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MARCUS, o imortal<br />
por atenções minuciosas. Virgínia ostentava nomes sobre-humanos transmutando-se <strong>em</strong><br />
fada, sibila, feiticeira e, através <strong>de</strong>la, eu comecei a atingir as gran<strong>de</strong>s fases da<br />
cont<strong>em</strong>plação. O calor <strong>de</strong> sua pele excedia o que se podia agüentar... ela era religião...<br />
iniciação a ritos sagrados e últimos. Fui obrigado a me safar daquele abraço e daquela<br />
boca, correndo novamente para a imensa janela <strong>de</strong> vitrais.<br />
Lá <strong>em</strong>baixo, a menina Constância tinha um <strong>de</strong>sejo inenarrável <strong>de</strong> molhar seus<br />
pés no pequeno lago. LaCordaire mantinha-se <strong>em</strong> pé. Constância olhou para o alto e<br />
abanou a mão. LaCordaire fez o mesmo.<br />
- Agora ela está atacando o seu amigo.<br />
- E você está me atacando – só pu<strong>de</strong> ouvir, atrás <strong>de</strong> mim, um riso forçado.<br />
O fato é que Virgínia tinha razão, quanto às atenções <strong>de</strong> LaCordaire por<br />
Constância e vice-versa, mas não conseguia prova consistente alguma. Da mesma forma<br />
que as relações <strong>de</strong> Constância com Julius.<br />
- Somente os mais velhos e maduros têm acesso à mulher e a mulher t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser jov<strong>em</strong>,<br />
obrigatoriamente – ela disse, como qu<strong>em</strong> toma ciência <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> uma coisa - Se não<br />
for jov<strong>em</strong>, t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser mulher, na acepção da liberda<strong>de</strong>.<br />
- On<strong>de</strong> está esse Julius, afinal?– perguntei <strong>em</strong> meio a certo t<strong>em</strong>or e curiosida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong><br />
tirar os olhos da janela. Eu po<strong>de</strong>ria fugir por ali.<br />
- Dorme. O marido dorme. Às vezes sorri enquanto dorme. E eu me solidarizo com<br />
outras mulheres humilhadas e me transformo <strong>em</strong> diva como Joana do Arco, ou como as<br />
mulheres do Banho. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> morrer me dá uma fome animal <strong>de</strong> provar que a vida<br />
está <strong>em</strong> mim... n<strong>em</strong> quero esse certo ar intelectual e por pouco não me <strong>de</strong>cido <strong>em</strong><br />
substituir a mater dolorosa da Igreja mais próxima.<br />
Ela não para <strong>de</strong> falar. Ligava um assunto ao outro e eu me perdia nos nexos. O<br />
leve ar suicida lhe dava um espasmo rápido entre os olhos.<br />
- As minhas carícias serão todas suas – ela falou. Estaria eu vagueando pelo espaço <strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>vaneio? Esses milhares <strong>de</strong> incensos espalhado pala sala me entorpeciam a cabeça, era<br />
verda<strong>de</strong>. Virgínia se aproximou, pálida e suando como s<strong>em</strong>pre. Das mãos pingavam<br />
gotas quase febris. Ela <strong>de</strong>itou sua mão na minha barriga e, acredito, pensou <strong>em</strong> beijar<br />
minha face mas, s<strong>em</strong> intenção pr<strong>em</strong>editada, virei para outro lado.<br />
- Você é uma chave que se manifesta inconclusa - eu disse. Mas aquela noite não<br />
parecia um momento certo n<strong>em</strong> completo para amar a mulher Virgínia. Eu a <strong>de</strong>sejava,<br />
mas a raiva que se estampava <strong>em</strong> seu rosto era d<strong>em</strong>ais.<br />
- Não antes <strong>de</strong> saber a verda<strong>de</strong> – ela disse, enquanto <strong>de</strong>slizava as mãos para baixo do<br />
meu corpo. Arfei. Desejo, o cansaço do dia e da noite <strong>de</strong> estudos, a preocupação com<br />
Alexandrino, e eu parecia vaguear pela cida<strong>de</strong> dos homens, a cida<strong>de</strong> diabólica como se<br />
fosse um dos t<strong>em</strong>plários, na mão da profetisa.<br />
- Eu me sinto agora como uma vespa, uma formiga, uma abelha rainha, investindo na<br />
minha monarquia particular, formando a mais indiscutível das aristocracias, extirpando a<br />
cabeça do rei e mastigando cuidadosamente sua s<strong>em</strong>ente – e Virgìnia tomou do meu<br />
sexo.<br />
- O que é isso? – gritei, notando que Virgínia me apertava.<br />
- Quero você. Quero agora!<br />
- Claro. Mas precisa me machucar assim?<br />
- Quero mostrar o po<strong>de</strong>r mátrio. Quero <strong>de</strong>terminar o po<strong>de</strong>r fecundante.<br />
- Espera!<br />
- Cale-se! Eu sei que você ocupa vários espaços ao mesmo t<strong>em</strong>po. Igual a Julius. São da<br />
mesma estirpe?<br />
- Eu n<strong>em</strong> sei qu<strong>em</strong> é esse Julius.<br />
- Não levante a sobrancelha assim para mim, já disse! O fato <strong>de</strong> ser fecundável não me<br />
dá virtu<strong>de</strong>s. Não quero ser virtuosa. Eu quero que você me torne a sacerdotisa <strong>de</strong>ssa<br />
cama – Virgínia massageou-me com mais vigor.<br />
- T<strong>em</strong> coisas que não sei se você po<strong>de</strong> ou evita fazer e...<br />
- Não importa mais... você abusará <strong>de</strong> mim... fará tudo o que <strong>de</strong>ve para transformar a<br />
mulher <strong>em</strong> puta... é difícil? – ela perguntou, ácida.<br />
- Não... basta existir um útero e a loucura aparecerá... – falei, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que<br />
<strong>de</strong>rramei s<strong>em</strong>ente sobre a mão da mulher. Ela olhou e disse:<br />
- Quero mais... ou você não sairá vivo <strong>de</strong>sse t<strong>em</strong>plo...<br />
- Ah! Que será <strong>de</strong> mim, estando a tal ponto <strong>em</strong> suas mãos?<br />
Coelho De Moraes 63