"A Droga do Amor" de Pedro Bandeira - IFTO
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- Oi, tio... o senhor não se lembra <strong>de</strong> mim, eu sei. Mas a gente soube que o senhor afinal<br />
conseguiu transferência para outro lugar, melhor <strong>do</strong> que este e...<br />
- O que é isso? - perguntou o sentencia<strong>do</strong>, com uma voz muito baixa.<br />
- Isso o quê? - <strong>de</strong>volveu Calú, com cara <strong>de</strong> ingênuo.<br />
- É uma arapuca <strong>do</strong>s tiras, eu já percebi. Vocês querem me sujar, querem me impedir <strong>de</strong><br />
sair daqui! Mas não me pegam, não! Eu luto há <strong>de</strong>zessete anos para conseguir esse<br />
alvará <strong>de</strong> transferência! Vocês não me pegam! Vão ter <strong>de</strong> cumprir direitinho o meu alvará.<br />
Vocês vão ter <strong>de</strong> me tirar daqui! Vocês não me pegam! Não me pegam!<br />
***<br />
Na sala escura, assistin<strong>do</strong> e ouvin<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>, nem o diretor, nem Andra<strong>de</strong> conseguiam<br />
perceber on<strong>de</strong> aquela bobagem ia dar. O que os garotos esperavam conseguir com<br />
aquelas entrevistas idiotas? Nenhuma dava certo! Nem uma pergunta até agora eles<br />
tinham consegui<strong>do</strong> fazer para os prisioneiros!<br />
Andra<strong>de</strong> estava <strong>de</strong> cabeça baixa, tentan<strong>do</strong> imaginar uma <strong>de</strong>sculpa para o diretor da<br />
penitenciária. Uma <strong>de</strong>sculpa que pu<strong>de</strong>sse amenizar a vergonha que ele estava passan<strong>do</strong><br />
por sugerir uma encenação tão sem senti<strong>do</strong>, tão inútil...<br />
- Sua vez, Crânio - disse Miguel.<br />
***<br />
O quarto prisioneiro entrou na sala iluminada, andan<strong>do</strong> com dificulda<strong>de</strong>.<br />
Era um velho. Magro como uma sombra. Devia estar na ca<strong>de</strong>ia há um tempão, mais<br />
tempo talvez <strong>do</strong> que a própria ida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> Crânio.<br />
***<br />
Na sala escura, ven<strong>do</strong> o pobre sentencia<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> vidro, o diretor comentou:<br />
- Esse já está velho e <strong>do</strong>ente. Vamos tirá-lo daqui, mas acho que ele não vai sobreviver<br />
muito mais tempo...<br />
- Shhh... - fez Miguel. - Vamos ouvir o que acontece.<br />
***<br />
Crânio levantava-se da ca<strong>de</strong>ira, com um ar tími<strong>do</strong>. - Boa tar<strong>de</strong>, tio.. .<br />
O velho an<strong>do</strong>u com esforço até a ca<strong>de</strong>ira. Sentou-se, apertan<strong>do</strong> os olhos. Como<br />
enxergava mal, não conseguia distinguir a fisionomia <strong>de</strong> quem estava a sua frente.<br />
Tossiu. - Ahn? Que... quem é você?<br />
- Não se lembra, não é, tio? É que quan<strong>do</strong> eu nasci você já estava preso... Sou seu<br />
sobrinho-neto. Vim ver se o senhor precisa <strong>de</strong> alguma coisa, antes da transferência...<br />
- Oh, obriga<strong>do</strong>... - disse o velho, meio alhea<strong>do</strong>. - Obriga<strong>do</strong>... que bom que você veio!<br />
- Sua irmã Benevinda não pô<strong>de</strong> vir, tio. Mas eu estou aqui. Lembra-se <strong>de</strong>la, tio? Ela<br />
escreveu para o senhor, lembra? Ela sempre escreve para o senhor. Ela disse que tem-<br />
Ihe manda<strong>do</strong> fotos das crianças. Ela disse que man<strong>do</strong>u até a minha fotografia...<br />
O velho sorriu <strong>de</strong> leve, como se uma luz lhe iluminasse a lembrança:<br />
- Ah, sim, é claro. Agora me lembro. Foi muito bom você ter vin<strong>do</strong> me visitar, sobrinho.<br />
Muito bom mesmo...<br />
- O senhor se lembra <strong>de</strong> mim, então? Sou o Leovegil<strong>do</strong>, neto da sua irmã Benevinda. Sou<br />
filho da Clovil<strong>de</strong>s, filha da vó Benevinda...<br />
- Ora, é claro! Da Clovil<strong>de</strong>s, filha da Benevinda...<br />
***<br />
Nesse momento, o susto <strong>do</strong> diretor e <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> só não foi maior <strong>do</strong> que o <strong>do</strong> prisioneiro:<br />
Crânio levantava-se e estendia a mão para o velho, com um sorriso triunfante!<br />
- Doutor Q.I., eu presumo!<br />
***<br />
O velho levantou-se <strong>de</strong> repente, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> o porte encurva<strong>do</strong>. Parecia vinte anos mais<br />
moço:<br />
- O quê?!