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www.nead.unama.br<br />
Na outra rua, silêncio: gente à espera, em grupos nas calçadas, às portas e<br />
às janelas; duas longas filas de automóveis e o coche fúnebre parado diante da<br />
nossa casa em pranto.<br />
Na minha sala de trabalho, de janelas abertas, revestida de luto, com um<br />
altar armado, jazia sobre a minha mesa, entre círios e flores, o maior desastre da<br />
minha vida.<br />
Toda a casa regurgitava de gente: era a solidariedade dos corações amigos<br />
na desgraça, a doce esmola de amor trazida à nossa miséria.<br />
Por toda a parte, profusamente, flores: sobre os móveis, pelos cantos, fora,<br />
no jardim: em palmas, ramos e grinaldas e ainda esparsas, aqui, ali. Nunca a<br />
primavera fora tão pródiga com o meu jardim.<br />
Foi preciso que a Morte nele entrasse para que os meus canteiros se<br />
adornassem tanto. Por tal preço não os quisera eu tão vegetos.<br />
Longo, perduradouro vozear no estádio anunciava o início do jogo quando o<br />
sacerdote, o mesmo que o ouvira de confissão, aproximou-se para encomendá-lo a<br />
Deus.<br />
Era o sinal da partida.<br />
Uma voz sussurrou-me:<br />
“Que iam fechar o caixão”.<br />
Estremeci. Seria possível! Encheu-se-me o peito de tanta agonia que me<br />
senti opresso como se o coração se me houvesse petrificado<br />
Que fazer?<br />
Último adeus ao filho, último beijo à fronte gélida, bênção derradeira.<br />
Retiraram-lhe o crucifixo do peito.<br />
Como o que embarca entrega no portaló o bilhete de passagem, assim já lhe<br />
não era necessário o símbolo da Fé, porque o seu corpo tinha a câmara à espera e<br />
o seu espírito suave já devia achar-se na presença de Deus.<br />
Tomei-lhe, a furto, o que dele me podia ficar — algumas flores que lhe<br />
haviam murchado sobre o peito, mortas com ele, bem em cima do seu coração.<br />
Um a um alguém foi apagando os círios.<br />
Eram as últimas esperanças que se extinguiam. A sua eterna manhã<br />
rompera. Para que luzes noturnas?<br />
Fecharam o caixão florido. Que mais?!<br />
Eu olhava em volta de mim em busca de uma esperança e só via lágrimas<br />
em todos os olhos. Tudo estava acabado. Dali ao túmulo, nada mais.<br />
Levaram-no.<br />
E a casa foi, pouco a pouco, esvaziando-se — vazia da gente, vazia das<br />
flores, vazia, principalmente, da felicidade, que ia com ele.<br />
E tive coragem de o acompanhar até à estância derradeira e vi-o baixar ao<br />
fundo da sepultura, profundidade só comparável à do azul infinito.<br />
E o abraço brutal da terra sonora. pouco a pouco encerrando em si o corpo<br />
amado, fechando-se sobre ele, abafando-o, sumindo-o até possuí-lo todo, só dela.<br />
E ali fiquei a olhar como quem, de cima de uma rocha, vê perder-se no<br />
horizonte a vela da última esperança.<br />
E, diante daquele deserto, eu era como um náufrago em ilhéu estéril na<br />
vastidão do oceano.<br />
Arrancaram-me do presídio. Era a vida que me reclamava como a morte o<br />
levava, a ele.<br />
E vim, sem consciência, até a casa, onde revi os meus, como se uma vaga<br />
me houvesse arrojado à praia e eu acordasse atônito.<br />
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