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Abraçado com o moribundo eu sentia-o ir pouco a pouco esfriando. O<br />
silêncio já o havia penetrado parando-lhe o coração.<br />
Pois assim havia de cessar aquela vida em flor?<br />
Como prendê-la a mim? Como defender aquele ser querido que me era<br />
arrebatado dos braços sem que toda a minha força, toda a minha fé, que explodia<br />
em clamores a Deus, e o espanto em que se petrificara a pobre mãe surpresa, o<br />
pudessem reter?<br />
Quem há capaz de suster a luz ou a sombra, deter o dia ou a noite?<br />
Pobre filho! De que lhe valia a mocidade? Vinte e quatro anos! Plena<br />
juventude! E ali jazia, mais frágil do que quando eu o vira, recém-nascido, naquele<br />
mesmo leito, entre os braços daquela mesma criatura que o encarava extática sem<br />
compreender que ele, seu filho, sempre tão meigo, nem sequer se voltasse para<br />
olhá-la, a ela, sua mãe, que o chamava em desvairo, docemente, baixinho, com uma<br />
voz que lhe saia trêmula, débil, chorando, do mais fundo do coração.<br />
E tudo, em volta, parecia sentir: as próprias paredes, os móveis, a mesma<br />
luz que tremia, como se soluçasse.<br />
Sobre o peito robusto do jovem atleta, como em calvário, alguém pousara<br />
um crucifixo de bronze.<br />
Soluços faziam a pulsação do silêncio,<br />
A vida, entanto, prosseguia fora no seu afã ruidoso e, indiferente, contínuo,<br />
acompanhando o tempo, o relógio picava os segundos como se desfiasse um<br />
rosário, conta a conta.<br />
E o corpo juvenil imobilizou-se de todo, adormeceu sereno e fechou-se<br />
sobre ele a vida como se unem as águas sobre o náufrago que afunda.<br />
O pranto desatou-se em volta.<br />
Ela só não teve lágrimas: estava como árido deserto, ardendo em sede, na<br />
sua infinita e estéril desventura.<br />
A dor imensa que me enchia todo o coração não achava passagem bastante<br />
para expandir-se, salvo se o rebentasse.<br />
E assim, enclausurada, mantinha-a naquela aparência de impassibilidade<br />
pétrea, igual a que estatelou Maria junto à cruz.<br />
E, todas as noites, é certo reproduzir-se a cena lúgubre. Eu já a espero e<br />
mal apago a lâmpada à minha cabeceira, preparo-me para o triste transe que se<br />
renova na escuridão, dentro dum halo feral, que outra coisa não e senão saudade,<br />
luz que alumia os mortos.<br />
INSTANTE ETERNO<br />
Através dos minutos como em poeira de entrada, os dias giram velozes na<br />
vertigem do Tempo.<br />
Dealba, fulge o sol; empalidece a tarde; cinza-se o crepúsculo e a noite<br />
obumbra-se. Treva, de todo negra ou cravejada de astros.<br />
Eis, de novo. a manhã clara. Sob o dia, reluma; logo, porém. começa a<br />
declinar e enubla-se. Anoitece.<br />
E não cessa o movimento: dias sobre noites, noites sobre dias.<br />
Aquele instante, porém, subsiste eterno, o mesmo em que para mim,<br />
encerrou-se o ciclo da ventura.<br />
Dias e noite são raios da roda que não pára; o lúgubre momento é fixo,<br />
como o eixo em volta do qual o Tempo célere circuita.<br />
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