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N.º 187 - Novembro 2007 - 2,00 euros - Inatel

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VIAGENS NA HISTÓRIA | JOÃO AGUIAR<br />

A teimosia<br />

Desta vez, para realizarmos convenientemente a nossa viagem na História,<br />

seria preciso seguir o exemplo de Santo António ao produzir o milagre<br />

da ubiquidade — difícil, porque nenhum de nós é santo.<br />

Ou seja, teríamos de fazer várias viagens<br />

ao mesmo tempo. Para simplificar, proponho<br />

somente três incursões no passado,<br />

a primeira das quais a Massangano,<br />

no século XVII.<br />

Massangano fica na margem direita do rio Cuanza,<br />

em Angola. Tem uma inegável importância na história<br />

colonial, porque foi palco de vários combates. Mas o<br />

que interessa, aqui, é o período que vai de 1641 a 1648.<br />

Durante esses sete anos,<br />

Luanda esteve em poder dos<br />

holandeses, que passaram,<br />

na prática, a dominar Angola<br />

— mas não a totalidade do<br />

território: as autoridades portuguesas<br />

foram entrincheirar-se<br />

em Massangano, que<br />

se tornou a capital portuguesa<br />

de Angola. Em 1648, Salvador<br />

Correia de Sá expulsou<br />

os holandeses de Luanda e<br />

os portugueses de Massangano<br />

foram finalmente socorridos.<br />

Esta crónica não é um hino de louvor ao colonialismo<br />

(português ou holandês); mas a História não é<br />

alterável. O que quero salientar, aqui, é a furiosa persistência<br />

(a teimosia!) com que os portugueses se<br />

agarraram àquela praça empoleirada sobre o Cuanza.<br />

No princípio dos anos 70 (século XX, claro), visitei<br />

Massangano; e, mesmo então, a vista das ruínas —<br />

igreja, fortaleza, tribunal, enfim, os edifícios de uma<br />

administração reduzida mas decida a funcionar —<br />

era impressionante. Como puderam resistir naquela<br />

solidão, militarmente acossados de todas as partes e<br />

sujeitos às febres que levaram muitos deles? Que<br />

teimosia foi aquela?<br />

Segunda viagem: será breve, porque já me referi ao<br />

assunto em crónica anterior: o segundo cerco de Diu,<br />

em 1546. Durou seis meses e quando D. João de<br />

Castro pôde finalmente intervir e libertar a praça, já<br />

esta não era muito mais que uma grande ruína, mas<br />

32 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />

onde ainda se combatia. De fins de Abril a <strong>Novembro</strong><br />

de 1546, os sitiados, homens e mulheres, combateram<br />

com raiva. Recusaram as propostas de rendição com<br />

honra, que lhes permitiriam partir levando os seus<br />

haveres. Não podemos, hoje, imaginar o que terão<br />

sido aqueles seis meses na fortaleza de Diu. Uma vez<br />

mais: teimosia!<br />

E a terceira viagem vai mais longe no tempo e é mais<br />

vasta no espaço: refiro-me a toda a história da implantação<br />

portuguesa no<br />

Oriente. Um historiador inglês<br />

bem conhecido, o Prof.<br />

Charles Boxer, dá-nos uma<br />

perspectiva de estrangeiro,<br />

que é sempre bom ter em<br />

conta quando é honesta (como<br />

é o caso), mesmo se por<br />

vezes algo incorrecta ou<br />

injusta. No seu livro «O<br />

Império Marítimo Português»,<br />

Boxer faz notar, com<br />

justeza, que se fala muito<br />

das conquistas portuguesas no Oriente, mas que fala<br />

pouco das várias tentativas falhadas que antecederam<br />

essas conquistas. E comenta, em substância, que os<br />

portugueses mostraram uma enorme tenacidade, uma<br />

enorme determinação (uma enorme teimosia!) na<br />

construção do seu império marítimo.<br />

Como o leitor compreendeu, era à teimosia<br />

que eu queria chegar com estas viagens.<br />

Ponhamos de lado as possíveis motivações<br />

e as explicações — bravura, força espiritual,<br />

sede de riquezas e de poder, ardor religioso,<br />

ganância, tudo isso esteve presente em proporções<br />

diversas, mas não é, aqui, o meu tema. O meu tema é<br />

a persistência, a coragem da teimosia que os portugueses<br />

mostraram em vários momentos da sua<br />

história, e não só nestes que acabo de referir. Como<br />

país e como povo, somos um caso de teimosia.<br />

E que falta ela nos faz, hoje…! ■

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