29.04.2013 Views

descarregar PDF - Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

descarregar PDF - Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

descarregar PDF - Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

na absolvição das árvores/jacarandás,<br />

acácias...» (Fervor <strong>de</strong> Buenos<br />

Aires).<br />

Eis agora a Rua Florida cujos<br />

<strong>de</strong>zasseis quarteirões Borges<br />

percorreu a pé, durante anos, a<br />

caminho da Biblioteca Nacional,<br />

na Rua México. Aquela que<br />

foi a primeira rua pedonal <strong>de</strong><br />

Buenos Aires é hoje o epicentro<br />

comercial da cida<strong>de</strong>, com lojas<br />

das melhores marcas e on<strong>de</strong> se<br />

po<strong>de</strong>m comprar artigos <strong>de</strong> couro<br />

a preços convidativos, <strong>de</strong>pois<br />

da <strong>de</strong>svalorização do peso argentino.<br />

Ao fim da manhã, uma<br />

multidão <strong>de</strong> turistas enche a<br />

rua. A paixão pelo futebol é visível<br />

nas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> lojas <strong>de</strong> artigos<br />

<strong>de</strong>sportivos que dão colorido<br />

à rua expondo as camisolas<br />

das principais equipas argentinas<br />

e da selecção nacional.<br />

À porta das Galerias Pacífico,<br />

on<strong>de</strong> se encontram instalados<br />

o Centro Cultural Jorge Luís<br />

Borges e a Escola <strong>de</strong> Dança <strong>de</strong><br />

Julio Boca, um par <strong>de</strong> tango ensaia<br />

algumas figuras <strong>de</strong> dança<br />

ao som <strong>de</strong> La Cumparsita. Atravesso<br />

<strong>de</strong>pois a Rua Lavalle que<br />

cruza com a Florida e lhe serve<br />

<strong>de</strong> extensão comercial. Esta artéria<br />

foi outro lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>ambulação<br />

<strong>de</strong> Borges que frequentava<br />

as suas salas <strong>de</strong> cinema nos<br />

anos cinquenta. Mais adiante, a<br />

livraria El Ateneo, que foi nos<br />

anos sessenta um dos lugares<br />

mais concorridos pela geração<br />

<strong>de</strong> intelectuais e escritores, e<br />

on<strong>de</strong> Borges costumava <strong>de</strong>ter-se<br />

no seu percurso diário para a<br />

Biblioteca Nacional on<strong>de</strong> era director,<br />

convida a entrar.<br />

Borges não gostava do centro.<br />

E embora durante anos tivesse<br />

que caminhar pelas suas<br />

ruas e frequentasse os cafés –<br />

como o Tortoni, na Avenida <strong>de</strong><br />

Maio –, as tertúlias – como a do<br />

café Royal Keller, na Rua Cor-<br />

rientes – e os jornais da zona –<br />

como La Prensa, na Avenida <strong>de</strong><br />

Maio –, pouco mudou a sua<br />

opinião formada na juventu<strong>de</strong><br />

sobre o centro como «um lugar<br />

pitoresco e <strong>de</strong>senraizado» (O Tamanho<br />

da Minha Esperança). Muito<br />

mais tar<strong>de</strong>, já na velhice, afirmaria<br />

que «a Avenida Corrientes<br />

é uma superstição» (Borges, el<br />

memorioso), procurando <strong>de</strong>struir<br />

o mito da mais central das ruas<br />

<strong>de</strong> Buenos Aires.<br />

E é a extensa Corrientes que<br />

percorro ao crepúsculo, quando<br />

o néon dos anúncios dos teatros<br />

e dos cinemas começa já a <strong>de</strong>r-<br />

Praça San Martín<br />

ramar a ilusão sobre a avenida<br />

que já foi uma espécie <strong>de</strong><br />

Broadway porteña, cantada nas letras<br />

<strong>de</strong> tangos. E no interior das<br />

muitas livrarias – on<strong>de</strong> se compram<br />

edições <strong>de</strong>saparecidas <strong>de</strong><br />

Borges, <strong>de</strong> Casares, <strong>de</strong> Cortázar<br />

– e nos incontornáveis cafés que<br />

ainda povoam a rua, acen<strong>de</strong>m-<br />

-se as luzes, iluminando histórias<br />

escritas e conversadas.<br />

Em Corrientes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Avenida<br />

Callao até à Rua San Martín,<br />

sempre existiram cafés com sabor<br />

a tango, a política e a todo o tipo<br />

<strong>de</strong> discussões, a movidas artísticas, a<br />

conquistas e enganos, ao rescaldo<br />

do último <strong>de</strong>rby entre o Boca Juniors<br />

e o River Plate. A boémia<br />

porteña tinha o seu encontro privilegiado<br />

ao longo <strong>de</strong>sta avenida<br />

que nunca dormia, carregada <strong>de</strong><br />

sonhos e ilusões. Nos distintos<br />

cafés se pronunciaram panegíricos<br />

manifestos acerca da liberda<strong>de</strong><br />

e os intelectuais da época<br />

evocaram com gran<strong>de</strong> lirismo a<br />

autenticida<strong>de</strong> da alma artística.<br />

Borges frequentou tertúlias<br />

no Royal Keller. Carlos Gar<strong>de</strong>l e<br />

José Razzano, que actuavam no<br />

Teatro Esmeralda, hoje conhecido<br />

por Maipo, tinham todas as noites<br />

uma mesa reservada no Guarani.<br />

Horacio Quiroga frequentou<br />

La Richmond. A lista <strong>de</strong> cafés<br />

era infindável. E, embora hoje<br />

muitos já tenham <strong>de</strong>saparecido<br />

ou se tenham tornado irreconhecíveis<br />

pelas transformações sofridas,<br />

ainda se respira em Corrientes<br />

um pouco do tempo em que<br />

aquela rua nunca dormia.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!