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www.nead.unama.br<br />
— Falavas-lhe? — Ela fitou-me com os olhos rasos de água. — Também eu<br />
converso com ele, disse-lhe — não como tu, dirigindo-me ao seu retrato — converso<br />
com ele dentro de mim: são as nossas almas que se falam. Tu queres o absurdo.<br />
— Como absurdo?<br />
— Sim. Queres que uma sombra te ouça; que o nada te responda. É<br />
absurdo. O retrato é um simples cartão de visita, lembra-nos a sua passagem, só<br />
isto; ele, ele mesmo, paira em volta de nós como a luz, envolve-nos como o<br />
ambiente, penetra-nos como o ar que respiramos.<br />
Eu sinto-o. Juro-te que o sinto e o que talvez te pareça indiferença, é<br />
tranqüilidade que tenho pela certeza em que estou firmado de que o não perdi de<br />
mim.<br />
— Também eu o sinto — suspirou ela; — mas quisera vê-lo, ainda que fosse<br />
por um segundo. Que ele me aparecesse em um relâmpago e eu não sofreria mais.<br />
Por que não havemos nós de ver os nossos mortos? Quando conseguiremos passar<br />
da sombra para a claridade do Além! Deus devia ser bom para as mães...<br />
— Deus é bom.<br />
— Bom...! — disse meneando tristemente com a cabeça. — Bom... Bom e<br />
nega-nos o pequenino consolo que lhe pedimos com tantas lágrimas.Não mo quer<br />
mostrar durante a vigília, mostre-me durante o sono, num sonho.<br />
Quando dormimos desprendemo-nos do corpo, a alma faz como um pássaro<br />
que se ala do ramo onde tem o ninho. Pois bem, no sono, por que não mo deixa ver<br />
enquanto durmo? Seria um sonho, um sonho feliz. Nem isso. Por que?<br />
— Por que? Ai! De nós, aí! Da vida se conseguíssemos desvendar o segredo<br />
da Morte. O azul é o azul da alma. Quando viajamos que fazemos nós no largo oceano<br />
— atravessamos a cortina diáfana, vencendo-a, deixando-a atrás? Não, porque ela<br />
sempre se nos opõe, ao longe. E por que a temos diante dos olhos sustamos a<br />
marcha? Não: prosseguimos com a certeza de topar em porto onde tomemos pé.<br />
Ninguém se deixa ficar no oceano, à matroca — procura um rumo, norteiase,<br />
toma um destino, rompe o azul. É preciso ter coragem e bússola para andar nos<br />
mares; é preciso ter crença e fé para levar a alma além da dúvida. Desesperos são<br />
temporais e é justamente nos temporais que se conhecem os mareantes.<br />
Se, no furor da tormenta, com os ventos desencadeados e o mar grosso, a<br />
tripulação descorçoa e abandona o governo do navio, não serão, decerto, as vagas<br />
que o hão de salvar do soçobro. É preciso ter fé, e tu duvidas.<br />
— Eu quisera ver, ter uma prova, por menor que fosse.<br />
— Não as tens porque as buscas materialmente. No escuro não poderás<br />
achar o perdido; procura com luz e a Luz, para pesquisas tais, e a fé. Espera,<br />
continua a esperar, espera sempre e um dia, talvez, quem sabe...!<br />
Como pensas? Concentrando-te, isto é: encerrando-te em ti mesma. É em<br />
nos mesmos que encontramos os nossos mortos. Eles vêm a nos, como a luz; nós<br />
não podemos ir a eles.<br />
Achas que Deus não é bom porque cerra, em impenetrável sigilo, o segredo<br />
da Morte. Engano teu. Que seria a vida, senão horrenda tortura, se tal mistério não<br />
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