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És tu que passas por mim. És tu que me fazes vibrar de comoção. És tu que<br />
me atravessas instantaneamente a memória como um pássaro, em vôo de flecha,<br />
corta, alígero, o espaço.<br />
Pássaros...! E que são as saudades senão aves de arribação? Ao invés,<br />
porém das andorinhas, que, a maneira dos heliantos, andam sempre procurando o<br />
sol e, as primeiras brumas, reunidas em caravanas, partem, céus em flora, em busca<br />
de climas tropicais, elas emigram no estio e é justamente no inverno que nos chegam.<br />
Coração alegre não lhes serve: gostam de fazer os ninhos à sombra da<br />
melancolia e aí vivem e procriam.<br />
No mais rigoroso da tristeza, quando as lágrimas são mais copiosas,<br />
levantam-se em revoadas e escurecem e entristecem ainda mais o que, já de si, é<br />
lúgubre: o coração magoado.<br />
Se no momento, tais evocações excruciam-me, deixam-me depois a alma<br />
aliviada, como certos bálsamos que, no instante em que são aplicados às feridas,<br />
exacerbam-lhes as dores para as lenirem depois!<br />
E por que assim se converte a angústia em conforto? Porque, por ela, me<br />
convenço da tua sobrevivência.<br />
Se tornas, posto que só em espírito, é porque existes.<br />
O nada não se levanta, não atende, não se manifesta. E tu surges, vens a<br />
mim, anuncias-te presente, ainda que invisível.<br />
Caminhando ao longo do silvedo eis que nos chega um aroma. Senti-lo e<br />
logo saber que flor o exala é tudo um instante. E a flor ? Onde? Escondida na balsa,<br />
oculta nas frontes ou refolhada nos aningais do lago, algures, invisível, mas presente.<br />
É o que se dá quando meu coração se retranse de saudade. Entristeço-me,<br />
logo, porém, consolo-me sentindo-te.<br />
Melhor seria que eu te visse, que vivesses conosco. Mas o maior tormento,<br />
depois que te partiste, era imaginarmos que te havíamos perdido para o sempre.<br />
Não!<br />
Estás longe, mas existes, não desapareceste porque o essencial de ti a<br />
parte eterna do que foste, vive.<br />
O que lá está, na terra, é o casulo: a borboleta voa livre, na luz, e, de quando<br />
em quando, saudosa, baixa do céu à terra e pousa de leve em nossos corações.<br />
TEMPESTADE<br />
Noite lúgubre.<br />
Estortegam-se agoniadamente as árvores ao vento. Bátegas rufam nas<br />
telhas. Por entre as frinchas das janelas afuzilam clarões.<br />
Rápido esfria em regelo. À rajada mais forte o arvorado rumoreja<br />
estabanadamente. A enxurrada chofra, gorgoleja torrencial, rasgada, de quando em<br />
quando, por automóveis que passam.<br />
Troam, estrepitam, ribombam trovões.<br />
No bater das portas e das janelas tem-se a impressão de que andam a<br />
forçar a casa.<br />
Acendem-se luzes. São as crianças que despertaram sobressaltadas com os<br />
fragores.<br />
A estampido mais rijo ei-las de pé, espavoridas. Correm a refugiar-se junto a<br />
nós.<br />
E o estridor aumenta.<br />
Deflagram explosões seguindo-se-lhes silêncio pávido.<br />
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