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MARCUS, o imortal<br />
conta dos velhos castelos ingleses diz<strong>em</strong> que os fantasmas são s<strong>em</strong>pre almas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>funtos que <strong>em</strong> vida odiaram e foram odiados. Talvez essa regra não seja diferente<br />
para aqueles... upires, como disse o velho Julius.<br />
- Ouvi histórias turcas, on<strong>de</strong> muitos casos <strong>de</strong> pessoas particularmente más<br />
reapareceram <strong>de</strong>pois da morte para atormentar os vivos – disse Pietro <strong>de</strong> Ferrara,<br />
colocando <strong>de</strong> volta um vaso que estava no chão.<br />
- Fal<strong>em</strong>os do ódio, fal<strong>em</strong>os <strong>de</strong> amor – disse LaCordaire – l<strong>em</strong>brei <strong>de</strong> uma fábula<br />
britânica <strong>em</strong> que um cocheiro <strong>de</strong> nome Mattews se mata <strong>de</strong>baixo das rodas <strong>de</strong> um coche<br />
que ia para Londres. A investigação concluiu que o hom<strong>em</strong> era atormentado por<br />
alucinações. Ele costumava afirmar que a noiva, morta <strong>em</strong> razão da an<strong>em</strong>ia, vinha visitálo<br />
todas as noites, reclamando o sangue necessário "para voltar".<br />
Invadimos cômodos. Visitei o quarto <strong>em</strong> que fiquei com Virgínia. Os lençóis<br />
permaneciam no chão. Desc<strong>em</strong>os escadas para porões e subimos para salões superiores<br />
tentando encontrar chaves que <strong>de</strong>cifrariam os mistérios daquele dia. Pela janela observei<br />
que o velho Julius, alheio a todos, cavava. Tentamos uma apressada classificação mas<br />
na rápida procura não pud<strong>em</strong>os evitar o encontro com uma lápi<strong>de</strong> no meio <strong>de</strong> uma<br />
quarto <strong>de</strong> pedra... Nela estava escrito Lesahor.<br />
- Lesahor sou eu – alguém disse da porta. Isso me fez gelar rapidamente. Depois <strong>de</strong> um<br />
longo e infrutífero silêncio eu me virei e olhei para Lesahor.<br />
- Mas não estou vivo... – levantou a mão como que me pedindo para me manter calmo. -<br />
... não da forma como vocês viv<strong>em</strong>. Há muitas maneiras <strong>de</strong> se estar vivo. Continuo a<br />
fazer as visitas a essas câmaras, apesar do peso da minha lápi<strong>de</strong>. Todas as noites... ando<br />
por aqui para encontrar Virgínia..., e cumprimentá-la.<br />
- O que você fazia? Ou faz! – quis saber Pietro.<br />
- Naquela noite eu vi que você – e apontou para mim – você se <strong>de</strong>itava com Virgínia,<br />
apesar da ausência <strong>de</strong> Julius. Eu o vi, no quarto <strong>de</strong>la... no quarto da senhora, na hora<br />
da minha visita, e tive o prazer... e ao mesmo t<strong>em</strong>po a angústia <strong>de</strong> ver que ela se dava<br />
para outros.<br />
Notei que Lesahor se movia s<strong>em</strong> dificulda<strong>de</strong>, conversando conosco. Parecia fluir.<br />
Quis dirigir-lhe a palavra, mas o hom<strong>em</strong> se <strong>de</strong>spediu, dizendo que tinha muita pressa.<br />
Descobrimos imediatamente a razão da pressa ao levantarmos a lápi<strong>de</strong> e darmos uma<br />
olhada na sepultura <strong>de</strong> Lesahor. O morto estava <strong>em</strong> seu lugar e tinha um aspecto<br />
excepcionalmente b<strong>em</strong> conservado.<br />
- A tar<strong>de</strong> avança, Marcus. Não encontrar<strong>em</strong>os nada por aqui a não ser esses mortos<br />
estranhos e nenhuma pista <strong>de</strong> Alexandrino. A intuição foi mal interpretada – disse<br />
LaCordaire.<br />
- Você t<strong>em</strong> razão.<br />
- E essas aparições, além <strong>de</strong> inúteis para nós, só nos traz<strong>em</strong> cansaço e dissabores.<br />
Descendo as escadas da casa <strong>de</strong> Virgínia encontramos o velho Julius que nos<br />
chamava, acenando lev<strong>em</strong>ente. Levou-nos a uma das sepulturas e fez sinal para que<br />
olháss<strong>em</strong>os. Era Constância. Da mesma forma que Lesahor, tinha o cadáver claro e<br />
límpido, como se tivesse baixado à tumba naquele momento.<br />
- Em 1203, ela foi trazida para cá – ele começou a falar, fazendo menção <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o<br />
olhar opaco nos céus – O magistrado, <strong>de</strong> toga e capelo, foi até o lugar do <strong>de</strong>lito... ou<br />
qualquer lugar. Lá, dirigiu-se à morta, perguntando-lhe três vezes: "Mulher, qu<strong>em</strong> a<br />
matou? A Justiça exige". Depois o magistrado, balançando um sino, disse: "A morta não<br />
respon<strong>de</strong>u". – nisso, Julius, começou a gritar e brandir o cajado por todos os lados como<br />
se domasse ventos - Os juizes <strong>de</strong> Andorra esperam que pelo menos uma vez a morta<br />
responda à pergunta. Os corpos dos não-mortos não respeitam as leis do t<strong>em</strong>po e do<br />
espaço.<br />
Apausa que se fez <strong>de</strong>terminou que partíss<strong>em</strong>os.<br />
- Julius. Nós vamos partir.<br />
- Acredito que interromp<strong>em</strong>os o seu sossego com nossa intromissão <strong>em</strong> suas terras, <strong>em</strong><br />
sua ilha... – disse Pietro.<br />
- Cuidado com a estirpe <strong>de</strong> upires... Cuidado... Muito cuidado... eles se aliam às vorazes<br />
vozes do oculto – o velho disse - Eles formam uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ressurreição. Eles viv<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />
todos os t<strong>em</strong>pos e se confund<strong>em</strong> com as pessoas normais.<br />
- Quer vir conosco? – perguntei.<br />
- Não!... eu quero... mas não posso... a minha vida é manter a sentinela sobre esses<br />
corpos... e periodicamente verificar se as lanças continuam enfiadas <strong>em</strong> meio aos ossos.<br />
Coelho De Moraes 69