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MARCUS, o imortal<br />
- Qu<strong>em</strong> analisa as provas da existência <strong>de</strong> Deus elaboradas por Tomás <strong>de</strong> Aquino –<br />
Mestre Alberto continuou, explorando o ambiente e as mentes. Enquanto fala não<br />
permanece no mesmo lugar. Perambula pela sala estalando o soalho com passadas<br />
largas e <strong>de</strong>cididas – qu<strong>em</strong> analisa essas obras t<strong>em</strong> a impressão <strong>de</strong> estar diante <strong>de</strong> um<br />
pensador extr<strong>em</strong>amente racionalista. Mas, acredit<strong>em</strong>, é um engano... um engano.<br />
Tomás é, acima <strong>de</strong> tudo, teólogo e religioso, para qu<strong>em</strong> a filosofia <strong>de</strong>ve servir à fé. Não<br />
no sentido <strong>de</strong> auxiliá-la, mas <strong>de</strong> submeter-se a ela. Para Tomás, quando a fé e a razão<br />
entram <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo, é s<strong>em</strong>pre esta que se equivoca.<br />
- A Igreja precisa <strong>de</strong> conselheiros, auxiliares, professores e estudiosos... nós enfim... que<br />
a façamos compreen<strong>de</strong>r essa <strong>de</strong>fesa.<br />
- Mas o próprio Tomás <strong>de</strong>ve esclarecer seus pontos – pediu Alberto, dando-lhe a palavra.<br />
Tomás levantou-se e segurou as mãos <strong>em</strong> seu movimento carcterístico. O perfil<br />
recortou-se contra a janela: - Para mim não há conflito entre fé e razão, a tal ponto que<br />
é possível d<strong>em</strong>onstrar a existência <strong>de</strong> Deus.<br />
O grupo relutante se moveu nas ca<strong>de</strong>iras, como se elas estivess<strong>em</strong> a queimar.<br />
- Recuso – ele continuava, - a solução apressada <strong>de</strong> Anselmo, para qu<strong>em</strong> Deus, sendo<br />
perfeito, <strong>de</strong>veria ter como um <strong>de</strong> seus atributos perfeitos o da existência. Eu acredito e<br />
<strong>de</strong>fendo a idéia <strong>de</strong> que <strong>de</strong>finir Deus como ser perfeito ainda não implica sua existência. A<br />
<strong>de</strong>finição é uma idéia, e nada garante que uma idéia possa existir na realida<strong>de</strong>.<br />
- O senhor está blasf<strong>em</strong>ando também – disse <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso, Nervill. A impressão que nos<br />
dava Nervill era a <strong>de</strong> que se preparava para partir. Como se se levantasse e arrumasse<br />
suas coisas, livros, réguas e objetos <strong>de</strong> anotações, essa impresão foi confirmada. Então,<br />
com a mão espalmada, Siger <strong>de</strong> Brabant, eclodiu sobre a mesa e um silêncio se fez,<br />
vagabundo.<br />
- Senhor <strong>de</strong> Nervill... ouçamos o que o senhor <strong>de</strong> Aquino t<strong>em</strong> a dizer, - disse Siger com<br />
lentidão e calma.<br />
Tomás <strong>de</strong>u continuida<strong>de</strong> ao ver que Nervill, baixando a cabeça, sentava-se<br />
pesadamente, com vermelhidão estampada no rosto. Cruzava os braços e olhava para o<br />
lado.<br />
- Não, não estou blasf<strong>em</strong>ando, senhor...<br />
- Sim, está sim... <strong>em</strong> momento algum se po<strong>de</strong> pensar na não existência <strong>de</strong> Deus... <strong>em</strong><br />
momento algum. – Nervill estava nervoso, irritado.<br />
- Homens livres pensam o que quiser<strong>em</strong> e se for<strong>em</strong> procurar algo, mais livres serão... a<br />
inteligência manda que busqu<strong>em</strong>os no Universo as respostas e eu acredito que Deus ali<br />
colocou as perguntas e as respostas. A sua conduta, senhor <strong>de</strong> Nervill, serve apenas para<br />
explorar a carência do analfabeto que vai acreditar <strong>em</strong> tudo que disser<strong>em</strong> para ele. O<br />
meu ponto <strong>de</strong> partida, então, é o mundo sensível. Quero o mundo sensível, não como<br />
Platão. Quero partir daí, pois o vulgo, as pessoas comuns começarão a pensar naquilo<br />
que é fácil <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r... o sensual... o sensível... aquilo <strong>em</strong> que se po<strong>de</strong> tocar... o<br />
mundo percebido pelos sentidos. Todos esses sinais indicam que o mundo é dotado <strong>de</strong><br />
movimento. Mas, segundo Aristóteles, nada se move por si... nada se move sozinho... A<br />
causa do movimento <strong>de</strong>ve ser... causada, posso assim dizer e, se não se quiser esten<strong>de</strong>r<br />
a série das causas ao infinito, o que não explicaria o movimento presente, é preciso<br />
admitir uma causa absolutamente imóvel e primeira:<br />
- ...Deus! – foi a fala espontânea <strong>de</strong> Pietro que se <strong>de</strong>sculpou imediatamente pela<br />
exaltada intromissão.<br />
- Isso mesmo caro Pietro. O mesmo raciocínio vale para a causa <strong>em</strong> geral. As coisas são<br />
ou causa ou efeito <strong>de</strong> outras. Não sendo possível ser causa e efeito ao mesmo t<strong>em</strong>po.<br />
Deve haver, então, ou uma sucessão infinita <strong>de</strong> causas, o que po<strong>de</strong> parecer absurdo, ou,<br />
enfim, uma causa absolutamente primeira e não causada.<br />
- Deus! – diss<strong>em</strong>os eu, Pietro e LaCordaire. Sorrimos um para o outro.<br />
- Os dados dos sentidos – Alberto tomou da palavra - também mostram que as coisas<br />
exist<strong>em</strong> e perec<strong>em</strong>. Isso significa que a existência não lhes é necessária, ou essencial,<br />
mas apenas resta como uma possibilida<strong>de</strong>. Por isso, a existência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma causa,<br />
exatamente aquela que tenha a existência como essência, uma existência necessária.<br />
- Além disso, o mundo apresenta uma série <strong>de</strong> seres menos ou mais perfeitos, – falou<br />
Tomás <strong>de</strong> Aquino. - Mas como saber o que é mais perfeito do que outro se não houver<br />
um padrão a partir do qual se possam medir os graus <strong>de</strong> perfeição? A hierarquia das<br />
coisas relativas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> então <strong>de</strong> um ser que seja a medida absoluta e eterna da<br />
perfeição. Por fim, essa hierarquia apresenta-se como uma ord<strong>em</strong>, <strong>em</strong> que cada ser<br />
Coelho De Moraes 75