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Mano - Unama

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www.nead.unama.br<br />

O tempo que mediou entre a partida do emissário e a chegada do religioso<br />

foi tão breve ou tanto eu nele me perdi que, ao avisarem-me da chegada do padre<br />

fiquei surpreso como de milagre.<br />

Sim, era ele com a maleta em que vinham os sacramentos.<br />

Olhamo-nos sem palavras. Silêncio como jamais abafara a minha casa<br />

encheu-a toda. As próprias janelas, largamente abertas, não pareciam respirar.<br />

Pé ante pé tornei ao quarto, certo de encontrar o enfermo na inércia em que<br />

o deixara. E que vi eu, arrepiado de horror e no auge da mais feliz surpresa? Meu<br />

filho a olhar pela janela aberta o céu azul, almofadado em nuvens, os ramos da<br />

árvore da rua, que devassam o mais íntimo do nosso lar (ramos onde, de<br />

madrugada, quase conosco, doméstico, saltita certo passarinho, e canta), tão calmo,<br />

tão sereno, que dir-se-ia haver acordado de noite bem dormida e estar ali gozando a<br />

preguiça da manhã.<br />

Fora uma crise apenas e eu, por ela, imprudentemente, me precipitara.<br />

Que fazer? Despedir o sacerdote? Anunciá-lo ao enfermo? Tal anúncio<br />

valeria por sentença e ainda havia esperança em nossos corações. E ele nem<br />

sequer pensava na gravidade do seu estado, tanto que, momentos antes, ao raiar da<br />

alva, quando a passarada começava com os gorjeios, dissera, lembrando-se de<br />

passados tempos e pensando em futuros dias:<br />

“Esta é a hora melhor no mar. Os rapazes devem estar treinando. E eu, aqui!<br />

Enfim... ainda pode ser...”<br />

O coração cresceu-me, harto; as veias túrgidas puseram-se a latejar, a<br />

ímpetos; lágrimas ardiam-me nos olhos.<br />

Que fazer? Que dizer?!<br />

Foi ele que me tirou da hesitação angustiosa, perguntando-me, a sorrir,<br />

surpreendido com a minha atitude:<br />

— Que tens? Porque me olhas assim?<br />

Que teria ele visto nos meus olhos, percebido no meu olhar que ia tão longe.<br />

tão longe que chegava à morte?<br />

Animei-me a falar. Não sei que disse, não sei!<br />

De repente vi-o cerrar a fronte, soerguer-se a custo, fitar-me a vista<br />

terebrante, pálido, de lábios trêmulos e exclamar, com espanto doloroso, como se eu<br />

o houvesse amaldiçoado: “Papai!”<br />

É que eu rasgara violentamente o véu misterioso mostrando, no fundo da<br />

esperança, Deus é que eu lhe anunciara a hora suprema da Religião, hora última da<br />

terra, hora que não soa nem declina hora incomensurável, parada, fora do dia e da<br />

noite, rosto da Eternidade.<br />

Houve, então, entre nós, um olhar, e, nesse olhar, como se cruzam no beijo<br />

os amores, cruzaram-se desesperos.<br />

Tentei justificar o meu procedimento:<br />

“Que a religião e a medicina que não falha, porque os seus remédios são<br />

aviados por Deus, e salvam”.<br />

As lágrimas intrometeram-se-me pelas palavras e ele, comovido, tomou-me<br />

a mão, atraiu-me a si e, meigo, interrogou-me.<br />

— Você quer?<br />

Solucei, acenando afirmativamente.<br />

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