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existisse? Fosse o Além o Nada, o inferno ou o Paraíso... Se fosse o Nada, todos<br />
viveriam a lamentar o perecimento, a destruição definitiva; se fosse o inferno, que<br />
dor saberem todos que os aguardava o tormento; se fosse o Paraíso, não haveria<br />
felicidade na terra porque, comparando a via contingente e sofredora com a delicia<br />
da existência paradisíaca, tudo fariam para desertar este mundo precário, com ânsia<br />
do outro, de eternidade feliz. E os berços, que se aureolam de sorrisos, cercar-seiam<br />
de lamentações, porque viver seria tanto como penar.<br />
Achas que Deus não é bom, porque não consente que o vejas. O nosso<br />
egoísmo é que nos agrava o sofrimento. Tu, em verdade, não choras o filho que<br />
deixou de viver, que está livre de todos os males que nos torturam: choras o filho<br />
que perdeste, o bem que te foi levado, o amor que te falta. Choras sobre ti mesma e<br />
julgas chorar sobre o seu túmulo.<br />
— E isto basta-te? Consola-te?<br />
— Sim, basta-me, consola-me como me basta, para consolação de tudo<br />
quanto tenho sofrido, a certeza, em que estou, de que Deus existe. E se tu invocas o<br />
espírito do morto é porque estás certas de que ele não desapareceu com a morte,<br />
não se desfez como o corpo e agora, mais do que quando convivia conosco, triunfal,<br />
puro e eterno, tão puro como o teu amor, em que ele se encarnou, e eterno, tão puro<br />
como a Essência a que regressou.<br />
— E achas que faço mal em trazê-lo assim enfeitado de flores?<br />
— Mal? Por que mal? É um culto e todos os cultos, quando neles há<br />
sentimento, como nesse em que pões toda a alma, são belos e dignos de respeito.<br />
Falo-te assim para que não chores tanto. Flores são carinhos; lágrimas são<br />
tormentos e, se ainda o chamas de filho e o queres venturoso, porque o hás de<br />
perturbar, entristecendo-o com tantas lágrimas?<br />
Flores, sim quantas queiras. O que a morte podia levar, levou. O que nos<br />
resta ficará conosco eternamente, a saudade, e chorá-lo é devolver ao coração as<br />
lágrimas que dele tiramos.<br />
SOMBRAS<br />
Que resulta da nossa aliança com a luz? Sombra, nada mais.<br />
Alegria é luz e assim como na maior claridade as sombras tornam-se mais<br />
negras, mais a tristeza se agrava se dela, em volta, a alegria exulta,<br />
O silêncio é alivio: calma. Na quietude em que me refugio chego a não<br />
acreditar na tua morte porque te sinto em mim, comigo, como se vivo foras.<br />
À noite as sombras não aparecem; todas se recolhem aos corpos que as<br />
expuseram. De dia, porém, destacam-se, prolongam-se com a terra.<br />
No apogeu meridiano, não suportando a claridade fúlgida, acolhem-se ao de<br />
que saíram, como se concentra na dor um coração ferido se, em torno dele, há<br />
expansões de vivida alegria.<br />
Felizmente, porém, o sol pouco se demora no zênite e logo que declina<br />
projetam-se, de novo, as sombras, até que todas se fundem em uma única, que é a<br />
noite.<br />
Isolo-me, não porque aborreça a vida e inveje a felicidade alheia, mas para<br />
forrar-me no alvoroço da alegria.<br />
Que o coração adormeça tranqüilamente, no silêncio, e sonhe, como quem<br />
dorme.<br />
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