</strong> animalzinho a ser imolado ao senhor macho –<br />
todos riram. Tomasina s<strong>em</strong>pre teve bom humor. Borgausen fechou o s<strong>em</strong>blante. S<strong>em</strong>pre<br />
foi o mais intolerante.<br />
- Tomasina está certa. A escrita é cheia <strong>de</strong> símbolos e <strong>de</strong> maneira a contentar os<br />
religiosos. Protegendo-nos <strong>de</strong> alguns insanos. Escapando <strong>de</strong> uma interpretação que nos<br />
traga probl<strong>em</strong>as. Viram quando Montpellier concordou com Mestre Alberto? – falei.<br />
- E Mestre Alberto passava uma mensag<strong>em</strong> secreta.<br />
- Mas isso é um sacrilégio duplo. O assunto escrito e a maneira <strong>de</strong> fazê-los passar por um<br />
tipo <strong>de</strong> escrito da Igreja Católica – gritou Cantimpré, filho <strong>de</strong> fidalgos e her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong><br />
fortunas, quase se alterando.<br />
- O que o incomoda, Sr. <strong>de</strong> Cantimpré? – perguntei.<br />
- O fato <strong>de</strong> Mestre Alberto ir longe d<strong>em</strong>ais.<br />
- Até on<strong>de</strong> será esse longe d<strong>em</strong>ais? O senhor terá uma medida da distância?<br />
- Até on<strong>de</strong> é permitido ir? – perguntou Tomasina – A distância dos homens será igual à<br />
das mulheres?<br />
- Não vou questionar a doutrina Paulina – resmungou Cantimpré.<br />
- A doutrina Paulina nos manda obe<strong>de</strong>cer ao hom<strong>em</strong> da casa – foi a posição <strong>de</strong><br />
Tomasina, cobrindo-se com seu xale azul, que tinha <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> luas <strong>em</strong> suas várias<br />
formas e faces – Estamos propondo um governo <strong>de</strong> iguais. Excluindo o que chamamos o<br />
“hom<strong>em</strong> da casa”.<br />
- A distância do hom<strong>em</strong> o leva para fora. A distância da mulher a<strong>de</strong>ntra o corpo –<br />
replicou Sonja.<br />
- Amigos – falei – o texto é claro. Mestre Alberto não nega que o casal se ame. Ele<br />
apenas sugere que seja todos os dias para que não se perca o valor <strong>de</strong>ssa comunhão.<br />
- Mas ele não po<strong>de</strong> comparar Santa Eucaristia com sexo – gritou Thorndike.<br />
- É claro que po<strong>de</strong>. Ele t<strong>em</strong> todo o direito.<br />
- O sexo como Santa Eucaristia? – foi a vez <strong>de</strong> Borgausen.<br />
- Sangue, corpo e nossa alma, ou nossa ânima, <strong>em</strong> função do amor <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> e mulher?<br />
Valorizar esse amor?–questionou Sonja.<br />
- O que os preocupa é a mistura dos t<strong>em</strong>as ou o fato <strong>de</strong> usar palavras que normalmente<br />
usamos na Igreja para referendar outras idéias? Digo a vocês que as palavras não são<br />
proprieda<strong>de</strong>s da Igreja. S<strong>em</strong>pre usar<strong>em</strong>os quaisquer palavras para propagar ou explicar<br />
nossas idéias – expliquei.<br />
- E o <strong>de</strong>sejo que as mulheres têm da comunhão é mais resultado <strong>de</strong> sua superficialida<strong>de</strong><br />
do que <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>voção... – Sonja fez uma pausa na sua leitura - ... os<br />
Coelho De Moraes 7