N.º 187 - Novembro 2007 - 2,00 euros - Inatel
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PORTUGAL NA EUROPA<br />
A primeira voz portuguesa<br />
Os relatos de milagres e as lendas tecidas à sua volta quase ocultam,<br />
aos olhos do grande público, a figura e a estatura de Santo António de<br />
Lisboa — que é também, como se sabe, Santo António de Pádua:<br />
aquele que pregava aos peixes perto de Rimini e os peixes vinham à<br />
tona de água para o ouvir; o santinho casamenteiro e que nos ajuda a<br />
encontrar objectos perdidos se lhe rezarmos o responso apropriado.<br />
O MESMO que, cerca de quinhentos<br />
anos após a sua morte, assentou<br />
praça no Regimento de Infantaria 19<br />
(Cascais), no Regimento de Infantaria<br />
2 (Lagos), no Regimento de<br />
Infantaria 13 (Peniche), no corpo de<br />
fuzileiros de Moçambique e também<br />
na Índia e ainda nas milícias de<br />
Pernambuco, Brasil, sendo que passou<br />
por vários postos: de soldado a<br />
tenente-coronel em Portugal e a general<br />
no Brasil. Enfim, o mesmo que<br />
anda com o Menino Jesus ao colo.<br />
Tudo isso é tradicional, simpático,<br />
e, em muitos casos, mesmo, enternecedor.<br />
Mas, como referimos,<br />
toda essa «carga» quase esconde a<br />
verdadeira estatura do homem que<br />
é ainda hoje o segundo nome mais<br />
ilustre da ordem franciscana, logo a<br />
seguir ao próprio São Francisco de<br />
Assis; o homem que foi um dos<br />
maiores pregadores europeus e,<br />
verdadeiramente, a primeira voz<br />
portuguesa a fazer-se ouvir nos púlpitos<br />
da Europa e em escolas como<br />
as de Toulouse, Montpellier e Bolonha;<br />
o homem que a Santa Sé canonizou<br />
menos de um ano depois da<br />
sua morte, o que é — passe o termo<br />
— um verdadeiro recorde.<br />
Santo António nasceu em Lisboa,<br />
bem perto da Sé, por volta de 1190,<br />
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em pleno reinado de D. Sancho I:<br />
Portugal, como reino independente,<br />
estava, portanto, no início, sob o<br />
governo do seu segundo rei. O<br />
nome que recebeu no baptismo foi<br />
Fernando de Bulhões — a lenda<br />
apressar-se-á a arranjar-lhe antepassados<br />
ilustres, uma casa real pelo<br />
lado da mãe e Godofredo de Bouillon<br />
pelo do pai… coisa de somenos:<br />
ele próprio virá a ter importância<br />
suficiente para dispensar pergaminhos<br />
nebulosos.<br />
A Sé tinha uma escola, onde<br />
Fernando aprendeu as primeiras<br />
letras e estudou Gramática e Artes.<br />
A vocação religiosa manifestou-se<br />
muito cedo: pelos quinze anos,<br />
entrou na comunidade dos cónegos<br />
regrantes de Santo Agostinho, em<br />
São Vicente de Fora. Mas o jovem<br />
Fernando não era apenas um devoto<br />
e um místico, também tinha sede<br />
de leituras e de saber, por isso não<br />
tardou a transferir-se para o mosteiro<br />
de Santa Cruz de Coimbra.<br />
MÍSTICA E ACÇÃO<br />
É importante, para nós, compreender<br />
que Santa Cruz, com a sua riquíssima<br />
biblioteca, foi a grande escola<br />
de Fernando de Bulhões, onde<br />
ele recebeu a maior parte da sua formação.<br />
Segundo parece, terá sido<br />
ordenado sacerdote em 1220, ainda<br />
naquele mosteiro; mas já então<br />
entrara nele aquilo a que poderemos<br />
chamar de «febre apostólica».<br />
De facto, este homem tem um carácter<br />
contraditório: místico, dado à<br />
oração e à meditação, é também um<br />
verdadeiro activista, ansioso por<br />
lutar, realizar, converter. Ora, três<br />
anos antes de ser ordenado, em<br />
1217, começam a passar por Santa<br />
Cruz grupos de franciscanos lançados<br />
na senda da pregação e da conversão<br />
de gentios… Fernando sente-se<br />
atraído e impressionado; sobretudo,<br />
com um grupo que em<br />
1219 se dirige a Marrocos, pronto a<br />
converter os muçulmanos à fé