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Mano - Unama

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www.nead.unama.br<br />

E como não há de ser assim se a nossa alegria era ele e ele foi-se, não<br />

torna, não tornará nunca! Nunca mais!<br />

FLORES<br />

Não há ainda um mês que adormeceu em Deus o ser do meu ser, a minha<br />

criatura de amor e o leito em que ficou, no dormitório silencioso, já se recama de<br />

flores.<br />

As que o acompanharam, em ramos e em capelas, fanaram-se depressa;<br />

outras substituíram-nas e também feneceram; em compensação as sementes<br />

esparzidas pelo jardineiro funeral, que cuida dos pequeninos canteiros mortuários,<br />

mal lhe caíram das mãos na terra fria logo rebentaram em vida, formando uma<br />

colcha de verdura que veste e enfeita a melancolia do jazigo.<br />

E tal colcha matizou-se de violetas e margaridas, dálias, cravinas e miosótis.<br />

Quem terá realizado esse milagre de florescência tão rápida? As nossas<br />

lágrimas? Não! Tu, só tu, Primavera.<br />

Será o remorso de no-lo haveres arrebatado que assim te faz solicita ou<br />

pensas, por acaso, que, escondendo em teu manto o túmulo querido farás com que o<br />

esqueçamos com a indiferença da terra que sorri em flores sobre a mocidade morta?<br />

Como te enganas, traidora!<br />

Mais prestígio tem a saudade em nossos corações do que tu na terra, cuja vida<br />

revigoras, porque, se fazes nascer flores, ela ressuscita o que mataste, evoca-o a todo<br />

o instante, trá-lo da sombra eterna e integração na vida e só não o refaz, tal como o<br />

tínhamos, porque o corpo lá está no abismo ao qual se desce por uma escada, cujos<br />

degraus aluem sobre o incluso como as águas se fecham sobre o náufrago.<br />

A casa está cheia dele: sentimo-lo em toda ela, presente, e, fora, em toda a<br />

parte.<br />

Ouvimo-lo. São os seus passos, é a sua voz que impregna o ambiente e<br />

sentimo-lo quando o relógio bate, devagar, as horas: as horas em que ele acordava<br />

e vinha dar-nos os bons dias; as horas em que ele saía; as horas, lentas e longas,<br />

da sua ausência; as horas alegres que o traziam do trabalho e as em que, à noite,<br />

ele regressava à casa, cauteloso, indo sempre até o nosso leito dar-nos, na vigília<br />

preocupada em que o esperávamos, a felicidade tranqüilizadora da sua presença.<br />

Todas essas horas continuam e ele continua a viver em todas elas.<br />

O que nos aflige é a angústia de o não podermos sentir como o sentíamos<br />

outrora.<br />

Vemo-lo como imagem refletida em espelho, vemo-lo, mas se tentamos<br />

tocá-lo, ai! De nos.<br />

Suplício igual ao de Tântalo é o que nos inflige a saudade.<br />

Vê-lo, ouvi-lo no coração, senti-lo em toda a parte, tê-lo sempre presente em<br />

nós e tão distante como a mais remota das estrelas e todas as esperanças...<br />

Temo-lo conosco, na família, que o não esquece.<br />

O seu lugar vazio espera-o sempre.<br />

Quando nos aparece, projetado pelo coração, fala, mas mussitantemente<br />

apenas, sem palavras sonoras: batem-lhe os lábios como asas de pássaro cativo.<br />

Caminha, e os passos não lhe soam. Estende-nos os braços e nunca o alcançamos,<br />

porque, entre nós, interpõe-se uma lâmina, como a de cristal de espelho, que se<br />

chama: infinito.<br />

Temo-lo tão perto e tão longe, conosco e para sempre apartado, vivo na<br />

imagem, só na imagem que é o reflexo da saudade.<br />

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