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MARCUS, o imortal<br />
Vi que meus esforços seriam vãos. O badalo novamente tocou e a última imag<strong>em</strong><br />
que vi foi Virgínia se afastando, <strong>de</strong>ixando resvalar para o chão a túnica <strong>de</strong> seda... suas<br />
ancas on<strong>de</strong>avam... ela transpirava...<br />
Inexplicavelmente eu me encontrei <strong>em</strong> meio a uma luta aguerrida. Estava no<br />
centro da nave, os sacerdotes e sacerdotisas copulavam, mas uma batalha se<br />
<strong>de</strong>senrolava nas arquibancadas. Um grupo armado havia penetrado no t<strong>em</strong>plo. Era o<br />
exército <strong>de</strong> Bernard <strong>de</strong> Clairvaux e o podre <strong>de</strong> suas entranhas se misturava com o aroma<br />
<strong>de</strong> café. Pelo que sei eu estava do lado <strong>de</strong>ste grupo. Desfechei muitos murros e parti<br />
uma série <strong>de</strong> queixos. Não sei como, mas uma espada se ergueu entre minhas mãos. Eu<br />
mal podia erguê-la, <strong>de</strong> tão pesada. Fiz apenas uma investida e <strong>de</strong>rrubei três pessoas,<br />
mas a espada escorregou <strong>de</strong> minhas mãos. Os revoltosos não eram maioria numérica,<br />
mas tinham cavalos, arr<strong>em</strong>edos <strong>de</strong> corcéis grosseiros que cavalgavam aos pedaços,<br />
carregando pedaços <strong>de</strong> seres, e tinham a vonta<strong>de</strong> inumana <strong>de</strong> vencer... a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vencer, para além da morte... Os guardas do t<strong>em</strong>plo, armados <strong>de</strong> lanças e elmos e<br />
bestas, eram quebrados ao meio. Os casais ritualísticos foram cortados com largas<br />
facas. Rebel<strong>de</strong>s, com marretas, <strong>de</strong>struíam altares e ídolos, <strong>de</strong>rrubavam os vasos e<br />
turíbulos das aras, pisoteavam as oferendas. A batalha. Os rebel<strong>de</strong>s entravam no t<strong>em</strong>plo,<br />
<strong>de</strong> surpresa, e venciam a contenda, pondo, por fim, fogo nas <strong>de</strong>pendências. Todos<br />
partiram, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> arruaça, da mesma forma que chegaram.<br />
Não soube mais <strong>de</strong> Virgínia. Batedores que encontrei e <strong>de</strong>pois, conversando com<br />
Pietro e LaCordaire, disseram que algumas irmãs-sacerdotisas sobreviventes,<br />
<strong>de</strong>sfiguradas umas, queimadas outras, trôpegas enfim, se prostituíam pelos lados das<br />
terras do leste.<br />
Pietro contou que soube que os reis gnósticos, percebendo que os rebel<strong>de</strong>s se<br />
fortaleciam a cada momento, inventaram <strong>de</strong> fugir, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r ninguém. O responsável<br />
por esse traslado <strong>de</strong> mudas <strong>de</strong> plantas cafeeiras foi o cavaleiro <strong>de</strong> Clieux, hipócrita<br />
religioso, que conseguiu transformar as terras papais <strong>em</strong> campos exportadores <strong>de</strong><br />
presos para as Cruzadas, chegando a 50 mil, o número <strong>de</strong> escravos e escravas, lutadores<br />
do B<strong>em</strong>.<br />
Um século atrás, segundo LaCordaire, Clairvaux, ainda vivo, chegara a esse<br />
t<strong>em</strong>plo para <strong>de</strong>struí-lo. Os rebel<strong>de</strong>s retornaram ao t<strong>em</strong>plo, mas já não existia o ritual e<br />
n<strong>em</strong> mais se ouvia falar naquelas histórias <strong>de</strong> putas e eunucos e banhos <strong>de</strong> óleo. Os<br />
rebel<strong>de</strong>s venceram.<br />
Estávamos na estrada e encontramos Julius, o velho, que nos observava, fazendo<br />
sinais no ar..., mas não d<strong>em</strong>os muita atenção, então ele gritou:<br />
- O oráculo!, o oráculo não mais se <strong>de</strong>u à mostra e as pitonisas vendiam seus corpos<br />
para os upires... jurando que era muito bom para afastar formigas <strong>de</strong> plantas tenras,<br />
protegendo os jardins, suas flores e seus frutos. E saibam todos que o chefe dos Upires<br />
não é outro senão Calatin, o Cão Raivoso.<br />
OPUS 35<br />
- Sobre a operação! – falou Pietro, revendo anotações. Sentávamos <strong>em</strong> nossas camas,<br />
cobertos e protegidos do frio, apesar da pequena lareira. Cada um <strong>de</strong> nós carregava sua<br />
terrina <strong>de</strong> sopa <strong>de</strong> ervas. Deixamos Tomás a escrever, após a aula que nos <strong>de</strong>ra e<br />
corr<strong>em</strong>os para o quarto a fim <strong>de</strong> rever apontamentos.<br />
- Como ensinou Avicena <strong>em</strong> sua carta ao rei Assa – relatava Pietro - buscamos obter uma<br />
substância verda<strong>de</strong>ira por meio <strong>de</strong> várias outras intimamente fixadas, substância que ao<br />
ser colocada no fogo, o mantenha e o alimente. E, que seja, ad<strong>em</strong>ais, penetrante e<br />
invasora, que receba o mercúrio e os d<strong>em</strong>ais corpos. – Pietro sorveu um bocado <strong>de</strong><br />
líquido quente e continuou – uma tintura muito verda<strong>de</strong>ira, que tenha o peso requerido e<br />
que sobrepasse por sua excelência a todos os tesouros do mundo.<br />
- Mas, foi também dito que para fazer esta substância – explicava LaCordaire - é preciso<br />
ter paciência, t<strong>em</strong>po e os instrumentos necessários.<br />
- Paciência – eu dizia – eis aí um exercício e tanto para nós três... a nossa impulsivida<strong>de</strong><br />
é nossa mestra e nossa punitiva... basta o ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>...<br />
- Sim... mas, segundo Geber, o primeiro, - dizia LaCordaire, novamente - a precipitação<br />
não é obra divina...é obra do diabo, assim aquele que não tiver paciência terá <strong>de</strong><br />
suspen<strong>de</strong>r todo o trabalho.<br />
Suspiramos enquanto meditávamos sobre t<strong>em</strong>po, trabalho e a paciência que não<br />
tínhamos.<br />
Coelho De Moraes 80