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A tarde estiara. Dir-se-ia que a chuva fora apenas para chorar o morto, como<br />
os olhos dos que me haviam acompanhado no doloroso transe.<br />
Águas que não cessam são as que jorram das fontes e dos corações. Águas<br />
que se formam nas nuvens passageiras e nos olhos indiferentes depressa o sol e o<br />
esquecimento secam; as que brotam das rochas e das profundas do amor, essas<br />
não estancam nunca! Se estancassem como se mataria a sede, como se mitigaria a<br />
saudade?<br />
No jardim, restos de flores: ainda na minha sala os círios da vigília.<br />
Já haviam despido do luto as paredes, já haviam desarmado a essa e o altar<br />
e a minha sala de trabalho voltara ao seu aspecto natural. Pairava apenas no<br />
ambiente um cheiro morno de cera e de flores murchas. E na casa era tudo. Os<br />
corações, esses...<br />
Onde quer que se passasse ouvia-se convulso tremor de pranto.<br />
Uma figura inerte, de negro, estatelada, estéril, jazia apagada a um canto,<br />
como aqueles círios que ainda lá estavam, de morrões negros, também apagados,<br />
sem lágrimas.<br />
Não parecia sentir: olhava pasmada, como alguém que se visse em um<br />
patíbulo, condenada sem culpa e, em tamanha injustiça, não achasse palavra para<br />
bradar a sua inocência.<br />
Pobre mãe!<br />
Aproximei-me dela, unimos os nossos corações feridos do mesmo golpe e<br />
as nossas dores comunicaram-se.<br />
Assim um rio cresce assoberbado e na violência em que investe derruba<br />
árvores e barrancas e tais destroços represam-no até que outro rio, nele<br />
despejando-se, engrossa-o e, os dois, juntos, forçam, levam de vencida o empeço e<br />
correm alagadoramente.<br />
Chorávamos humildes quando trovejou no estádio clamor imenso de triunfo<br />
e o coliseu longamente atroou o estrondo das aclamações vitoriosas.<br />
Ouvindo aquele tronejo heróico lembramo-nos de tardes, outras, iguais<br />
àquela e parecia-nos que o nome proclamado estrepitosamente era o dele, dele que<br />
ali se fizera desde pequenino, brincando naquele campo, nele crescendo em força e<br />
garbo, nele batendo-se pelas cores, que eram o seu orgulho.<br />
E seria dele o nome que ouvíamos nas aclamações ovantes da multidão em<br />
delírio?<br />
Sim, era o seu nome, não saía do estádio, mas do fundo dos nossos<br />
corações porque, embora estrondosas, todas aquelas vozes de milhares de bocas<br />
não estrugiam tão alto como nos soavam intimamente os apelos doloridos da nossa<br />
imensa saudade.<br />
E, no final do jogo, com o escoar da turbamulta, a nossa rua encheu-se e os<br />
que passavam, comentando os lances mais brilhantes da partida, não se lembravam<br />
do enterro que dali saíra.<br />
E, para o seu espírito, foi melhor assim.<br />
Era em tal alvoroço que ele gostava de ver o seu clube, cheio, empavesado,<br />
ressoando músicas e clamores. Quanta vez...<br />
A casa, fechada, em silêncio, tremia com o rumor da rua. Pobres corações!<br />
E a tarde daquele dia, que fora de tristeza lúgubre, desanuviara-se a pouco<br />
e pouco, galeando-se do sol. Dir-se-ia que o céu despia o luto por aquele que<br />
chorava ou, quem sabe! Talvez assim se transfigurava para recebê-lo festivamente.<br />
Nós é que em nada mudamos: tal como ele nos deixou jazemos: na mesma<br />
desolação, na mesma saudade.<br />
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