CORRENTES ATLÂNTICAS 138 «As fronteiras são fictícias e arbitrárias», reconhece o actor mexicano Gael García Bernal que encarna a personagem <strong>de</strong> Che em Diários <strong>de</strong> Che Guevara. Eis a lição <strong>de</strong> continentalida<strong>de</strong> da tão pobre e rica América do Sul renovada neste último filme <strong>de</strong> Walter Salles. Os mortos comandam os vivos ou também <strong>de</strong> motocicleta se atravessa o mar Anabela Moutinho 139
Walter Salles é meu conhecido <strong>de</strong> há uns anos a esta parte. Gosto <strong>de</strong> o cumprimentar, sinto-me bem por trocar olhares, emoções e <strong>de</strong>scobertas em sotaque brasileiro. Não chega a ser meu amigo, porque esse é quem te toca sempre e não só a espaços. Mas, seja como for, enternece- me a vonta<strong>de</strong> louca, a <strong>de</strong>le, <strong>de</strong> ser o seu país em mensagem universal. E, quando o consegue, apetece- me ser convidada para entrar naquela sua casa. Porque aí ela seria minha também. Um pouquinho, mas o suficiente. Da obra <strong>de</strong> Walter Salles, o filho e por isso Júnior, se afastaram os caminhos diplomáticos <strong>de</strong> seu pai mas não o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> errância ou, pelo menos, o fantasma <strong>de</strong>la que a sua própria vida lhe forneceu durante anos <strong>de</strong> infância e adolescência. Os errantes são seres em <strong>de</strong>manda, e nas histórias <strong>de</strong> Salles o Santo Graal são eles próprios. Ora, em todos os seus filmes <strong>de</strong> ficção – melhor dito, em todas as suas longas-metragens porque não vi nem as curtas-metragens, nem os filmes para televisão, nem os documentários, nem os filmes publicitários (isto é, o grosso da sua filmografia...) –, o cálice que se busca é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. E jogos entre ela e a do realizador, e a do povo, e a do continente, e a do mundo. Quando Waltinho chega ao cinema, carrega já um olhar: o do fotógrafo que ele foi – e não por acaso a sua primeira longa- -metragem, A Gran<strong>de</strong> Arte (1991), adaptada do romance homónimo <strong>de</strong> Rubem Fonseca, é protagonizada por um fotógrafo, tornado no guião em norte-americano pela vonta<strong>de</strong>, muito inicial como se vê, <strong>de</strong> internacionalizar os filmes como estratégia comercial e fruto <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> económica – mas também o do cinema próximo das pessoas que assume como sua herança e influência, ou seja, o neo-realismo italiano, a Nouvelle Vague francesa e o Cinema Novo Brasileiro. E <strong>de</strong>sta mistura – Cartier-Bresson, Kertesz e Kubelka guiando Salles, como o próprio confessa, nesses gestos <strong>de</strong> fixar instantâneas pessoas a preto e branco, Sica ou Truffaut ou Glauber a inspirar o mesmo em gente do campo ou da cida<strong>de</strong> em imagens em movimento – dizem particularmente bem o início e o final <strong>de</strong> A Gran<strong>de</strong> Arte: Peter Mandrake (interpretado por Peter Coyote) vai disparando a sua máquina a esses meninos loucos que <strong>de</strong>safiam a vida no «trem-surf», imobilizando assim em imagens a preto e branco essas aventuras a cores <strong>de</strong> quem ama o risco da morte para dar algum sentido a existências sem nenhum, para terminar reconciliando-se com o amor após uma história cruel <strong>de</strong> vingança indomável, fotografando beijos carinhosos da gente simples que dá vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar. Os filmes <strong>de</strong> Salles oscilam assim entre uma preocupação lúcida e um optimismo cândido quanto ao <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>ssa gente que é a <strong>de</strong>le. Aliás, esse não é o único traço comum na sua obra. Em todas as suas longas- -metragens «os mortos comandam os vivos», frase que roubo a uma personagem <strong>de</strong> Abril Despedaçado; em A Gran<strong>de</strong> Arte, que é a <strong>de</strong> ferir com cruelda<strong>de</strong> quem nos feriu, manejando as navalhas com a sabedoria <strong>de</strong> samurais dos bas-fonds, a morte surge como consequência natural <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>svario ético; em Terra Estrangeira (1996), é a mãe basca falecida que conduz o seu filho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> São Paulo a uma San Sebastián Da obra <strong>de</strong> Walter Salles, o filho e por isso Júnior, se afastaram os caminhos diplomáticos <strong>de</strong> seu pai, mas não o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> errância ou, pelo menos, o fantasma <strong>de</strong>la
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