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Mano - Unama

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www.nead.unama.br<br />

A tarde estiara. Dir-se-ia que a chuva fora apenas para chorar o morto, como<br />

os olhos dos que me haviam acompanhado no doloroso transe.<br />

Águas que não cessam são as que jorram das fontes e dos corações. Águas<br />

que se formam nas nuvens passageiras e nos olhos indiferentes depressa o sol e o<br />

esquecimento secam; as que brotam das rochas e das profundas do amor, essas<br />

não estancam nunca! Se estancassem como se mataria a sede, como se mitigaria a<br />

saudade?<br />

No jardim, restos de flores: ainda na minha sala os círios da vigília.<br />

Já haviam despido do luto as paredes, já haviam desarmado a essa e o altar<br />

e a minha sala de trabalho voltara ao seu aspecto natural. Pairava apenas no<br />

ambiente um cheiro morno de cera e de flores murchas. E na casa era tudo. Os<br />

corações, esses...<br />

Onde quer que se passasse ouvia-se convulso tremor de pranto.<br />

Uma figura inerte, de negro, estatelada, estéril, jazia apagada a um canto,<br />

como aqueles círios que ainda lá estavam, de morrões negros, também apagados,<br />

sem lágrimas.<br />

Não parecia sentir: olhava pasmada, como alguém que se visse em um<br />

patíbulo, condenada sem culpa e, em tamanha injustiça, não achasse palavra para<br />

bradar a sua inocência.<br />

Pobre mãe!<br />

Aproximei-me dela, unimos os nossos corações feridos do mesmo golpe e<br />

as nossas dores comunicaram-se.<br />

Assim um rio cresce assoberbado e na violência em que investe derruba<br />

árvores e barrancas e tais destroços represam-no até que outro rio, nele<br />

despejando-se, engrossa-o e, os dois, juntos, forçam, levam de vencida o empeço e<br />

correm alagadoramente.<br />

Chorávamos humildes quando trovejou no estádio clamor imenso de triunfo<br />

e o coliseu longamente atroou o estrondo das aclamações vitoriosas.<br />

Ouvindo aquele tronejo heróico lembramo-nos de tardes, outras, iguais<br />

àquela e parecia-nos que o nome proclamado estrepitosamente era o dele, dele que<br />

ali se fizera desde pequenino, brincando naquele campo, nele crescendo em força e<br />

garbo, nele batendo-se pelas cores, que eram o seu orgulho.<br />

E seria dele o nome que ouvíamos nas aclamações ovantes da multidão em<br />

delírio?<br />

Sim, era o seu nome, não saía do estádio, mas do fundo dos nossos<br />

corações porque, embora estrondosas, todas aquelas vozes de milhares de bocas<br />

não estrugiam tão alto como nos soavam intimamente os apelos doloridos da nossa<br />

imensa saudade.<br />

E, no final do jogo, com o escoar da turbamulta, a nossa rua encheu-se e os<br />

que passavam, comentando os lances mais brilhantes da partida, não se lembravam<br />

do enterro que dali saíra.<br />

E, para o seu espírito, foi melhor assim.<br />

Era em tal alvoroço que ele gostava de ver o seu clube, cheio, empavesado,<br />

ressoando músicas e clamores. Quanta vez...<br />

A casa, fechada, em silêncio, tremia com o rumor da rua. Pobres corações!<br />

E a tarde daquele dia, que fora de tristeza lúgubre, desanuviara-se a pouco<br />

e pouco, galeando-se do sol. Dir-se-ia que o céu despia o luto por aquele que<br />

chorava ou, quem sabe! Talvez assim se transfigurava para recebê-lo festivamente.<br />

Nós é que em nada mudamos: tal como ele nos deixou jazemos: na mesma<br />

desolação, na mesma saudade.<br />

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