15.04.2013 Views

Baixe em PDF - Página de Ideias

Baixe em PDF - Página de Ideias

Baixe em PDF - Página de Ideias

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

MARCUS, o imortal<br />

- Que mordidas?<br />

- Eram os sinais das mordidas que apareciam, realmente. Nos seios das mulheres, nas<br />

costas e ombros das crianças,... as crianças sumiam e <strong>de</strong>pois eram encontradas s<strong>em</strong><br />

gota <strong>de</strong> sangue <strong>em</strong> seus corpos... E todos os que sobreviviam experimentavam uma<br />

terrível exaustão. Muitos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum t<strong>em</strong>po – tidos como fortes e robustos –,<br />

morriam.<br />

- Tudo isso durante três anos? – perguntei.<br />

- Sim, <strong>em</strong> três anos houve centenas <strong>de</strong> mortos na ilha, se b<strong>em</strong> que combat<strong>em</strong>os a<br />

epid<strong>em</strong>ia com todos os meios úteis. Pensávamos assim.<br />

- E o que eram tais "meios úteis"? – perguntou Pietro.<br />

- Úteis, mas inoperantes. A lança <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pontiaguda, fogo <strong>em</strong> tochas... A luz do sol<br />

<strong>de</strong>struía o seu simulacro humano, restituindo-os à poeira do t<strong>em</strong>po. Mas não existiam<br />

freixos na ilha e era necessário mandar os pescadores até as ilhas maiores... eu era um<br />

<strong>de</strong>sses pescadores... dono <strong>de</strong> muitos barcos... saí <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> freixos... para arranjar a<br />

ma<strong>de</strong>ira necessária a fabricação das lanças. Durante o dia, nas casas miseráveis,<br />

homens e mulheres preparavam as armas. Depois, quase no crepúsculo, antes que eles<br />

ressurgiss<strong>em</strong>, os mais corajosos chegavam ao c<strong>em</strong>itério e escavavam sepulturas.<br />

Mais pausas. Significativas pausas.<br />

- Era fácil i<strong>de</strong>ntificá-los... os seus lábios ainda úmidos <strong>de</strong> sangue. Então as lanças os<br />

traspassavam, aniquilando-os... era assim que se tratava para impedir que ressurgiss<strong>em</strong><br />

da tumba e viess<strong>em</strong> atormentar os vivos, exigindo o sangue que haviam perdido, ao<br />

chegar... sabe-se lá <strong>de</strong> on<strong>de</strong>!<br />

O hom<strong>em</strong> parecia cansado, agora.<br />

- Nunca <strong>de</strong>scobriram qu<strong>em</strong> eram? – perguntei – Tinham <strong>de</strong>sejo próprio? Estavam sob<br />

algum comando? Por que essa coisa <strong>de</strong> dormir <strong>em</strong> c<strong>em</strong>itérios?<br />

- Não sei – disse ele rispidamente – não sei! Collin <strong>de</strong> Planalt, um monge estudioso, veio<br />

aqui, <strong>de</strong>pois e disse tratar-se <strong>de</strong> upires, também chamados brucolakhi ou katakhanes...<br />

pessoas mortas s<strong>em</strong> sepultura ... mas, eu não acredito nisso.<br />

- Acredita <strong>em</strong> quê, então? – falou LaCordaires – Viu tanta coisa e não acredita <strong>em</strong> nada, -<br />

já irritado com os modos bruiscos do velho que se chamava Julius.<br />

- Seres reerguidos da morte, goléns, escravos s<strong>em</strong> noção <strong>de</strong> coisas e falando,<br />

caminhando, amedrontando as vilas, tornando a todos fracos, bebendo o sangue <strong>de</strong> cada<br />

um... upires!<br />

- A morte, nesse caso, seria um prêmio ou um castigo? – perguntei.<br />

- Também não sei – e ele se apoiou <strong>em</strong> seu cajado, segurando-o com firmeza inaudita -<br />

A idéia da aniquilação total é pavorosa, assustadora. No caso dos upires tornou-se algo<br />

<strong>de</strong> feliz e tranqüilizador... Por que o <strong>de</strong>sejo da imortalida<strong>de</strong>?<br />

- Essa tendência – falei – po<strong>de</strong> ser a chave do fenômeno <strong>de</strong>sses upires...<br />

- Angústia <strong>de</strong> morrer e fascinação da morte... po<strong>de</strong> ser...; esperança <strong>de</strong> sobreviver e<br />

medo <strong>de</strong> que uma vida corpórea <strong>de</strong>pois da morte signifique danação... po<strong>de</strong> ser...<br />

- Ajunte-se a isso – explicou LaCordaire - o instinto el<strong>em</strong>entar da sobrevivência, com a<br />

sua agressivida<strong>de</strong> e avi<strong>de</strong>z cruéis.<br />

Deixamos o velho Julius a sós e passamos a abrir as sepulturas. Em toda parte<br />

eram <strong>de</strong>scobertos corpos traspassados, s<strong>em</strong>iqueimados, alguns...<br />

- Houve um – o velho disse – que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> morto, reapareceu e mor<strong>de</strong>u oito pessoas,<br />

que morreram <strong>em</strong> seguida. Os habitantes da ilha o <strong>de</strong>senterraram e o atravessaram com<br />

uma lança, mas ele ria e escarnecia dos cidadãos. Mesmo morto. Como é que vou<br />

acreditar numa coisa <strong>de</strong>ssas? Resolveram queimá-lo, e levaram-no até o local numa<br />

carreta. Durante o percurso, o cadáver urrou e se <strong>de</strong>bateu. Novamente traspassado,<br />

esvaiu- se numa poça <strong>de</strong> sangue, antes que o fogo o queimasse totalmente.<br />

Olhamo-nos.<br />

E as mulheres? E Virgínia?<br />

Em uma das tumbas encontrei textos rasgados <strong>de</strong> um manuscrito, Saphos<br />

Galante, <strong>de</strong> Paris, e um resto <strong>de</strong> livro <strong>de</strong> autor al<strong>em</strong>ão intitulado De Masticatione et<br />

Sanguine Mortuorum in Tumtllis. Depositei <strong>de</strong> volta. Deixamos o velho com seus<br />

davaneios e fomos para a residência <strong>de</strong> Virgínia. A casa estava limpa e asseada como se<br />

todos tivess<strong>em</strong> partido, <strong>de</strong> imediato, após eu e LaCordaire <strong>de</strong>ixarmos o local na noite<br />

passada. Uma espécie <strong>de</strong> fuga orquestrada.<br />

- O que acha disso, LaCordaire?<br />

Coelho De Moraes 67

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!