Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
O primeiro raio de sol recena um outeiro e logo as ervas rebrilham. A<br />
claridade alastra.<br />
Enche-se o ar de vôos ágeis. Estrídulo recresce o canto matinal dos pássaros.<br />
Um sino soa, límpido.<br />
Passam trabalhadores ainda estremunhados; rodam veículos.<br />
Ressoa soturnamente, longínqua, uma sereia de fábrica.<br />
São os rumores da vida que recomeça.<br />
A vida... Tudo ressurge! Entre as folhas rasteiras andam insetos minúsculos,<br />
formigas desfilam em fieiras.<br />
Tudo acorda e entra em atividade: os elementos da natureza, o homem, os<br />
animais, os mínimos seres, as coisas, porque as folhas vibram, as flores exalam, o<br />
mesmo pó levanta-se. É a vida!...<br />
O relógio bate sonoramente: são os passos do tempo, as horas.<br />
O próprio invisível agita-se, porque é ele, o vento, que meneia, brando e<br />
brando, as folhas.<br />
Entretanto, em todo esse deslumbramento ativo, há escuridão e silêncio,<br />
falta alguma coisa que minha alma procura em vão.<br />
Já o sol rebrilha, fúlguro. Abrem-se todas as janelas: são as casas que<br />
acordam. Foi-se o sono dentro da noite.<br />
E ele? Por que não acorda? Por que não vem do sono? Por que não o<br />
despertará a luz; ela, que fez o milagre de vencer a noite no céu, na terra e nos mares;<br />
ela, que desencantou a natureza toda; ela, que fez desabrochar a manhã brilhante; ela,<br />
onipotente; ela, eterna; ela divina, por que não despertará o que adormeceu?<br />
E o sol ressurge; o sol, que é tudo. E um pouco de terra humana resiste na<br />
morte ao reclamo miraculoso da madrugada.<br />
De que me serve, a mim, todo o esplendor da tua claridade, ó Luz, se, em<br />
vez de trazer-me alegria, mais me entristece o coração?<br />
Fazes o dia, tiras o sol do oriente, és a Vida e não tens força para arrancar<br />
de um túmulo um pouco de terra.<br />
De que te serve o Poder? E, se o tens, porque só o manifestas no céu,<br />
ressuscitando o dia, e deixas a terra cheia de saudades?<br />
És como os pródigos que se dissipam em festins e negam um mendrugo ao<br />
pobre que lhes estende a mão.<br />
SEMPRE<br />
No Dia de Finados<br />
Dia dos mortos, teu dia... Não! O teu dia chama-se “Sempre”, não é um só,<br />
de horas contadas, limitando estreitamente o círculo das lembranças, que são os<br />
minutos da Saudade.<br />
O dia de hoje é como os demais no tempo; o teu é infindo.<br />
Dentro em pouco o crepúsculo baixará escuro e tudo desaparecerá na<br />
sombra solitária e, mais do que sobre os túmulos, a treva se adensará na memória<br />
efêmera dos que aguardam um dia para recordar.<br />
Dos círios que alumiaram mausoléus e carneiros nada, em breve, restará<br />
senão lágrimas de cera e as flores murcharão na terra como as lembranças nos<br />
corações volúveis.<br />
Os círios que te alumiam são os nossos olho cujas lágrimas não se<br />
condensam gélidas e são cada vez mais fluentes. As flores que alfombram o teu<br />
túmulo são sempre frescas, porque, além das que nascem de ti, das raízes do teu<br />
19