You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
MARCUS, o imortal<br />
eu fosse contra os averroístas, como realmente sou... Ou, melhor, tenho uma outra<br />
visão sobre os assuntos. Por isso estou aqui, <strong>em</strong> retiro na casa paterna.<br />
- E os Dominicanos?<br />
- Eles não sab<strong>em</strong> <strong>de</strong> nada e nada opinam. É raro ver um dominicano com um livro nas<br />
mãos. E minha idéia é me <strong>de</strong>dicar ao ensino. Aqui <strong>em</strong> Roccasecca eu posso ficar<br />
tranqüilo e estudar mais. Alberto me <strong>de</strong>u graves incumbências e uma <strong>de</strong>las é <strong>de</strong>strinchar<br />
as idéias sobre a existência e a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. A antiga contenda entre Fé e Razão.<br />
Estou dando do meu melhor sobre o assunto.<br />
- E você t<strong>em</strong> pon<strong>de</strong>rado que...<br />
- Que não po<strong>de</strong> haver conflito algum entre Fé e Razão. – Tomás cortou a fala <strong>de</strong><br />
Alexandrino – para Santo Anselmo... – e Tomás tomou fôlego levando o olhar para o céu<br />
que via através da janela imensa – ... para Santo Anselmo, Deus é perfeito e <strong>de</strong>veria ter<br />
como um <strong>de</strong> seus perfeitos atributos o da existência. Mas eu discordo. Pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>finir<br />
Deus como ser perfeito, mas isso não implica sua existência.<br />
- Mas é uma <strong>de</strong>finição... – disse Alexandrino.<br />
- Sim... mas uma <strong>de</strong>finição é apenas uma idéia. E nada garante que uma idéia possa<br />
existir na realida<strong>de</strong>.<br />
- Mas Aristóteles indica dizer que nada se move por si. E o mundo é dotado <strong>de</strong><br />
movimento – afirmei.<br />
- Exato caro Marcus, por isso eu afirmo que a causa primeira é Deus. O mesmo raciocínio<br />
vale para a causa <strong>em</strong> geral, não acham? – respirando profundamente – no entanto eu<br />
ainda estou pensando sobre isso e... também sei que a via <strong>de</strong> pensamento <strong>de</strong> vocês é a<br />
linha velada que tanto interessava a mestre Alberto, não é mesmo? E...<br />
- ... você, como Dominicano, aceita isso s<strong>em</strong> questionar? – foi a impetuosa pergunta <strong>de</strong><br />
LaCordaire.<br />
- Eu prefiro me calar. Os dominicanos são os que preservam os cânones e sa<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />
busca <strong>de</strong> hereges. Eu não aceito isso. Há interesse <strong>de</strong> que essas or<strong>de</strong>ns se enfronh<strong>em</strong><br />
nas Universida<strong>de</strong>s para que o papado tenha total controle das idéias...<br />
- No entanto nada disso adiantou. Pelo menos por ora... é só ver o próprio Tomás e ver<br />
mestre Alberto Magno... – falei.<br />
- Mais ele… do que eu... com maiores probl<strong>em</strong>as... e s<strong>em</strong>pre perseguido... se mestre<br />
Alberto não fosse dominicano já estaria preso, essa é que é a verda<strong>de</strong>, caros amigos –<br />
disse Tomás – eu mesmo fui acusado por Boaventura <strong>de</strong> dialético. Ele dizia que eu e<br />
Alberto e outros prelados éramos do grupo dos dialéticos: “Especular primeiro, <strong>de</strong>voção<br />
<strong>de</strong>pois” – todos rimos – e tudo por culpa do aristotelismo.<br />
- De acordo com o Boaventura – eu disse – filosofia e razão só se justificam como<br />
itinerário da alma até Deus. À razão compete achar no mundo sensível os vestígios das<br />
idéias perfeitas.<br />
- Qu<strong>em</strong> sabe? Po<strong>de</strong> ser que esteja certo. Qu<strong>em</strong> sabe?<br />
- Tomás – mu<strong>de</strong>i o curso da conversa – por que os Dominicanos? Por que a vida<br />
religiosa?<br />
- B<strong>em</strong>, amigos – e ele nos fez sinal para nos sentarmos nas poltronas <strong>de</strong> couro – quando<br />
eu tinha cinco anos meus pais me localizaram no Monastério beneditino <strong>em</strong> Monte<br />
Cassino. Deixei esse Castelo <strong>de</strong> Roccasecca direto para os braços do meu tio, que era<br />
aba<strong>de</strong>, então.<br />
- Aí veio a guerra...<br />
- Sim... Monte Cassino se tornou palco <strong>de</strong> batalha entre as tropas imperiais e o exército<br />
papal. Minha família me fez chegar a Nápoles. Lá conheci os dominicanos. Houve um<br />
rompimento com minha família para me tornar frei. Depois disso, Paris.<br />
- E o encontro com Alberto.<br />
- Exato.<br />
OPUS 13<br />
Passamos muito t<strong>em</strong>po no castelo <strong>de</strong> Roccasecca. Estudamos com Tomás e<br />
visitamos os estábulos da região. Tiv<strong>em</strong>os acesso a livros importantes e a toda obra <strong>de</strong><br />
Aristóteles, inclusive aos livros proibidos pela Igreja, algumas obras salvas do incêndio<br />
por Guilherme <strong>de</strong> Baskerville, e <strong>de</strong>scansávamos das li<strong>de</strong>s intelectuais colhendo frutos nos<br />
pomares al<strong>de</strong>ãos. O período <strong>de</strong> meditação e confinamento a que nos restamos foi, <strong>em</strong><br />
primeiro lugar, <strong>em</strong> respeito à hospitalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tomás e, <strong>em</strong> segundo momento, por<br />
opção para que nossas cabeças pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> repassar os acontecimentos insólitos até<br />
Coelho De Moraes 23