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coração de bondade, o nosso amor vela solícito para que te não falte, todas as<br />
manhãs, a oferenda da nossa devoção.<br />
Continuas a viver conosco, ainda que separado: nós, no sofrimento; tu, no<br />
alívio; nós, onde o sol aclara; tu, onde a noite governa. Há entre nós apenas uma<br />
lápide e é tanto, todavia, como o espaço que separa o céu da terra.<br />
Foi-se o teu vulto, mas a tua essência ficou; sentimo-la conosco, como<br />
tornada a nós, de regresso ao amor de que saiu.<br />
Teu nome é o estribilho da nossa melancolia: cai-nos, de vez em quando,<br />
dos lábios como caem das árvores no outono as folhas mortas.<br />
A Vida é a respiração da Natureza; um ir e vir continuo. O bafejo que<br />
exalamos reentra-nos em fôlego purificado. Assim tu: foste e tornaste ao nosso<br />
coração e nele assistes.<br />
Vivo, saías, passavas horas longe de nós, mas estavas preso à vida e<br />
vinhas por ela à casa com o teu passo senhoril e espalhavas por ela o som da tua<br />
voz, a alegria do teu sorriso. Dividias-te com os amigos que te disputavam.<br />
Agora és todo nosso, não sais de nós, és nós mesmos, como é mar a água<br />
que regressa ao oceano lançada pela nuvem que a sorveu.<br />
Teu dia! Como se pudéssemos destacar um dia entre tantos, só respirar, só<br />
ver luz, ouvir vozes, viver, enfim, um só dia!<br />
Sendo, como sempre foste, e és, o nosso amor, estás constantemente<br />
conosco e continuamos a chamar-te filho, como se andasses entre os teus irmãos.<br />
Se eu não te houvesse assistido na agonia, recolhendo, num beijo, a lágrima<br />
derradeira que choraste, não acreditaria na tua morte, tão rápida foi ela...<br />
Onde se viu o céu anoitecer antes da tarde?<br />
Se a natureza regula o tempo, não extinguindo a Luz senão quando lhe<br />
chega o instante de apagar-se, por que havia a Morte de abater um jovem no verdor<br />
da esperança, quando nele mais ardia a mocidade?<br />
Custaste tanto a crescer! Primeiro entre nós, aninhado entre dois corações,<br />
vigiado por olhos vígilos, aquecido a beijos; depois no berço ajoujado ao nosso leito<br />
e quando menino, tiveste a tua cama em quarto próprio. Quanta vez, alta noite,<br />
fomos, medrosamente, pé ante pé, escutar o teu coração, sentir teu hálito como se<br />
adivinhássemos a traição que havia de arrebatar-te!<br />
Na cama de menino sonhaste os teus primeiros sonhos, meditaste os teus<br />
primeiros pensamentos e, começavas, talvez, a sentir a solidão do Paraíso quando a<br />
Morte entrou em ti alanceando-te o corpo esbelto.<br />
Pobre filho! O que a tortura fez de ti! Como tu te refugiaste na infância<br />
imaginando, assim, com tal meiguice, esconder-te da pérfida!<br />
Ressuscitaram na tua boca ressequida os diminutivos carinhosos com que<br />
nos chamavas, à noite, quando temias a escuridão.<br />
Ouvindo-te parecia-me que eras o pequenino que acalentávamos nos<br />
braços. Saudoso tempo!<br />
Vinte e quatro anos viveste dentro da nossa vida. Eras como uma torre que<br />
construíramos pouco a pouco, dando-lhe eu, de mim, energia e coragem; e ela<br />
brandura e fé, e, justamente quando contávamos contigo para nosso amparo, quando<br />
nos fiávamos em ti para nossa defesa e sorríamos, um ao outro, contentes em nossa<br />
velhice, por possuirmos a tua mocidade, veio a Morte... E deixou-nos sós. Por que?<br />
Se a alma é eterna como se explica que nos morresses, tu que eras a nossa<br />
alma?<br />
Como nos iludíamos com a Vida acreditando que a tivesses em nós quando<br />
toda ela estava contigo!<br />
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