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Tu, que vences o inverno, não vencerás a nossa tristeza, ó Força eterna,<br />
eterna criadora que foste para nós a Morte.<br />
Primavera, que mal te fizemos nós?<br />
Quanto mais bela e vicejante fores mais nos ressentiremos da tua crueldade.<br />
Criadora de lírios e de rosas, que mal te fizemos?<br />
Tudo que produzires e despertares será, para nós, motivo de melancolia,<br />
porque nos relembrará a traição do teu sorriso.<br />
Quando, na aragem das noites taciturnas, vier a nós o aroma das campinas,<br />
virá também a imagem do que se foi e nós, sentindo-o no perfume, amaldiçoaremos<br />
o teu poder maléfico, Primavera.<br />
Antes o inverno com os seus dias lacrimosos e as suas noites regeladas!<br />
Que nos importavam os rigores da ventania gemendo no escampo, a névoa<br />
álgida velando o arvoredo, os aguaceiros copiosos formando torrentes pelos<br />
caminhos, todo o cortejo lúgubre dessa funerária estação de morte se tínhamos<br />
conosco o filho amado, aquecendo-nos a alma, como a chama aquecia o corpo,<br />
participando do pão de nossa mesa, ele que era o nosso dia de amanhã, o nosso<br />
futuro, que rebentara em nossa velhice?<br />
E vieste, entraste-nos pela casa coberta de flores, como noiva, e levaste-o<br />
contigo escondendo-o na cova para sempre!<br />
O lavrador, que enterra a semente no alfobre, fá-lo para a Vida. E tu,<br />
Primavera, que fizeste do que levaste?<br />
Que dirão de nós os que virem de luto no festival da tua era, cobertos de<br />
crepe entre as tuas flores, chorando lamentosamente no coro de risos da Natureza?<br />
Quiseste uma flor nova e viera buscar a que tínhamos tão escondida e não<br />
temíamos a morte. E fomos traídos pela Vida, porque foste tu que no-lo roubaste,<br />
Primavera.<br />
Tu, que reenfolhas, troncos que o lenhador despreza na floresta tendo-os<br />
por mortos e apodrecidos; tu, que dás vida em flor aos pântanos, estagnados; tu,<br />
que realizas milagres de ressurreição em toda a natureza; tu, onipotente, tu,<br />
vivificadora; tu, antagonista da Morte; tu, inspiradora do Gênese; tu, que és o verbo<br />
de Deus, ó estação da benção! Tu, que és o raio do Sol dentro do qual erram em<br />
átomos as messes; tu, que és a Juventude, Primavera fecunda, flor da Eternidade,<br />
que mal te fizemos nós para que no entrasse pela casa coberta de flores, como em<br />
festa, para matar, com o teu veneno, o filho do nosso amor, consolação das nossa<br />
horas tristes e arrimo de nossa velhice?<br />
Por que nos traíste, Primavera, Vida da Natureza e Morte da Ventura nossa?<br />
CONTRASTE<br />
Quando o levaram de nós o estádio começava a encher-se para um dos<br />
mais renhidos jogos do campeonato sul-americano.<br />
Ao alto da muralha da mole atlética, trapejada a bandeiras e flâmulas, que<br />
espadanavam ao vento, borrifadas de chuva, apareciam os primeiros vultos.<br />
O movimento das duas ruas que se cruzam dissemelhava-se em contraste<br />
irônico. Em uma, o borborinho alacre da multidão desensofrida, que afluía ao<br />
espetáculo da luta: veículos e turba, pregões, estropeada de patrulhas, correrias de<br />
retardatários que se apinhavam tumultuosamente junto da bilheteira como se a<br />
quisessem tomar de assalto.<br />
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