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CORRENTES ATLÂNTICAS 140<br />

Ora, <strong>de</strong> qualquer<br />

viagem,<br />

o que recordamos<br />

são momentos,<br />

e são esses<br />

os que me<br />

comovem<br />

em Walter Salles<br />

141<br />

que ele não alcançará nunca<br />

pois pelo meio fica este Portugal<br />

que «não é sítio para se encontrar<br />

ninguém, é uma terra<br />

<strong>de</strong> gente que partiu para o<br />

mar, o lugar i<strong>de</strong>al para se per<strong>de</strong>r<br />

alguém ou para se per<strong>de</strong>r a<br />

si próprio», como certeiramente<br />

diz a personagem belissimamente<br />

interpretada pelo<br />

nosso João Lagarto; em Central<br />

do Brasil (1998), é a figura do<br />

pai ausente, nem se sabe se vivo<br />

ou morto, que se persegue até<br />

ao Brasil mais profundo e esquecido,<br />

e nessa busca um menino<br />

encontra uma mãe e uma<br />

mulher encontra-se a si mesma;<br />

em O Primeiro Dia (1998),<br />

são os <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> armas clan<strong>de</strong>stinas<br />

que são filmados como<br />

livros em bibliotecas públicas,<br />

e <strong>de</strong>ssas letras escritas com<br />

pólvora se faz uma história <strong>de</strong><br />

felicida<strong>de</strong> impossível para<br />

quem se comprometeu com<br />

um assassínio; em Abril Despedaçado<br />

(2001), <strong>de</strong> novo uma incursão<br />

em obra literária prévia,<br />

<strong>de</strong>sta vez <strong>de</strong> Ismail Kadaré, é a<br />

tradição <strong>de</strong> raízes sicilianas da<br />

honra da família «cobrada pelo<br />

sangue» presente no Nor<strong>de</strong>ste<br />

brasileiro do início do século<br />

passado, que aliás ainda se encontra,<br />

<strong>de</strong>svirtuada embora, nas<br />

favelas do final <strong>de</strong>le (não foi<br />

portanto por acaso que Walter<br />

Salles foi o produtor <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Deus <strong>de</strong> Fernando Meirelles,<br />

adaptação do romance homónimo<br />

<strong>de</strong> Paulo Lins sobre a favela<br />

com o mesmo nome, o filme-<br />

-choque que <strong>de</strong>u a volta ao<br />

mundo em 2002 recordando o<br />

mesmo efeito que Pixote <strong>de</strong><br />

Hector Babenco tinha provocado<br />

nos idos dos anos 80). Os<br />

mortos comandando os vivos.<br />

E, como se começa a perceber,<br />

em todos eles o estilo é<br />

o do road-movie ou literal por-<br />

que são viagens que se contam,<br />

ou metafórico porque até nos<br />

mais negros films noirs uma viagem<br />

interior acontece. Ora, <strong>de</strong><br />

qualquer viagem, o que recordamos<br />

são momentos, e são<br />

esses os que me comovem em<br />

Walter Salles: o Tonho <strong>de</strong> Abril<br />

Despedaçado a quebrar a tradição<br />

familiar quando se permite<br />

uma viagem <strong>de</strong> baloiço filmada<br />

como se <strong>de</strong> voo <strong>de</strong> pássaro se<br />

tratasse e nos ares planasse a<br />

alegria e não mais a dor; o João<br />

<strong>de</strong> O Primeiro Dia disparando a<br />

sua 9 mm, antes responsável<br />

pela morte do seu melhor amigo<br />

que ele mesmo executou<br />

ce<strong>de</strong>ndo a chantagem policial<br />

que nesse acordo lhe garantia a<br />

liberda<strong>de</strong>, agora para o ar, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> salvar Maria do suicídio<br />

e assim se juntando ao fogo-<strong>de</strong>-artifício<br />

que à meia-noite<br />

explo<strong>de</strong> com o Corcovado<br />

ao fundo e gritando «nunca<br />

mais a morte», projecto <strong>de</strong><br />

uma nova felicida<strong>de</strong> para todo<br />

um povo num milénio que se<br />

inicia; a Dora «escrevedora <strong>de</strong><br />

cartas» <strong>de</strong> Central do Brasil no final<br />

do filme escrevendo uma<br />

em seu nome e já não, a troco<br />

<strong>de</strong> 1 real («2, se for pra botar<br />

no correio»), a gentinha analfabeta<br />

que confiava nela as suas<br />

ilusões e esperanças que por<br />

sua vez ela <strong>de</strong>itava no lixo, Dora<br />

finalmente a confessar que<br />

tem sauda<strong>de</strong>s do seu pai, que<br />

tem sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tudo, e por<br />

isso enten<strong>de</strong>mos que o seu cinismo<br />

<strong>de</strong>u lugar a um coração<br />

<strong>de</strong> novo quente, <strong>de</strong> novo coração;<br />

a Alex do seu melhor filme,<br />

Terra Estrangeira, a soluçar o<br />

Vapor Barato enquanto Paco se<br />

esvai em sangue no seu colo, e<br />

finalmente a voz <strong>de</strong> Gal Costa<br />

a continuar a canção porque<br />

Alex tem que ir sossegando<br />

inutilmente eu te levo a casa,

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