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Como te enganas, espírito amoroso!<br />
Vem! E sempre que apareças, baixando de onde assistes, acharás o teu<br />
lugar florido de saudades, flores que não morrem nunca porque, para regá-las, há no<br />
coração uma fonte que não cessa de correr e cada vez em maior cópia.<br />
Vem na vigília ou no sono, vem! E acharás o teu lugar tal como o deixaste, e<br />
verificarás que és nele dono e único senhor; que nada do que te pertencia, e te<br />
pertence, foi ali tocado que continuas a ser nele quem dantes foste e agora és mais<br />
que nunca e vives e sobre o que de ti ficou não tem poder a morte, porque é a<br />
mesma Vida, que não perece, Vida como a da Eternidade, por ter a sua origem em<br />
Deus: a alma.<br />
Vem ou como quando atendes carinhosamente ao apelo da minha a<br />
saudade ou surgindo, em meio da minha alegria ou do afã do trabalho, como<br />
costumas aparecer inesperadamente, sempre bem-vindo, para consolo e martírio da<br />
minha saudade.<br />
MOMENTO<br />
Como se há de esquecer toda uma vida, que se prendia a nossa, se o<br />
operado, a quem amputam um membro, durante muito tempo guarda a impressão<br />
de ainda o possuir?<br />
Se as dores ficam assim vivas, como se alguma das suas raízes não<br />
houvesse sido extirpada, se o sofrimento persiste em reminiscências, ainda depois<br />
de curado, como se não há de perpetuar, mesmo que a morte a leve?<br />
Geme o enfermo dores que o não pungem só pelo hábito, em que estava, de<br />
as sofrer; e não há de chorar o que não se conforma com a desdita de haver perdido<br />
um ser amado?<br />
Se de um membro apenas fica tão viva recordação no corpo como não há de<br />
subsistir em saudade na alma a lembrança de um ente estremecido?<br />
O que se levanta do leito e dá pela ausência do que lhe foi amputado custa a<br />
convencer-se do que vê, porque continua a sentir, posto que em ilusão, o que,<br />
dantes, o atormentava. E o que perde um amor há de esquecê-lo? Não!<br />
Sinto-te como se estivesses comigo. Levaram-te de mim, a todo o instante,<br />
porém, tenho-te presente.<br />
E a ti não são dores que te recordam a minha alma, mas venturas, pelo que<br />
sofro ainda mais o bem perdido.<br />
Se o operado não esquece o que o fazia gemer, como me não hei de eu<br />
lembrar do que me fazia sorrir?<br />
A LUZ DA SAUDADE<br />
Tanto se me fixou na mente o episódio lúgubre daquele imenso instante que,<br />
todas as noites, mal apago a lâmpada à minha cabeceira, a escuridão acende-se em<br />
luz lívida e nessa claridade fátua, instantaneamente, a cena reproduz-se vem<br />
projeção fantástica.<br />
Triste ressurreição da morte!<br />
Vejo-o no leito, tal como o tive ante a minha impotência desgraçada,<br />
extinguindo-se pouco a pouco, flébil: de olhos abertos, fitos, lábios hiantes, mudos.<br />
Tão grande era o silêncio no aposento como só mesmo pode ser nos<br />
túmulos. Era a morte que entrava com ele, como a noite entra com a treva e a<br />
madrugada com a luz.<br />
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