Epigenética e nutrição - Nestlé
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20 conhecer<br />
No início do século 21,<br />
aprendemos que o processo de<br />
hereditariedade envolve bem<br />
mais do que a estrutura do DNA<br />
Assim, do terreno pouco fértil de Norrbotten, brotava a ideia,<br />
absurda à época, que viria apunhalar a corrente de pensamento<br />
conhecida como Síntese Moderna Evolutiva: que combina a teoria<br />
Darwinista da evolução das espécies por meio de seleção natural,<br />
a genética Mendeliana como base para a herança biológica e<br />
a genética populacional.<br />
Segundo o paradigma construído entre os anos 1930 e<br />
1940, e dominante nas últimas seis décadas, os efeitos da exposição<br />
ao meio ambiente não poderiam ocorrer tão rapidamente. Qual<br />
de nós não aprendeu na escola que as alterações evolucionárias<br />
precisam de alguns milhões de anos para se manifestarem?<br />
Seria esta, com atraso de mais de um século, a “carta na<br />
manga” de um desacreditado Jean-Baptiste Lamarck — defensor<br />
de que a evolução ocorreria no espaço de uma geração ou duas<br />
— contra Charles Darwin?<br />
Ou, em outras palavras, poderiam experiências vividas pelos<br />
pais em sua juventude, como situações limite de fome, deixarem<br />
marcas no material genético do óvulo ou do espermatozoide e serem<br />
transmitidas de alguma forma para suas próximas gerações?<br />
Mudança de paradigma<br />
Até o fim do século 20, a chamada Síntese Moderna ditava,<br />
de maneira hegemônica, que este atalho evolucionário não poderia<br />
ocorrer. E que a hereditariedade só se manifesta por meio da<br />
transmissão de genes de células de linhagem germinativa.<br />
No início do século 21, porém, um conjunto consistente de dados<br />
ajudou a construir o argumento de que a hereditariedade envolve<br />
mais do que a sequência de pares de base que compõem o DNA.<br />
Eva Jablonka, do Cohn Institute for the History and Philosophy<br />
of Science and Ideas de Israel, é uma das pesquisadoras<br />
mais ativas no ramo da epigenética. Em um trabalho de 2009,<br />
publicado no The Quarterly Review of Biology, ela aponta 100 casos<br />
bem documentados de herança epigenética entre gerações<br />
de organismos [2].<br />
Para citar apenas um exemplo, quando a mosca-da-fruta é<br />
exposta a geldanamicina, antibiótico inibidor da proteína de choque<br />
térmico HSP 90, pelo menos 13 gerações de seus descendentes<br />
nascem com uma pronunciada alteração ocular.<br />
Neste, e em todos os demais exemplos expostos por<br />
Jablonka, não houve qualquer alteração na estrutura do DNA.<br />
O que nos leva à próxima pergunta. Como isso acontece?<br />
Abrindo a caixa-preta<br />
Pense, por um instante, nas células do pâncreas e da re-<br />
tina. Ambas possuem funções absolutamente distintas, certo?<br />
Apesar disso, contêm, exatamente, o mesmo DNA.<br />
Diante disso, é fácil inferir a existência de um mecanismo regulador,<br />
independente do DNA, que diz, por exemplo, às células beta<br />
do pâncreas para produzirem insulina e às da retina que não. E para<br />
que ambas permaneçam da mesma maneira ao se dividirem.<br />
Desde a década de 1970, sabemos que as células alcançam<br />
sua necessária diferenciação quando um processo epigenético<br />
ativa ou desativa os genes, corretamente, no útero.<br />
Mas, apenas recentemente, ganhamos conhecimento de que<br />
este mesmo processo pode explicar, também, diferentes susceptibilidades<br />
a doenças de um modo que a genética tradicional não pode.<br />
Entre os diversos mecanismos propostos, o mais estudado<br />
é aquele que envolve a metilação do DNA — uma simples ligação<br />
de um carbono ligado a três átomos de hidrogênio a uma região<br />
específica de um gene.<br />
Em 2003, um dos mais elegantes experimentos abordando esta<br />
tese mudaria para sempre o rumo das pesquisas em epigenética. E<br />
a vida de um pesquisador que, assumidamente, não é fã de acordar<br />
cedo e que confia em boas doses de cafeína para começar o dia.<br />
Estamos falando, uma vez mais, de Randy Jirtle e da mudança<br />
radical em seu laboratório, originalmente voltado para as<br />
áreas de radiologia e oncologia.<br />
Jirtle e Robert Waterland, seu estudante de pós-doutorado<br />
à época, elegeram como modelo experimental camundongos regulados<br />
pelo gene Agouti, que não apenas confere uma pelagem<br />
amarela a eles como, também, os torna mais propensos ao desenvolvimento<br />
de obesidade, diabetes e câncer [3]<br />
O experimento consistia em alimentar dois grupos de<br />
fêmeas idênticas e grávidas com rações distintas: uma normal e<br />
outra suplementada por “doadores” de grupos metil, como ácido<br />
fólico e vitamina B12.