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Mano - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Anos que eu viva, séculos que vivesse, ainda que, por desdita, me tornasse<br />

eterno, toda a minha existência os meus dias, anos, séculos infindos haviam de<br />

girar em torno do minuto trágico em que o vi tombar da juventude no túmulo, como<br />

flor talada em pleno viço que caísse num lago e, ferindo as águas nelas abrisse<br />

círculos progressivos, até os extremos das margens.<br />

Assim também chegará até o fim da minha vida a lembrança do instante em<br />

que o perdi de mim em torno do qual os dias passam, passam os meses, hão de<br />

passar os anos sem que eu os sinta, porque todo me concentro no momento em<br />

que ele caiu para o sempre, eixo de onde partem, abrindo-se infinitamente e, cada<br />

vez maiores, as saudades no meu coração, como as enciclias se frisam e dilatam na<br />

água ferida em um ponto, pela flor decídua.<br />

NA JAULA<br />

Sentem-na os míseros leões cativos; sentem-na nos eflúvios; sentem-na no<br />

aroma que lhes chega com a aragem; sentem-na no cheiro cálido da terra adusta;<br />

sentem-na, a era da explosão da seiva, era em que se enfeita e alegra a selva.<br />

Sentem-na e fremem de nostalgia.<br />

A ânsia de rever os sítios florestais e as dunas do deserto torna-os ferozes.<br />

Então, irritados, levantam-se, de ímpeto, na jaula, põem-se a rondá-la<br />

iterativamente, chegam aos varões, tentam mordê-los, grifam-nos a unhadas e, não<br />

os podendo quebrar, arfam aos rugidos surdos.<br />

Como a esperança não os abandona deitam-se junto aos ferros inflexíveis e<br />

ali ficam, de olhos fitos no vago, o olfato esperto, arejando nas auras a olência do<br />

que não podem alcançar, do que lhes foi tomado para o sempre.<br />

Vêem o que olham? Não! Vêem o que sentem.<br />

E o que sentem eles, os míseros leões? Sentem o que lhes acorda na<br />

memória — a brenha verde: espessa e sombria aqui; aberta em clareira além, com<br />

os voluteios cristalinos da água, os antros obscuros onde branqueia, esparsa, a<br />

ossamenta das presas, sentem os companheiros livres: uns, deitados sob ramarias,<br />

outros à espreita, nos juncais, à margem dos rios largos; ainda outros, resupinos,<br />

brincando com os graciosos cachorrinhos.<br />

E colham tristes, alongam infinitamente o olhar querendo ver além do seu,<br />

além da linha do horizonte a selva, as dunas, o que perderam no jamais.<br />

Como alcançá-lo? Como sair daquela prisão alerta em grades que ainda<br />

lhes tornam mais triste o cativeiro com a ironia de lhes deixarem ver a liberdade?<br />

Fora melhor, menos cruel, sem dúvida, prenderem-nos em ergástulo, onde<br />

não chegasse fisga de sol, onde não penetrasse o acre perfume de silvedo:<br />

ergástulo profundo, bem negro de escuridade opaca como a da cegueira; silêncios<br />

como a surdez, de onde se não vissem aspectos, nem chegasse rumor de vida e<br />

tudo se resolvesse em olvido.<br />

Mas não! Presos em jaula, os leões olham e vêem, respiram o ar balsâmico,<br />

ouvem sussurros de árvores e aqueles mesmos ferros, por entre os quais avistam a<br />

vida, dela os separam inexoravelmente.<br />

Míseros leões! E é no tempo em que florescem os bosques que o instinto se<br />

lhes aguça e mais os atormenta.<br />

Assim, quando tudo é alegria e festa, na era de maior ventura para os livres,<br />

é que os leões cativos atroam as noites indo e vindo na jaula em fúria desesperada.<br />

Melhor seria que os sepultassem em covas onde remasse escuridão eterna.<br />

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